CAPÍTULO XXII
MUDANÇA DE RELIGIÃO
A 20ª e última objeção protestante do boletim citado seria de uma ingenuidade infantil se não fosse de um ridículo capcioso.
O amigo protestante pede: um texto das Escrituras que prove que um homem deve ser perseguido e amaldiçoado por haver abandonado sua religião em que nasceu e aceitado a religião de Jesus Cristo.
Aqui haveria muita coisa a distinguir; assinalarei apenas os seguintes pontos:
1º Um homem perverso deve ser perseguido e pode ser amaldiçoado: maledicti qui declinant a mandatis tuis (Sl 118, 21).
2º Pode-se abandonar a religião em que se nasce, tendo a certeza de ser errada e a certeza de a outra que se quer abraçar ser a verdadeira. – Revertimini a viis vestris pessimis (4 Rs 17, 13).
3º A religião de Jesus Cristo é uma só: Dominus Deus tuus, Deus unus est (Mc 12, 24). Vamos por partes.
I. O homem perseguido
É uma mania protestante o gritar de ser perseguido, quando não pode espalhar os seus erros ou encontrar qualquer oposição. É mania conhecida; a Bíblia diz muito bem: querem pegar a sombra e perseguem o vento (Ecli 34, 2).
Os protestantes andam atacando, caluniando e blasfemando contra o catolicismo, a Santíssima Virgem, o papa, os padres, os sacramentos e os sinos da Igreja.
Os católicos cruzando os braços, sorrindo e aceitando bíblias falsificadas, tudo corre bem, mas quando um deles repele os insultos, refuta os erros, diz-lhes meia dúzia de verdades, encolhem-se e gritam que são caluniados, perseguidos e maltratados.
É o ladrão, que, penetrando em casa alheia, é pego em flagrante no roubo, gritando que o dono da casa, que lhe administra umas pauladas nas costas, é um perseguidor, um algoz. Não, senhor, ele é um defensor em legítima defesa de seus bens.
Os católicos estão no mesmo caso. A religião é de paz e de concórdia; mas também é de dignidade, de brio e de firmeza.
Reagir contra o ladrão não é perseguir; é defender-se.
Repelir o caluniador não é perseguir; é restabelecer a verdade perturbada.
Refutar o erro não é perseguir: é manter a verdade, é fazê-la triunfar.
Defender a sua religião contra os ímpios e hereges é um ato de dignidade, de brio e de convicção, como é de brio o fato de defender a sua pátria contra o inimigo invasor.
Os que não ouvirem a Igreja, diz o Salvador, devem ser considerados como gentios ou publicanos (Mt 18, 17). Haverá menos rigor para Sodoma, do que para aqueles que não aproveitam a minha palavra, diz ainda o Mestre (Lc 10, 13).
Podemos, pois, tratar os protestantes como tratamos os gentios, não com ódios, mas com compaixão, e dizer que terríveis castigos esperam a sua revolta contra a Igreja.
Isso não é perseguir: é dizer a verdade. É permitido e é dever mesmo para os católicos opor-se à invasão do protestantismo, repeli-lo como se repele o ladrão, o assassino, o lobo, que se introduz numa casa ou num rebanho.
II. Mudança de religião
Aqui, meu caro protestante, temos um ponto complexo que deve ser bem compreendido. Mudar de religião é um negócio sério! Três casos se apresentam:
a) O homem sabe que está no erro: neste caso deve mudar.
b) O homem duvida da sua religião. Neste caso deve consultar.
c) O homem tem a certeza de estar com a verdade: neste caso deve ficar firme e inabalável. Só o segundo caso é aplicável ao ponto em discussão.
O homem duvida da sua religião. Tal dúvida pode ser uma tentação do demônio, como pode ser uma inspiração divina; pode ser também uma falta de instrução.
Mas vejamos de perto. Por que duvida ele? Duvida ele porque encontra em sua religião certos pontos incompreensíveis, misteriosos? Não há razão, porque a religião, sendo divina, nunca pode ser completamente compreendida pela inteligência humana.
Duvida ele porque há abusos e fraquezas na religião? Não há razão ainda, porque, se a religião é divina, os homens que a praticam não são divinos, e apesar de sua boa vontade, podem conservar ainda abusos e cometer faltas.
Duvida ele porque a sua religião não possui os caracteres da religião verdadeira? Aqui o caso é diferente. A dúvida tem sua razão de ser. É preciso orar, estudar, indagar e refletir. A solução é bastante simples para um homem culto. Basta ele procurar conhecer os sinais distintivos da religião verdadeira.
III. Os sinais da religião verdadeira
É fora de discussão a existência da religião, e que esta religião é uma só: unus Dominus, uma fides, unum baptismaI (Ef 4,3). Um senhor, uma fé, um batismo, diz o Apóstolo.
Jesus Cristo fundou uma só Igreja: é certo, conforme a sua própria palavra: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja (Mt 16, 18). Ele chama-a minha Igreja, para indicar que só ela está fundada sobre ele e é dele.
Esta igreja, para ser conhecida entre as diversas igrejas, tem quatro caracteres próprios, que a distinguem de todas as outras.
Esta igreja deve ser uma, santa, católica e apostólica.
Isto quer dizer que a Igreja verdadeira deve ser uma nos pontos essenciais, na fé, no culto e na constituição hierárquica. Deve ser una em sua doutrina, em seu culto e em muitos de seus membros. Deve ser católica ou universal, porquanto deve existir em todas as épocas e estar difundida pelo mundo inteiro. Deve ser apostólica, porque deve ter a sua origem dos apóstolos.
Eis a pedra de toque para descobrir a Igreja verdadeira e distingui-la das seitas humanas. Queira fazer isto, caro crente, ou querendo, façamo-lo juntos.
IV. Uma comparação
O protestantismo não é um: é dividido em centenas de seitas, que professam doutrinas diferentes, nem se sujeita a um governo central ou supremo.
O catolicismo é um: na fé, que nunca mudou; no culto, tendo sempre o mesmo sacrifício e os mesmos sacramentos; no governo, que é e foi sempre o sumo pontífice ou papa de Roma.
O protestantismo não é santo: em sua doutrina, que é de rancor, de ódio e de calúnia; em seu culto, rejeitando muitas coisas instituídas por Jesus Cristo; em seus membros, desde a sua separação até a presente data.
O catolicismo é santo: em sua doutrina, que nada encerra de absurdo ou de indigno de Deus; no culto, possuindo todos os meios de santificação instituídos por Jesus Cristo (sacramentos, missa, festas, etc.); em seus filhos, contando milhares e milhares de virgens, de mártires e de homens santos, mostrando a sua santidade pelos milagres que operam depois da morte.
O protestantismo não é universal, porque não tem existido sempre (nasceu em 1518, fundado por Lutero, padre apóstata) e porque não está espalhado pelo mundo inteiro. São Igrejas locais ou nacionais e não universais.
O catolicismo, ao contrário, é verdadeiramente universal: a) porque existiu sempre; b) porque está difundido por todo o mundo. Ele sozinho tem mais filhos e membros que todas as seitas protestantes englobadamente.
O protestantismo não é apostólico, porque nascera quinze séculos depois da morte dos apóstolos e, por outro lado, não tem conseguido provar, com milagres, a existência de uma missão extraordinária para pregar.
Quanto ao catolicismo, é genuinamente apostólico: a) porque tira a sua origem dos apóstolos, aos quais remonta a história. b) Porque seus bispos são legítimos sucessores dos apóstolos; e em particular o Bispo de Roma, o Papa, é o sucessor de S. Pedro, – primeiro Bispo de Roma.
V. Aplicação
Os caracteres aqui citados podem e devem ser conhecidos por todos.
Deus não pode permitir a dúvida em matéria tão grave como é a religião; e tal dúvida não pode existir numa alma sincera, num coração reto.
A religião é divina e por isso não pode ser completamente compreendida por uma inteligência humana; mas nunca pode estar em contradição com esta inteligência humana, pela razão de ser Deus o autor de ambas. A contradição recairia sobre o próprio Deus.
O homem pode e deve perscrutar a religião, estudá-lo, conhecê-la o melhor possível. Por meio dos quatro caracteres, qualquer um pode provar a verdade ou o erro da sua religião: está ao alcance de todos. O católico deve fazê-lo, não pela dúvida, mas para dar firmeza à sua fé. O protestante deve fazê-lo, para verificar e compreender o que está errado.
Depois deste exame, o homem pode conscienciosamente abandonar a sua religião, desde que esta não satisfaça aos requisitos. Sem este exame, sem esta verificação o homem não pode abandonar a religião em que nasceu, ou que professa.
O amigo protestante deve ver, pois, que está errado. Sendo protestante, pode aceitar a religião de Jesus Cristo: a religião católica. O católico não pode de modo nenhum deixar a sua religião para fazer-se protestante.
E não vale a pena mudar o nome do protestantismo, chamando-o de “religião de Jesus Cristo”. Nunca foi, nunca há de sê-lo!
A religião de Jesus Cristo é uma só: – a católica; o protestantismo pode ser chamado “religião de Lutero”, nunca “de Jesus Cristo”, com que não tem outra relação, senão a Bíblia que é comum a ambas, mas cuja interpretação pessoal ou eclesiástica cava um abismo entre ambas.
O protestantismo interpreta a Bíblia a seu talante, contrariamente à Bíblia.
S. Pedro diz que toda a profecia da Escritura não pode ser feita por interpretação própria (2 Ped 1, 20).
O catolicismo escuta a Igreja para esta interpretação, conforme o ensino da Bíblia: o Espírito Santo colocou os bispos para governar a Igreja de Deus (At 20, 28).
Aquele que não escuta nem a sua consciência, nem a Igreja de Deus, deve ser tratado como um pagão, diz o divino Mestre (Mt 18, 17).
A Igreja Católica não persegue ninguém: ela é de caridade; mas refuta os erros, orando pelos que erram, conforme o conselho de S. Agostinho: interficite errores, diligite errantes.
Convém notar, entretanto, que o amor não é covardia nem traição. O protestantismo é uma heresia composta de seitas humanas, que profanam os mistérios de Deus, o que fazia dizer a Melanchthon, contemplando as águas do Elba: todas estas águas são insuficientes para lavar os grandes males da reforma protestante (Cartas).
Ora, deixando de condenar a heresia, a Igreja Católica não seria tolerante; seria simplesmente traidora de Deus e da sua missão, traidora da verdade. E isto é absolutamente impossível, sendo a Igreja, no dizer de S. Paulo: a coluna e o firmamento da verdade (1 Tim 3, 15).
VI. Conclusão
Está vendo, caro amigo, que a sua conclusão é falsa e falsíssima: um homem não deve ser perseguido por abandonar a religião em que nasceu; mas, antes de abandonar uma religião, um homem deve examinar a religião que quer deixar e aquela que pretende abraçar, para ver qual delas satisfaz aos quatro caracteres indicados: unidade, santa, catolicidade e apostolicidade.
Achando que a religião em que nasceu possui estes quatro caracteres, não pode mudar, pois está na verdade. Achando que não satisfaz a estes quatro requisitos, pode e deve abandoná-la, para abraçar aquela que os possui, e que só é a religião de Jesus Cristo.
Possa meu amigo crente compreender estas verdades claras e divinas, e adotá-las como regra de vida; é o único desejo daquele que procura refutar os seus erros, mas que ama a sua alma, e anela em salvá-la.