segunda-feira, 11 de outubro de 1999


XIII

DO HOMEM E SUA NATUREZA: ESPIRITUALIDADE E IMORTALIDADE DA ALMA


Há entre os seres corporais algum que forme um mundo à parte, ou categoria distinta no conjunto dos demais?
Sim, Senhor; o homem.

Que é o homem?
Um ser composto de espírito e matéria, no qual, de algum modo, se compendiam os mundos espiritual e material. (LXXV).

Com que nome se conhece o espírito humano?
Com o de alma (LXXV, 1-4).

Há, além do homem, algum outro ser corpóreo que tenha alma?
Sim, Senhor; as plantas e os animais.

Que diferença existe entre a alma humana e as almas das plantas e dos animais?
Em que a alma das plantas é exclusivamente vegetativa; a dos animais vegetativa e sensitiva; e a humana, além destas faculdades, possui a inteligência.

Logo, é a inteligência que distingue o homem dos demais seres corpóreos?
Sim, Senhor.

A alma, como princípio intelectual, exerce a sua função própria, independentemente do corpo?
Sim, Senhor (LXXV, 2).

Em que vos apoiais para assegurá-lo?
Em que o objeto do entendimento é o imaterial.

E por que, se a alma exerce a sua função própria independentemente do organismo, se deduz que é incorpórea?
Porque, se não o fosse, não poderia unir-se ao objeto do entendimento, que é o imaterial (Ibid.).

Que se segue desta verdade?
Segue-se que a alma humana é imortal (LXXV, 6).

Poderíeis dar a razão da conseqüência?
Sim, Senhor; porque se é independente do organismo no obrar, forçosamente há de sê-lo no existir.

E que deduzis deste princípio?
Deduzo que, se bem que o corpo perece, ao separar-se da alma, a alma, ao contrário, não pode morrer (Ibid.).

Logo, durará eternamente?
Sim, Senhor.

Para que se une a alma ao corpo?

Para formar um todo harmônico e substancial, chamado homem (LXXV, 4).

Não é, portanto, acidental a união da alma com o corpo?
Não, Senhor; porque a alma exige por natureza a união substancial (LXXVI, 1).

Que faz a alma no corpo?
Dá-lhe todas as perfeições que possui: o existir, o viver e sentir, reservando para si, unicamente, o ato de entender (LXXVI, 3, 4).



XIV

DAS POTÊNCIAS OU FACULDADES VEGETATIVAS E SENSITIVAS


Há na alma faculdades distintas ou princípios diversos de operação?
Sim, Senhor; pois quanto no homem há, procede imediatamente de faculdades ou potências do espírito, exceto a perfeição fundamental, o ser corpo, que recebe imediatamente da essência da alma (LXXVII).


Em virtude de que potências vive o corpo?
Em virtude das vegetativas.

Quantas e quais são?
São três: o poder de nutrição, o de crescimento e de reprodução (LXXVIII, 2).

Em virtude de que potências sente?
Em virtude das potências sensitivas.

Quereis dizer-me quantas e quais são?
Existem duas classes: cognoscitivas e afetivas.

Quais são as cognoscitivas?
Os cinco sentidos exteriores.

Que nome têm?
Potência ou faculdade de ver, ouvir, cheirar, gostar e apalpar (Ibid.).

Como se chamam os órgãos correspondentes?
Vista, ouvido, olfato, gosto e tacto (Ibid.).


Há também faculdades cognoscitivas sensíveis, sem órgão externo?
Sim, Senhor; e são: o senso comum, a imaginação, o instinto e a memória (LXXVIII, 4).



XV

DA INTELIGÊNCIA E DO ATO DE ENTENDER


Há no homem alguma outra faculdade cognoscitiva?
Há outra e é a mais nobre e principal.

Que nome tem?
O de inteligência ou razão (LXXIX, 1).

A inteligência e a razão são uma ou duas potências?
Uma só (LXXIX, 8).

Por que tem dois nomes?
Porque há verdades que o entendimento compreende intuitivamente de um só golpe, e outras que necessita adquirir mediante o raciocínio (Ibid.).

Por conseguinte, o discurso é o ato característico do homem?
Sim, Senhor; porque nenhum outro ser da Criação pode e necessita discorrer.

É o discurso perfeição da inteligência humana?
Sim, Senhor; porém, revela imperfeição a necessidade de discorrer.

Por que é perfeição, no homem, a faculdade de discorrer?
Porque, por ela, pode o homem conhecer a verdade, inatingível aos seres inferiores, como são os animais privados de razão.

Por que revela imperfeição a necessidade de discorrer?
Porque, se bem que por virtude do raciocínio pode o homem conhecer a verdade, só com tempo e perigo de enganar-se, o consegue; ao contrário, os seres que não o necessitam, como Deus e os Anjos, se apoderam da verdade com uma só visão e assim estão isentos até da possibilidade de se enganarem.

Que significa conhecer a verdade?
Ter conhecimento do que existe.

E que implica o desconhecê-la?
Ignorância ou erro.

Há alguma diferença entre a ignorância e o erro?
Sim, Senhor; e muito grande: A ignorância é a carência do conhecimento de uma coisa; erro é atribuir existência ao que não a teve nem tem.

É um mal viver no erro?
Sim, Senhor; porque o bem próprio do homem consiste na verdade, que é o bem da inteligência.

Tem o homem ciência inata?
Não, Senhor; porque se bem que, desde o princípio, possui inteligência, há de aguardar, para adquirir a verdade, que se desenvolvam as faculdades sensitivas destinadas a servi-la (LXXXIV, 5).

Quando começa o homem a conhecer a verdade?
Quando tem uso de razão, aos sete anos aproximadamente.

Pode a razão humana investigar e conhecer todas as verdades?
Com o exercício próprio de suas forças naturais, de nenhum modo, pode adquirir conhecimento próprio de todas elas (XII, 4; LXXXVI, 2, 4).

Que coisas pode conhecer naturalmente?
            As coisas sensíveis e as verdades que deste conhecimento se derivam.

Pode o homem conhecer-se a si mesmo?
Sim, Senhor; porque há nele alguma coisa que pertence ao domínio dos sentidos, e partindo do sensível mediante o discurso, pode investigar o que necessita para saber o que é (LXXXVIII, 1, 2).

Pode conhecer os espíritos puros?
Só de um modo imperfeito.

Por quê?
Porque não pertencem ao mundo do sensível, objeto próprio da razão humana.

Pode conhecer a Deus, em si mesmo?
Não, Senhor; porque a sua natureza soberana dista infinitamente do objeto proporcionado à inteligência, no conhecimento natural, que, como dissemos, é o mundo sensível (LXXXVIII, 3).

Logo a razão humana, abandonada às suas próprias forças, como pode conhecer a Deus?
De modo muito imperfeito.

Apesar dessa imperfeição, enobrece ao homem o conhecimento natural de Deus?
Sim, Senhor; em primeiro lugar, porque, por meio dele, se levanta muito acima dos irracionais; segundo, porque o convence que será elevado, mediante a graça, à soberana dignidade de filho de Deus e que, em virtude desse conhecimento, está chamado a conhecê-Lo como é, primeiro de modo imperfeito, mediante a fé, depois intuitivamente, pelo Lumen Gloriae[6] (XII, 4 ad 3).

Em virtude da elevação à dignidade de filho de Deus, igualou-se o homem com os anjos?
Em virtude dessa elevação pode ser igual e até superior aos anjos na ordem da graça, porém sempre inferior na da natureza (CVIII 8).






XVI

DAS FACULDADES AFETIVAS: O LIVRE ARBÍTRIO


Há no homem faculdades distintas das cognoscitivas?
Sim, Senhor; as afetivas.

Que entendeis por faculdades afetivas?
O poder que o homem tem de propender para o que as faculdades cognoscitivas lhe apresentam como bom, e de fugir do que como mau lhe põem diante dos olhos.

Quantas classes de faculdades afetivas há no homem?
Duas, correspondentes às duas espécies de conhecimento que estudamos.

Que nome recebe a primeira?
O de apetite sensitivo (LXXXI).

E a segunda?
A segunda chama-se vontade (LXXXII).

Recebe também a vontade o nome de apetite?
Sim, Senhor; porém em sentido mais nobre e espiritual.

Qual das duas faculdades é mais perfeita?
A vontade.

Se o homem possui livre arbítrio, é devido à vontade?
Sim, Senhor; porque, sendo o bem em geral (Bonum commune) o único que a vontade ama necessariamente, solicitada por bens particulares permanece senhora de seus atos, podendo por conseqüência, inclinar-se a querer ou a não querer (LXXXVIII).

A liberdade humana reside exclusivamente na vontade?
Não Senhor; na vontade unida à inteligência.

O homem dotado de livre arbítrio, em virtude da inteligência e da vontade, é rei da Criação neste mundo corpóreo?
Sim, Senhor; porque os outros seres materiais são inferiores a ele, por natureza, e todos foram criados para que o servissem na peregrinação que há de empreender, até que volte ao seio de Deus, de cujas mãos saiu.


XVII

ORIGEM DIVINA DO HOMEM


Descendem dos mesmos pais todos os homens que existem e têm existido no mundo?
Sim, Senhor.

Como se chamavam os primeiros pais da linhagem humana?
Adão e Eva.

E eles, por sua vez, donde procediam?
Foram criados por Deus.

Como os criou?
Dando:lhes corpo e alma.

Como produziu Deus as suas almas?
Por Criação.

E os corpos?
O mesmo Deus nos revelou que modelou com barro o corpo de Adão e de uma das suas costelas formou o de Eva (XCI, XCII).

O homem foi criado à imagem e semelhança de Deus?
Sim, Senhor (XCIII).

Que quer dizer que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus?
Que a natureza e operações mais elevadas do homem lhe permitem entrever a natureza divina e a vida íntima da Augusta Trindade e imitam de certo modo a perfeição das pessoas divinas (XCIII, 5).

Por que se reflete, na natureza e operações mais nobres do homem, a natureza divina?
Porque também a nossa alma é espiritual e as suas operações mais perfeitas, entender e amar, têm por objeto a primeira Verdade e o Bem supremo, que é o mesmo Deus (XCII, 5-7).

Por que nos atos de entender e amar podemos ver uma semelhança da vida íntima da Augusta Trindade?
Porque o nosso Espírito, ao pensar em Deus, concebe um verbo interior que lhe serve de objeto e, sob a influência do pensamento produtor do Verbo, brota o ato de amar o objeto concebido pelo espírito (XCIII, 6).

De que modo podemos imitar a perfeição própria das Pessoas divinas?
Podemos, à sua semelhança, ter como primeiro objeto e último fim de nossos pensamentos e afetos a Deus, concebido no entendimento e adorado no coração (XCIII, 6).

Não há no mundo corpóreo, além do homem, algum outro ser feito à imagem e semelhança de Deus?
Não, Senhor; porque somente o homem possui natureza espiritual (XCIII, 2).

Logo, nas criaturas inferiores, nada há por onde venhamos ao conhecimento de Deus?
Sim, Senhor; porque, em razão das perfeições materiais de que foram dotadas, são como impressões ou vestígios da mão de Deus, seu criador (XCIII, 6).


XVIII

DO ESTADO FELIZ EM QUE FOI CRIADO O HOMEM


Criou Deus o homem perfeito?
Sim, Senhor.

Que bens compreendia o primitivo estado de felicidade em que o homem foi criado?
Ciência claríssima e universal, justiça original unida à prática de todas as virtudes, império absoluto da alma sobre o corpo e domínio sobre todas as criaturas (XCIV, XCV, XCVI).

Possuía o primeiro homem estes bens, na qualidade de privilégio exclusivo e intransferível?
Em relação à ciência, sim Senhor; porém, a justiça original e os dons de integridade se transmitiriam por geração a todos os seus descendentes, porque eram inseparáveis da natureza humana enquanto deles não fosse o homem despojado pelo pecado (XCIV, 1).


Estava o homem sujeito à morte?
Não Senhor (XCVI, 2).

Estava isento de sofrimento e de dor?
Sim, Senhor; visto que a alma, por especial privilégio, protegia o corpo contra todo o mal e ela por sua vez de coisa alguma podia receber dano, enquanto a vontade permanecesse submissa a Deus (XCVII, 2).

Logo, o homem foi criado em estado de verdadeira felicidade?
Sim, Senhor.

E aquela felicidade era a última e suprema a que podia aspirar?
Não, Senhor; era temporal e a ela devia seguir-se outra mais alta e definitiva (XCIV, 1, ad 1).

Como poderíamos chamá-la?
A primeira felicidade inicial, durante a qual o homem contrairia méritos para alcançar, a titulo de recompensa, o estado de felicidade último e perfeito (XCIV, 1,2, 2; XCV, 4).

Onde receberia o homem o galardão que havia de coroar a sua felicidade?
No céu da glória, em companhia dos anjos, para onde seria levado por Deus. depois de algum tempo de prova e méritos no primitivo estado (XCIV. 1, ad 1).

Onde habitaria o homem, enquanto contraía méritos para ser levado á glória?
Num jardim de delicias, expressamente preparado por Deus (CII).

Como se chamou aquele lugar de delícias?
Paraíso terreal.

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