segunda-feira, 11 de outubro de 1999


*  *  *

PRIMEIRA PARTE

DEUS

Criador e Soberano Senhor de todas as coisas

I

DA EXISTÊNCIA DE DEUS


Há Deus?
Sim, Senhor (II).

Por que o dizeis?
Porque, se não o houvesse, não poderia existir coisa alguma. (II, 3).

Como o demonstrais?
Mediante o seguinte raciocínio: O que necessariamente há de receber de Deus o ser não existiria, se Deus não existisse. Assim é que coisa alguma pode existir, exceto o mesmo Deus, se não recebe Dele a existência. Logo, se não houvesse Deus, não poderia existir coisa alguma.

E como demonstrais que nenhuma coisa pode existir, exceto o mesmo Deus, se não recebe Dele a existência?
Desenvolvendo o mesmo raciocínio: O que existe e pode não existir, depende, em última análise, de alguma coisa que existe necessariamente, e a esta alguma coisa chamamos Deus. Assim é que nada do que existe, exceto Deus, existe por si mesmo, isto é, em virtude de forçosa exigência de sua natureza. Logo, há de, necessariamente, receber de Deus a existência.

Por que dizeis que nada do que existe, exceto Deus, existe por si mesmo
Porque nenhum ser que necessita de alguma coisa, existe em virtude deexigências de sua natureza. Assim é que todos os seres, exceto Deus, necessitamde alguma coisa. Logo nenhum pode existir por si mesmo.

Por que os seres que necessitam de alguma coisa não podem existir por si mesmos?
Porque, o que existe por si mesmo, não depende, nem pode depender de coisa alguma, nem de pessoa alguma; e o que forçosamente necessita de alguma coisa ou pessoa, dessa coisa ou pessoa depende.

E por que o ser que existe por si mesmo não depende, nem pode depender de qualquer pessoa ou coisa?
Porque no fato de existir per se já vai incluída a posse atual de todas as perfeições, por virtude de sua natureza e com absoluta independência: Não pode, portanto, receber coisa alguma de fora.

Portanto, a existência dos seres contingentes é prova evidente da existência de Deus?
Assim é.

Que fazem, por conseqüência, os que o negam?
Sustentam a verdade da seguinte proposição: O ser que tudo necessita, de nada tem necessidade.

Isto, porém, é contraditório.
Evidentemente: Como é possível negar a existência de Deus sem se contradizer?

É, portanto, uma loucura negar a existência de Deus?
De verdadeira loucura se pode qualificar.


II

NATUREZA E ATRIBUTOS DE DEUS


Quem é Deus?
Um Espírito em três Pessoas; Criador e Soberano Senhor de todas as coisas.

Que quereis dizer quando dizeis que Deus é espírito?
Quero dizer que não tem corpo como nós, que está, absolutamente, isento de matéria e de qualquer elemento estranho ao seu ser (III, 14).

Que conseqüências se derivam destes princípios?
Resulta que Deus é, no sentido mais absoluto e transcendental, o Ser por essência e as restantes coisas são seres particulares, são tais seres e não o Ser. (III, 4).

Deus é perfeito?
Sim, Senhor; porque nada lhe falta (VII, 1).

É bom?
É a própria bondade, como princípio e fim de todos os amores. (VI).

É infinito?
Sim, Senhor; porque coisa alguma pode limitá-lo.

Está em toda a parte?
Sim, porque tudo quanto existe, Nele e por Ele existe. (VII).

É imutável?
Sim, porque nada pode adquirir. (IX).

É Eterno?
Sim, porque Nele não há sucessão (X).

Quantos deuses há?
Um só (XI).

Existem em Deus os referidos atributos?
Sim, Senhor, e se não os possuísse não seria o Ser por essência.

Podereis demonstrá-lo?
Sim, Senhor; Deus não seria o ser por essência, se não fosse o que existe per se,ou como dissemos, por necessidade de sua natureza. O que existe per seconcentra em si mesmo todos os modos do ser; é, portanto perfeito e, sendo perfeito, necessariamente há de ser bom. É, além disso, infinito, condição indispensável para que nenhum ser tenha ação sobre Ele e o limite, e se é infinito possui o dom da ubiqüidade. É imutável, porque, se mudasse, havia de ser em busca de uma perfeição que lhe faltasse. Sendo imutável, é eterno, porque o tempo é sucessão e toda sucessão revela mudança. Sendo perfeito em grau infinito, não pode haver mais do que um; se houvesse dois seres infinitamente perfeitos, nada teria um que o outro não possuísse, não haveria meios de distingui-los e seriam, portanto um (III-XI).

Podemos ver a Deus enquanto vivemos neste mundo?
Não Senhor; não o consente o nosso corpo mortal (XI, 11).

Poderemos vê-lo no céu?
Sim, Senhor; com os olhos da alma glorificada (XII, 1-10).

De quantos modos podemos conhecer a Deus neste mundo?
De dois: por meio da fé e da razão (XII-12-13).

Que coisa é conhecer a Deus por meio da razão?
É conhecê-Lo, mediante as criaturas, obras de suas mãos (XII, 12).

E conhecê-Lo pela Fé?
É conhecê-Lo, sabendo o que Ele é, pelo que nos revelou de Si mesmo (XII, 13).

Qual destes dois modos de conhecimento é mais perfeito?
Indubitavelmente, o da fé, dom sobrenatural que nos mostra Deus com uma claridade como jamais o pode conjeturar a razão humana; e ainda que, devido à imperfeição de nosso entendimento percebemos esta claridade, manchada de sombras e obscuridades impenetráveis, é todavia dela, como aurora do dia feliz da visão perfeita, que se constituirá a nossa Bem-aventurança no céu (XII, 15).

As palavras e proposições que usamos para falar de Deus expressam alguma coisa de positivo, determinado e real?
Sim, Senhor; porque, se bem que tenham sido inventadas para designar as perfeições das criaturas, podem empregar-se para manifestar o que em Deus corresponde a essas perfeições (XIII, 1-4).

Têm o mesmo sentido aplicadas a Deus e às criaturas?
Sim, Senhor; porém, com alcance diverso: quer dizer que, aplicadas às criaturas, manifestam plenamente a natureza e as perfeições que expressam; porém, usadas para designar perfeições divinas, se bem que em Deus existe realmente quanto de positivo encerra o seu significado, não alcançam expressá-lo de modo supereminente como está em Deus (XIII, 1-4).

Por conseguinte, Deus é inefável, qualquer que seja a nossa linguagem e a sublimidade das expressões que usemos para falar Dele?
É inefável: apesar disso, não pode ter o homem ocupação mais digna e proveitosa do que a de falar de Deus e dos seus atributos, apesar do confuso e impreciso de nossa linguagem, durante esta vida mortal (XIII, 6, 12).



III

OPERAÇÕES DIVINAS


Qual é a vida íntima de Deus?
A sua vida consiste em conhecer-se e amar-se (XIV - XXVI).

Deus sabe todas as coisas?
Sim, Senhor (XIV, 5).

Sabe tudo o que se passa no mundo?
Sim, Senhor (XIV, 11).

Conhece todos os segredos dos corações?
Sim, Senhor (XIV, 10).

Conhece o futuro?
Sim, Senhor (XIV, 13).

Em que vos fundais para atribuir a Deus tão profunda ciência?
Em que ocupando Deus o grau supremo do imaterial, possui inteligência infinita; é impossível, portanto, que ignore coisa alguma, presente, passada, futura e possível, visto que não há ser que pertença, quer à ordem entitativa quer à operativa, que não dependa da sua ciência, como o efeito da sua causa (XIV, 1-5).

Logo em Deus há também vontade?
Sim, porque a vontade é inseparável do entendimento (XIX, 1).

Logo, todos os seres dependem da vontade divina?
Sim, Senhor; visto que a vontade de Deus é causa primeira e suprema de todas as coisas (XIX, 4-6).

Ama Deus a todas as criaturas?
Sim porque as criaturas são obra do seu amor (XX, 2).

Produz o amor de Deus algum efeito nas criaturas?
Sim, Senhor.

Que efeito produz?
O de dar-lhes todo o bem que possuem (XX, 3, 4).

Deus é justo?
É a mesma justiça (XXI, 1).

Por que dizeis que Deus é a mesma Justiça?
Porque dá a todos o que exige a natureza de cada um (XXI, 1-2).

A Justiça divina reveste alguma modalidade especial a respeito dos homens?
Sim, Senhor.

Em que consiste?
Em que Deus premia os bons e castiga os culpados (XXI, 1 ad 3).

Recebem os homens neste mundo o merecido prêmio ou castigo?
Em parte, sim, mas nunca por inteiro.

Onde recompensa Deus por inteiro os justos e castiga os pecadores?
No céu os primeiros e os segundos no inferno.

Há em Deus misericórdia?
Sim, Senhor (XXI, 3).

Em que consiste a misericórdia divina?
Consiste em que Deus dá a cada coisa mais do que exige a sua natureza e também em que dá aos justos mais do que lhes é devido, e castiga os pecadores com pena inferior à que merecem as suas culpas (XXI, 4).

Governa Deus este mundo?
Sim, Senhor.

Como se chama o governo de Deus no mundo?
Chama-se Providência (XXI, 1).

A Providência Divina estende-se a todas as coisas?
Sim, porque não há nada no mundo que Deus não tenha previsto e predeterminado desde toda a Eternidade (XXII, 2).

Estende-se aos seres inanimados?
Sim, porque fazem parte da obra de Deus (XXII, 2 ad 4).

Atinge também os atos livres do homem?
Sim, Senhor (XXII, 2, ad 4).

Explicai como.

Os atos livres, de tal maneira estão sujeitos às disposições da Providência Divina, que coisa nenhuma pode o homem fazer, se Deus a não ordena ou a permite, pois a liberdade não lhe confere independência a respeito de Deus (Ibid.).

Tem nome especial a Providência Divina em relação aos justos?
Chama-se Predestinação.

Que quer dizer predestinado?
O homem que há de gozar no Céu a bem-aventurança da glória (XXIII, 2).

Que nome recebem os que não hão de gozar da bem-aventurança?

O de réprobos ou não eleitos (XXIII, 3).

Por que uns hão de ser felizes e os outros não?

Porque os predestinados foram eleitos do Senhor, ou amados com amor de preferência, em virtude do qual governa Deus o curso da sua vida de tal modo que chegarão a conseguir a felicidade eterna (XXIII, 3).

E por que não alcançarão os réprobos a mesma felicidade ?
Porque não foram amados com o amor dos predestinados (XX, 3).

Não haverá nisso injustiça por parte de Deus?
Não, Senhor; porque Deus a ninguém deve por justiça a bem-aventurança eterna, e os que a conseguem só a alcançarão a título de graça (XXIII, 3 ad 2).

E os que não hão de alcançá-la, serão castigados pelo fato de não a possuir?
Serão castigados por não a possuir, porém, só em razão das culpas em virtude das quais se tornaram indignos de recebê-la (XXIII, 3).

Como podem ser culpados de não a haver recebido?
Podem sê-lo, e, com efeito, o são, porquanto Deus a oferece a todos: porém, os homens que, debaixo do império dos decretos divinos, conservam a liberdade, podem aceitar o oferecimento ou recusá-lo, pondo em seu lugar outro fim (Ibid.).

Ofendem com isso a Deus?
Tão gravemente, que merecem duro castigo, visto que, ao fazê-lo, caem voluntariamente em grave pecado pessoal (Ibid.).

Os que aceitam o oferecimento e conseguem a glória, a quem devem o ter correspondido ao chamamento de Deus?
À virtude causal do decreto predestinante (XXIII, 3 ad 2).

É eterna a predestinação por parte de Deus?
Sim, Senhor, (XXIII, 4).

Que significa a predestinação a respeito dos eleitos?
Significa que Deus assinalou a cada um o seu lugar na glória, e, mediante a graça, o porá em condições de possuí-la (XXIII, 5-7).

Que devem fazer os homens ante o pavoroso mistério da predestinação absoluta por parte de Deus?
Abandonar-se inteiramente à ação da graça e convencer-se, na medida do possível, que os seus nomes estão escritos no livro dos predestinados (XXIII, 8).

Deus é Todo-Poderoso?
Sim, Senhor (XXV, 1-6).

Por quê?
Porque, sendo o ser por essência, a Ele há de estar submetido tudo quanto existe ou possa existir (XXV, 3).

Deus é feliz?
É a mesma felicidade, porque goza infinitamente do Bem infinito, que é Ele mesmo (XXVI, 1-4).


IV

DAS PESSOAS DIVINAS


Que quereis dizer, quando afirmais que Deus é um espírito em três Pessoas?
Que há Nele três Pessoas, cada uma das quais se identifica com Deus, e possui os atributos da divindade (XXX, 2).


Quais são os nomes das três Pessoas divinas?
Padre, Filho e Espírito Santo.

Quem é o Padre?
O que, sem ter tido princípio, gera o Filho e dá origem ao Espírito Santo.

Quem é o Filho?
O gerado pelo Padre, e do qual, conjuntamente com o Padre, procede o Espírito Santo.

Quem é o Espírito Santo?
O que procede do Pai e do Filho.

As Pessoas divinas são distintas de Deus, em si mesmo?
Não Senhor.

São distintas entre si?
Sim, Senhor.

Que quereis dizer, quando afirmais que as Pessoas divinas são distintas entre si?
Que o Padre não é o Filho, nem o Espírito Santo; que o Filho não é o Padre, nem o Espírito Santo e que o Espírito Santo não é o Padre, nem o Filho.

Podem separar-se as Pessoas divinas?
Não Senhor.

Estão unidas desde a eternidade?
Sim, Senhor.

Possui o Padre, com relação ao Filho, tudo o que temos visto que há em Deus?
Sim, Senhor.

E o Filho com relação ao Padre?
Também.

E o Padre e o Filho com relação ao Espírito Santo?
Também.

E o Espírito Santo com relação ao Padre e ao Filho?
Sim, Senhor.

Logo, são três Deuses com conexões eternas?
Não, Senhor; são três Pessoas que se identificam com Deus, apesar do que, permanecem realmente distintas.

As Pessoas divinas formam sociedade?
Sim, e a mais perfeita de quantas existem (XXXI, 3 ad 1).

Por quê?
Porque, sendo três, cada uma delas possui de modo infinito a perfeição, a duração, a ciência, o amor, o poder, a felicidade, e todas e cada uma, constituem a sua própria Bem-aventurança no seio da divindade.

Como sabemos que há três Pessoas em Deus?
Porque Ele mesmo no-lo revelou.

Pode a razão humana, sem o auxílio da fé, perscrutar a existência das Pessoas divinas?
Não Senhor (XXXII, 1, 2).

Como se chamam as verdades inacessíveis à inteligência e que só pela fé conhecemos?
Chamam-se mistérios.

É, por conseguinte, um mistério, a existência das Pessoas divinas?
É mistério e o mais profundo de todos.

Que nome tem?
Mistério da Santíssima Trindade.

Poderemos chegar a compreendê-lo?

Sim, e com seu conhecimento seremos eternamente felizes.

Poderemos nesta vida entrever alguma coisa dos admiráveis segredos do mistério da Santíssima Trindade, estudando a natureza das operações dos seres espirituais?
Sim, Senhor; dois são os atos imanentes do ser espiritual: entender e amar, e em cada um se estabelecem relações de princípio a termo, e de termo a princípio de operação. Daqui se deduz, conforme o que ensina a fé, que o Padre, no ato de entender, é princípio, porquanto diz e pronuncia um verbo, e o Verbo tem relação de termo, dito ou pronunciado. O mesmo sucede no ato de amor. O Padre e o Filho formam um princípio de amor, com relação ao Espírito Santo, que é o termo.

Em que qualidade divina se funda o mistério da Santíssima Trindade?
Na fecundidade e riqueza infinitas da divina natureza, em virtude da qual se estabelecem em Deus misteriosas processões de origem (XXVIII, 1).

Como se chamam as processões de origem?
Geração e Processão (XXVIII, 1, 3).

Que se deduz da existência da geração e processão?
Que entre os dois termos de cada processão há relação real constituída pelos mesmos termos.

Quantas e quais são as relações em Deus?
São quatro: Paternidade, Filiação, Inspiração ativa e Processão ou inspiração passiva (XXVIII, 4).

Relação é o mesmo que Pessoa Divina?
Sim, Senhor (XL, 1).

Por que sendo quatro as relações, não são mais que três as pessoas?
Porque a relação chamada inspiração ativa, não só não se opõe, relativamente, à Paternidade e à Filiação, mas convém a uma e a outra; portanto, as Pessoas constituídas pela Paternidade e pela Filiação, podem e devem ser sujeito da inspiração ativa, a qual não constitui Pessoa, senão que convém conjuntamente às pessoas do Padre e do Filho (XXX, 2).

Guardam ordem entre si as Pessoas divinas?
Sim, guardam a ordem de origem, em virtude da qual o Padre pode enviar o Filho, e o Filho enviar o Espírito Santo (XLII, XLIII).

As ações divinas (excetuando os atos de noção, gerar e inspirar) são comuns às três Pessoas?
Sim, Senhor; assim o conhecer e amar de Deus, é um só ato realizado pelas três pessoas, e bem assim todas as ações divinas que produzam algo de extrínseco à divindade (XXXIX, XLI).

Não há, apesar disso, alguns atos que se atribuem especialmente a determinadas Pessoas?
Sim, Senhor; atribuem-se-lhes, em virtude de certa conveniência entre aqueles atos e os caracteres distintivos da Pessoa: assim, por apropriação, se atribui ao Padre a Onipotência, ao Filho a Sabedoria, e a Bondade ao Espírito Santo, ainda que os três são igualmente poderosos, sábios e bons (XXXIX, 7, 8; XLV, 6).

Logo, sempre que falamos de Deus em relação com o mundo, entendemos falar Dele como uno na essência e trino em Pessoas?
Sim, Senhor; exceto quando falamos da Pessoa do Verbo no Mistério da Encarnação (XLV, 6).

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