segunda-feira, 11 de outubro de 1999


R. P. Tomás Pègues, O. P.


SUMA TEOLÓGICA DE SANTO TOMÁS DE AQUINO EM FORMA DE CATECISMO

Para uso dos fiéis


Traduzido por um sacerdote secular


“Deriventur fontes tui foras; et in plateis aquas tuas divide”
Corram fora os regatos da tua fonte, e espalha as tuas águas nas praças públicas (Prov. V, 16)

Editora Taubaté
1942


NIHIL OBSTAT
Scti Pauli, die 25 novembris, a. 1941

Com. Antonio Alves de Siqueira
Censor


IMPRIMATUR
 Josephus Archiep. Paulop.


À Sua Excia. Revma.
D. JUSTINO JOSÉ DE SANT’ANA
D. D. Bispo de Juiz de Fora

Uma singela homenagem às suas muitas e eminentes virtudes.

O Tradutor.




PREFÁCIO

Depomos nas mãos de todos os fiéis esta tradução da obra de Santo Tomás de Aquino, posta em forma catequética, por um dos seus mais fecundos comentadores.
Cremos ter prestado à Religião um assinalado serviço, pois, como muito bem disse S. S. Bento XV, era necessário que os tesouros de tão insigne sábio não ficassem circunscritos aos doutos aos teólogos, e a grande Suma, conforme a sua insuspeita opinião, em nada desmereceu, neste precioso volume.
Esta edição, segundo a opinião do ilustre Pe. Leonel Franca, Vem enriquecer a nossa literatura religiosa e embora destinando-se a todos os fiéis, aos doutos, aos que estudam a Suma, servirá também para lhes refrescar a memória.
Sem as redundâncias do original e mais completa que a tradução espanhola, apresentamos esta tradução a todos os amantes da verdade, com a nobre intenção de ser útil e concorrer para a maior glória de Deus e para que Jesus a sua palavra sejam cada vez mais conhecidos e amados.
Santo Tomás, escrevendo a Suma, teve em vista auxiliar os estudiosos e mais particularmente os incientes: Quia catholicae veritatis Doctor non solum provectos debet instruere, sed ad eum etiam pertinet incipientes erudire, diz o Santo Doutor, já no seu pequeno Prólogo, e fundamentando-se em São Paulo (I Cor. III, 2) continua:propositum nostrae intentionis in hoc opere est ea quae ad christianam religionem pertinent eo modo tradere secundum quod congruit ad eruditionem incipientium.
Os que estudarem e lerem com amor esta tradução, certamente hão de verificar como ela se ajusta ao fim especial que Santo Tomás teve em vista.
No meio de tantas obras catequéticas que têm visto a luz da publicidade, nestes últimos tempos, algumas de reconhecido mérito, estamos seguro de que esta tradução vai abrir uma ampla clareira de luz e virá vantajosamente elucidar a grande legião dos nossos catequistas.

O TRADUTOR.



CARTA DE S.S. BENTO XV AO AUTOR

TEXTO LATINO

Dilecte fili, salutem et apostolicam benedictionem. Praeclara de Thoma Aquinate praeconia Apostolicae Sedis iam neminem catholicum dubitare sinunt quin ideo ille sit excitatus divinitus, ut haberet Ecclesia quem doctrinae magistrum maxime in omne tempus sequeretur. Consonum autem videbatur singularem viri sapientiam non modo sacri cleri hominibus, verum omnibus quicumque religionis altius studia colerent, atque ipsi multitudini, directo paterenatura enim fit ut quo proprius ad lumen accesserit, eo quis uberius collustretur. Vehementer igitur es tu quidem laudandus qui, cum opus Angelici Doctoris potissimum, Summam Theologicam literalibus commentariis gallice interpretari instituisses (remque e sententia succedere volumina ostendunt adhuc edita) eandem in modum cathechismi explicatam nuper evulgasti. Ita hujus tanti ingenii divitias non minus apte ad rudiorum usum accomodasti quam ad doctiorum, omnia breviter strictimque, eadem perspicuitate ordinis tradendo, quae is copiosius exposuerat. Equidem tibi gratulamur isto diuturni laboris studiique fructu, in quo licet magnam disciplinae Thomisticae cognitionem ac scientiam agnoscere: optamusque id quod, pro tuo Ecclesiae Sanctae amore, habes propositum, ut ad christianam doctrinam penitus percipiendam prosit quamplurimis: Atque auspicum divinorum munerum et praecipuae benevolentiae Nostrae testem, apostolicam benedictionem tibi, dilecte fili, tuisque discipulis, amantissime impertimus.
Datum Romae apud S. Petrum, die V mensis februarii MCMXIX, Pontificatus Nostri anno quinto.
Benedictus PP. XV.


TEXTO PORTUGUÊS

Querido Filho: Saúde e Benção Apostólica. Os numerosos quão expressivos e extraordinários elogios tributados pela Santa Sé a Santo Tomás de Aquino, não permitem mais a qualquer católico, por em dúvida que Deus o enviou para que a Sua Igreja tivesse um doutor, a quem especialmente seguisse em todos os tempos. Útil e oportuno parecia que a doutrina de tão preclaro varão não se limitasse simplesmente a ser patrimônio dos eclesiásticos, mas que se estendesse a todos os que se dedicam a assíduos estudos sobre religião, e também ao mesmo povo, visto que, por lei natural, quanto mais alguém se chega ao fogo, mais viva claridade o ilumina. Certamente, és mui digno de louvor, porque, havendo-te proposto escrever um comentário literal, em francês, à douta obra do Doutor Angélico, a Suma Teológica (de como o êxito correspondeu aos seus fins, o demonstram os volumes publicados até esta data) -agora a divulgaste explicada em forma de catecismo. Deste modo, soubeste acomodar ao alcance de sábios e ignorantes os tesouros daquele gênio excelso, condensando em formas claras, breves e concisas, o que ele com maior amplitude e abundância escreveu. Por Nossa parte te felicitamos por teus prolongados estudos e trabalhos, nos quais te mostras excelente conhecedor da ciência Tomista, e sinceramente desejamos que consigas o fim que, ao empreendê-los, te inspirou o teu amor à Santa Igreja: que sirvam a muitos para conhecer a fundo a doutrina cristã. E em prova dos divinos favores e testemunho de Nossa especial benevolência, com muito amor te damos, a ti, querido filho e aos teus discípulos, a benção apostólica.
Dada em S. Pedro de Roma aos de Fevereiro de 1919, no ano quinto de Nosso Pontificado.

Bento P. P. XV.



INTRODUÇÃO

Cremos satisfazer os justos desejos de muitos leitores, oferecendo-lhes, à maneira de introdução, algumas notas dignas de se terem em conta, a respeito da Suma Teológica, de que é compêndio o presente catecismo, e mais um breve resumo da vida de seu glorioso autor.
Santo Tomás de Aquino, filho do Conde Landulfo e da Condessa Teodora, nasceu, provavelmente, no ano de 1225, no Castelo de Aquino ou no de Rocaseca, na Itália. Em 1230, confiaram seus pais a educação do menino, que contava 5 anos, aos cuidados e à solicitude de seu tio Sinibaldo, Abade de Monte Cassino. Foi ali que, ainda criança, fazia a seus mestres a pergunta em que resumiu a obsessão de toda a sua vida:Quem é Deus? Só para responder a esta tremenda interrogação, viveu, escreveu e ensinou. Enviado para Nápoles, afim de cursar os estudos superiores, travou relações com os primeiros discípulos de Santo Domingos, pouco havia estabelecidos naquela cidade. Bem depressa se lhes afeiçoou e, solicitado o seu ingresso na ordem, ali mesmo tomou o hábito dos Pregadores.
A Condessa, sua mãe, julgou indecoroso que um filho seu abraçasse a vida monástica numa Ordem Mendicante e resolveu empregar todos os meios para que a abandonasse.
Tomás, porém, resolvido a manter a sua decisão, empreendeu uma viagem penosíssima, primeiro a Roma e depois à França, com o fim de subtrair-se às opressões de sua família.
Surpreendido por seus irmãos, oficiais do exército imperial da Lombardia, foi conduzido preso e encerrado por espaço de quase dois anos no torreão do Castelo de Rocaseca. Aquele imerecido rigor estimulou a sua vocação, em lugar de intibiá-la, e assim empregou a ociosidade forçada da prisão em decorar a Bíblia Sagrada, asSentenças e muitos tratados de Aristóteles. Daquela época data a vitória com que o jovem heróico triunfou na prova delicadíssima a que os irmãos, como último recurso, submeteram a sua virtude: Armado de um tição, pôs em fuga a beleza tentadora de uma mulher introduzida na sua cela para quebrar com carícias a sua constância.
Como prêmio daquela façanha lhe enviou o Senhor dois anjos para consolá-lo e cingir-lhe um cordão misterioso que, como precioso talismã, lhe assegurava o domínio da razão sobre os sentidos e as paixões.
Voltando à sua Ordem, foi destinado ao convento de Colônia, para continuar os estudos sob a direção de Alberto Magno. Tão aplicado e “extraordinariamente taciturno” era (Guilherme de Toco), que os condiscípulos lhe puseram o apelido de “O grande boi mudo da Sicília”. Alberto Magno, porém, assombrado pelo engenho que em seu discípulo descobria, anunciou que bem depressa ressoariam no mundo inteiro os mugidos daquele “boi mudo”.
Não contava ainda vinte anos de idade, quando recebeu a missão de ensinar no convento de Santiago de Paris. O primeiro fruto daquele ensino, foi o comentário ou explicação do livro de Pedro Lombardo, intitulado Sentenças, então e mais tarde, até ao século. XVI, obra de texto nas faculdades de Teologia.
O gênio predestinado que havia de ser o Mestre por excelência da Doutrina, se revelou e apareceu desde o primeiro instante, tal como hoje o conhecemos, e como a Igreja o consagrou com sua autoridade suprema.
Desenvolvia tanta habilidade na explicação dos textos; tal arte e maestria na classificação das questões, anotações e comentários, como demonstração antecipada do maravilhoso plano da Suma Teológica; inaugurou um método de ensino tão didático, amplo e luminoso; empregava uma linguagem tão exata; projetava tanta luz nas questões mais abstratas; fluía a verdade de seus lábios com tanta quietude, doçura, atrativo e incontrastável vigor, que de pronto foram as lições do Fr. Tomás o assunto de todas as conversações entre os estudantes de Santiago, de toda a Universidade e do mundo inteiro[1].
Quando, pouco depois, recebeu a investidura de Professor, todas as universidades do orbe cristão disputavam a honra de contá-lo entre os seus doutores.
Por este motivo foi chamado a Roma, Orviedo, Anagni, Viterbo, Perusa, Bolonha e Nápoles. Reintegrado na sua cátedra de Paris, de novo teve de abandoná-la, ainda que com promessa formal de voltar, pois ninguém se resignava a perder, conjuntamente com sua presença, a esperança de tornar a ouvi-lo. Como torrente transbordante e inesgotável, inundou o seu gênio, em caudais de luz, todo o campo da ciência sagrada, e como se fossem escassos os numerosíssimos discípulos agrupados, pela magia da sua palavra, em torno de quantas cátedras perlustrou, afluíam, de todas as “paragens do mundo cristão, cartas, escritos, propondo dúvidas e pedindo pareceres e conselhos; graças a isso, seu incomparável ensino adquiriu tais vôos e extensão que pode chegar às celas dos anacoretas, aos palácios dos príncipes, aos alcáçares dos reis e até aos degraus do Sólio Pontifício.
No transcurso de vinte e cinco anos escreveu, além do já citado comentário dasSentenças e a Summa contra Gentiles, os comentários ao livro de Job, ao dos Salmos, aos de Isaías e Jeremias, aos Evangelhos de S. Mateus e São João, é às Epístolas de São Paulo; as explicações dos Evangelhos, conhecidas com o nome de Cadeia de Ouro; os comentários aos livros de Boécio e de S. Dionísio; As questões Disputadas, questões várias ou Quodlibetos, o comentário às obras de Aristóteles e a Suma Teológica.
Espanta considerar o caudal de doutrina acumulado nesta última,obra. Um fato o prova melhor do que cem razões. Há quinze anos que trabalhamos para escrever um comentário literal em francês, e teremos que empregar ainda, se Deus nos conservar vida e forças, mais dez anos de labor constante para terminá-lo. Acabado, constará, pelo menos, de vinte tomos em oitavo, de setecentas páginas cada um. Pois bem, neste trabalho de tão gigantescas proporções, nos limitamos a comentar, melhor diremos, a pouco mais que seguir passo a passo uma obra apenas de Santo Tomás: A Suma Teológica; e a Suma Teológica é a quinta da sexta parte dos escritos do Santo Doutor!
A nota característica e distintiva de suas obras é à de parecerem escritas todas na mesma época de sua vida, em pleno vigor e maturidade de suas faculdades mentais, posto que jamais teve necessidade de melhorar o que escreveu e ensinou; donde resulta que não se sabe o que mais admirar, se a riqueza e transcendência das idéias, se a maestria insuperável do plano, ou a sobriedade e precisão da linguagem. Sem dúvida, Deus, tendo em conta a missão, única em seu gênero, a que o destinava, o acumulou de graças e dons de entendimento, com maior profusão que a nenhum outro gênio de quantos deram lustre à ciência cristã. Por isso, a Igreja o considerou e venerou em todos os tempos como Mestre e Doutor por excelência. Com justiça tem por divisa e emblema o Sol. À luz dos seus princípios e nos ditados do seu ensino, devem inspirar-se todos quantos exercem o magistério na Igreja de Deus.
E como assim não há de ser, se a mesma Igreja docente, congregada nas mais augustas assembléias do Orbe, não duvida em converter-se de algum modo em discípula sua?
O Papa Leão XIII observa na Encíclica Aeterni Patris que não houve concílio geral, posterior a Santo Tomás, a que não houvesse sido chamado e, de certo modo, presidido por meio de suas obras. O mesmo Pontífice pondera o privilégio, único na Igreja, concedido no Concílio de Trento à Suma Teológica, colocando-a na mesa presidencial, ao lado da Bíblia e dos Decretos Pontifícios, “para tirar dela ditames, razões e oráculos”. O último e mais solene ato com que a Igreja referendou quanto anteriormente havia feito para enaltecer e infundir estima e veneração pelo seu Doutor predileto, é a lei, promulgada no novo Código de Direito Canônico[2], em que se impõe a todos os professores de Filosofia e Teologia a obrigação de ensinar as ditas matérias e educar os seus discípulos conforme o método, doutrina e princípios de Santo Tomás de Aquino e segui-los santamente.
Morreu o grande Doutor aos sete de Março de 1274, com cincoenta anos de idade, e foi canonizado pelo Papa João XXII em dezoito de Julho de 1323.
O Papa Urbano V fez doação de suas relíquias à Universidade de Tolosa, em cuja igreja, chamada dos Jacobinos, descansaram até ao tempo da Revolução francesa. Posteriormente foram trasladadas para a igreja de São Saturnino, da mesma cidade.
Escusado é falar aqui das virtudes e eminente santidade do Doutor Angélico, nem tão pouco dos milagres obrados por sua intercessão, em vida e na morte. Basta-nos apontar que sua vida corre parelhas com sua doutrina e ostenta todos os caracteres da verdade perfeita e sem sombras de erro; a mesma lucidez, serenidade e majestosa simplicidade; igual atividade e mansa energia; idêntica suavidade, doçura e delicadeza.
Quanto era e possuía, vida, costumes, pensamentos, palavras, escritos, todo o conjunto do seu ser foi uma imagem perfeitíssima de Deus; e do mesmo modo o é a obra insigne do seu engenho, verbo adequado à sua personalidade, a Suma Teológica. Basta folhear o livro que oferecemos aos nossos leitores, compêndio fiel, como dissemos, da Suma, para convencer-nos de que o seu único objeto e fim, como o mesmo Santo Doutor adverte no princípio da obra, é Deus. - Deus uno, ser divino, vida íntima de Deus, misteriosa e divina fecundidade em virtude da qual brota, como esplêndida floração, a Trindade de Pessoas, sem detrimento da Unidade da Essência. - Deus criador, primeiro dos Anjos, nobres ministros assistentes ao seu trono; depois, do mundo material e, finalmente, do homem, laço de união entre os mundos da matéria e do espírito. - Deus conservador e soberano providente das três ordens de seres. - Deus, fim último e felicidade suprema da criatura racional, atraindo-a docemente a seu seio, para a regalar com os prazeres de sua própria bem-aventurança. Aqui examina Santo Tomás e estuda com riqueza de pormenores tudo quanto pode auxiliar, ou servir de obstáculo para que o homem consiga a Deus: bondade e malícia das ações morais; qualidades que adquirem, mercê da graça sobrenatural; mérito e demérito; conformidade e discordância com a lei divina; classificação dos atos humanos e suas relações de dependência com as virtudes teologais, Fé, Esperança e Caridade e com as quatro morais Prudência, Justiça, Fortaleza e Temperança; caracteres ou modalidades que eles tomam nos estados de perfeição, a saber o episcopado, a plenitude do sacerdócio e o estado religioso. - Por último, Deus Redentor que, compadecido de sua desditosa criatura, enferma, desamparada, reduzida pelo pecado ao último extremo de indigência, se dignou baixar à terra, para dadivar-nos com sua vida, morte, ressurreição e ascensão, meios com que o gênero humano, saído de suas mãos e regenerado com a graça dos sacramentos, possa empreender, debaixo do seu amparo, o caminho da felicidade, até chegar a abismar-se no mesmo Deus, oceano sem praias e sem fundo, oceano de luz, de amor, de vida e de ventura. Este é o objeto único e íntegro das três partes que compõem a Suma Teológica.
Divide-se cada parte em questões, e estas em artigos. A primeira compreende 119 questões e 584 artigos. Subdivide-se a segunda em duas secções; contém a primeira secção 174 questões com 618 artigos, a segunda 189 e 924, respectivamente. A morte segou em pleno vigor a vida de Santo Tomás, antes de poder acabar a terceira parte, acrescentada, mais tarde, com os extratos de outras obras, em que o Santo Doutor havia explicado as matérias que ali não pode tratar. Foram escritas pelo Santo as 190 primeiras questões, subdivididas em 559 artigos; o acrescentado, conhecido com o nome de Suplemento, contém 442 artigos e mais um apêndice de 3 questões e 10 artigos.
Total 614 questões e 3137 artigos.
Confessamos que coisa alguma do que aqui temos escrito é nossa. Tanto o plano como a doutrina pertencem exclusivamente a Santo Tomás. Por nossa parte, nos limitamos a respigar e selecionar, o que convinha a nosso intuito, ou para melhor dizer, a condensar o pensamento do Santo Doutor em formulas catequéticas e a dispô-las na mesma ordem, com que se estudam na Suma Teológica, com o fim de por o que poderíamos chamar sua tessitura e substância ao alcance de todas as inteligências[3].
Outro título de glória de Santo Tomás é a nomeada de que desfruta na Igreja como Cantor inspirado da Eucaristia. Os seus hinos, admiração dos sábios e artistas, pelo vigor e profundidade dos pensamentos, e pela espontaneidade e embelezadora fluidez da versificação, chegaram a popularizar-se de tal forma que até os mais humildes e iletrados os repetem com inesgotável complacência. Quanta majestade e esplendor, que imponente grandeza, que doçura e suavidade difundem as estrofes doLauda Sion, Pange Língua, Sacris Solemniis. Verbum Supernum, O Salutaris Hostia, Tantum Ergo Sacramentum, ou as do admirável Hino Adoro-te!
Se é incomparável a reputação do Santo Tomás como sábio e também como poeta, parece-nos fora de dúvida que não é menor a que lhe corresponde como catequista. Não é somente o robusto autor da Suma Teológica, manancial inesgotável de que se nutrem as inteligências eminentes; é-o também do ensino catequístico modesto, porém suculento manancial, onde encontram alimento apropriado à sua condição, as crianças e os humildes e em cuja simplicidade e amenidade acham saboroso deleite homens da estatura de B-nald, Jouffroy ou Sully-Prudhomme.
É certo que. pessoalmente, o Doutor Angélico, nunca deu aos seus escritos a forma catequética moderna; independente disso, ele é um doutor catequista; primeiro, porque o essencial num catecismo, não é a forma externa, mas sim a clareza, concisão e exatidão da doutrina, e nestas qualidades ninguém se avantaja ao Angélico Mestre; segundo, porque o primeiro catecismo. redigido por ordem e autoridade da Santa Sé na época do Concílio de Trento e daqui provém seu nome de Catecismo Romano, - é obra quase exclusiva dos irmãos em religião e discípulos do Doutor Angélico; terceiro, porque a outro irmão e esclarecido discípulo seu, o grande Teólogo espanhol do século XVII, João de Santo Tomás, coube a glória de haver sido o primeiro a extrair e condensar em forma de diálogo, as doutrinas de seu Mestre, se bem que na exposição se acomodou ao plano e ordem do Catecismo e não ao da Suma.
Por nossa parte, nos propusemos demonstrar com o presente trabalho que o ensino do Catecismo, tal como o pratica a Igreja, é uma derivação da assombrosa síntese doutrinal de Santo Tomás. Oferecemos a todos os leitores, conforme menciona o título, a mesma Suma Teológica de Santo Tomás em forma de Catecismo, para uso de todos os fiéis, e esperamos que, ao terminar a sua leitura, todos se tenham convencido de que a pavorosa Suma pode transformar-se sem perder qualquer dos seus caracteres essenciais, em um simples e luminoso catecismo, capaz de por ao alcance das crianças o mais recôndito da ciência sagrada.
Tempo há que se notam na Igreja desejos de simplificar e unificar o ensino da doutrina cristã, não só no que se refere ao fundo, e nisto não pode haver discrepâncias essenciais, mas também quanto às fórmulas e enunciados.
Para consegui-lo, é mister recorrer à autoridade de um Doutor, cujo prestígio se sobreponha ao dos outros e seja universalmente reconhecido e acatado. Qual seja o Doutor escolhido pela Igreja, todos o sabemos. Dele e do seu ensino, especialmente na forma definitiva que adquiriu na Suma, se pode dizer o que com justiça se disse da mesma Igreja e da sua doutrina: “Quanta magnificência! Que esplendorosos mistérios! Que encadeamento e férrea travação de verdades! Que amplitude de vistas! Quanta inocência e candura nas virtudes! Que concludentes testemunhos que, no curso dos séculos e especialmente em. nossos dias, dão a autoridade, o gênio, e a arte dessa sublime instituição, guarda da verdade divina e solar afortunado de virtude!”[4].
Certamente, apoiada nestas ou análogas razões, a Igreja tomou não só o espírito, como a letra da Suma Teológica para dar unidade ao seu ensino superior.
Termo médio entre o ensino doutrinal e o catequético ordinário, próximo a uniformizar-se como havemos dito, é a unificação de ambos que aqui intentamos. Aspira a ser complemento do primeiro e preparação do segundo, com o fim de facilitar os dois! Subministrando o texto e a doutrina de Santo Tomás e apresentando-a em forma catequética ordinária pode utilizar-se, ou para ampliar as noções adquiridas no catecismo, ou como introdução e também como complemento ao estudo direto daSuma.
Estamos convencido de que, à medida que se propague e enraíze nas inteligências a doutrina do Doutor Angélico, se irá convertendo, quanto o permite a condição humana, em consoladora realidade, o anelo manifestado pela Igreja, no hino dedicado a festejar a primeira manifestação da Sabedoria Eterna, apropriada na pessoa do Verbo Encarnado: “Então se desvanecerá o erro; então a mulher, o menino e o humilde escravo seguirão com segurança o caminho real; repelirão os embaixadores da sociedade dos crentes, e uma só doutrina, expressão da verdade única, alimentará todos os espíritos.”

Tunc omnis error excidet,
Tunc sponsa, tunc et servuli
Secura per vestigia,
Viam sequentur regiam.
Gentium repellent perfidiam
Credentium de finibus;
Verax et omnes amica
Doctrina nos enutriet[5].

Preparando o terreno para implantar esta unidade tão ardentemente desejada, sem dúvida a Igreja proclamou a Santo Tomás, Patrono Universal de todas as escolas católicas. O milagroso crucifixo do convento de Nápoles o havia já proclamado em vida do Santo Doutor, ao aprovar os seus escritos, com estas memoráveis palavras:

Bene scripsisti de me, Thoma
Bem escreveste de mim, Tomás.

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