segunda-feira, 1 de março de 1999

JEJUM E ABASTINÊNCIA

Capítulo XX
JEJUM E ABSTINÊNCIA

A 15ª objeção foi respondida no capítulo XVIII; tratemos aqui a 16ª, pedindo um texto que prove que devemos jejuar nas sextas-feiras.
É uma objeção ridícula, pois é sabido por todos que o preceito do jejum nas sextas-feiras não existe senão no tempo da quaresma. O que existe geralmente, pela lei da Igreja, é a abstinência de carne nas sextas-feiras.

I. A razão de ser
A Igreja, ciosa de seguir em tudo as prescrições e os conselhos do divino Mestre, prescreveu o jejum e a abstinência, como penitência, em certos dias do ano.
O jejum consiste em privar-se de uma parte dos alimentos habitualmente usados, e refere-se à quantidade do mesmo alimento.
A abstinência consiste em privar-se de carne em certos dias, por espírito de penitência, e refere-se, pois, à qualidade do alimento.
Jesus Cristo prescreve o jejum sem indicar o dia deste jejum; aconselha esta prática como meio de alcançar o perdão das faltas, de expiá-las e de domar as paixões da carne. Tudo isto está claramente indicado na Bíblia.
Não tendo Jesus indicado o tempo, nem o dia destas penitências, cabe à Igreja determiná-los, para que os preceitos e os conselhos do Salvador não fiquem esquecidos.
Percorramos, meu caro crente, os exemplos, os conselhos e preceitos do jejum, indicando bem os passos, para que o amigo os possa verificar em sua bíblia.

II. Preceito do jejum
Digo logo, para espantar o meu amigo crente, que o jejum constitui não simplesmente um conselho ou uma lei eclesiástica, mas sim uma lei divina, como a oração e a esmola.
A prova é simples: o que Jesus Cristo une num mesmo preceito, deve possuir a força deste preceito. Ora, lemos em S. Mateus que o Salvador dez três preceitos para cumprir a lei e as profecias: esmolas, oração e jejum.
O capítulo VI de S. Mateus é a majestosa exposição desta verdade. Jesus Cristo diz ao terminar: quando jejuardes, não vos mostreis tristes... Ungi a vossa cabeça e lavai o vosso rosto... Para não parecer aos homens que jejuais, mas a vosso Pai, que vos recompensará (16, 17-18).
Em outro lugar o Salvador ensina que há tentações, que só se combatem à força de oração e do jejum (Mt 17, 20).
Ora, todos nós somos tentados... Todo homem é tentado pela sua própria concupiscência, diz S. Tiago (1, 14). Para resistir a estas tentações precisamos, pois, recorrer à oração e ao jejum.
Eis já o quanto é claro e irrefutável.
Examinemos agora se o tal preceito foi praticado pelo próprio Salvador.

III. Exemplo de Jesus Cristo
O grande modelo a imitar é Jesus Cristo. Ele é o caminho: Ego sum via, veritas et via (Jo 14, 6); e seguindo o seu exemplo não podemos enganar-nos. Ora, lemos em S.
Mateus, que antes de iniciar a sua grande obra – a fundação da Igreja, – o Salvador foi conduzido ao deserto, onde jejuou durante quarenta dias e quarenta noites (Mt 4, 12).   Como é que os amigos protestantes, que pretendem seguir a Bíblia à risca, não imitam a Jesus Cristo jejuando, em vez de atacarem o jejum praticado pelos católicos, em imitação do seu divino modelo? Que contradição! A Bíblia está repleta de exemplos de jejum. Em toda parte, em todas as necessidades encontramos a oração e o jejum, como duas práticas inseparáveis, para aplacar a Deus e obter os seus benefícios.
O jejum é como o sustento da oração. É boa a oração acompanhada de jejum, diz Tobias (12, 8). Voltei meu rosto para o Senhor, meu Deus, para o rogar, o conjurar em jejuns, diz Daniel (9, 3-4).
O ímpio Acab, provocando a justiça de Deus, por causa da vinha de Nabot, jejuou coberto de um cilício e alcançou certa indulgência.
Os ninivitas, urgidos que fizessem penitência, observavam o jejum, para alcançarem a clemência de Deus, etc., etc.         

IV. A origem da quaresma
A quaresma, ou os quarenta dias de jejum, praticados na Igreja Católica, foi instituída pelos apóstolos, em lembrança de do jejum de Jesus Cristo.
A prova desta asserção encontra-se na regra traçada por Santo Agostinho: “Toda prática, diz ele, recebida por toda a Igreja e cuja origem não pode ser atribuída, nem a um bispo, nem a um papa, nem a um concílio, deve ser considerada com uma instituição apostólica”.
Ora, a quaresma foi sempre observada por todas as nações cristãs e não se pode remontar a sua origem a uma instituição humana, posterior aos tempos dos apóstolos; logo foi instituída por eles.
Os amigos protestantes dizem que tal prática foi instituída pelo Concílio de Niceia. É falso, pois o Concílio de Niceia realizou-se em 325, e encontramos já nos escritos de Tertuliano e de Orígenes, no ano 200, a menção positiva da quaresma.
S. Jerônimo, no ano 400, escreveu: “segundo a instituição apostólica, observamos um jejum de 40 dias” (Ep. ad Marcel.).
S. Leão é mais positivo ainda: “foram os apóstolos – diz ele – que, por inspiração do Espírito Santo, estabeleceram a quaresma”.
“Jejuamos em qualquer outro tempo, – diz também Santo Agostinho, – se quisermos, mas, durante a quaresma, pecamos, se não jejuamos”.
Eis, pois, bem demonstrado que a quaresma é uma instituição dos apóstolos, instituída por eles, talvez por ordem ou conselho de Jesus Cristo, para imitar e lembrar o jejum de 40 dias do próprio Salvador.

V. O jejum na antiga e nova lei
O jejum da sexta-feira, como já disse, não existe senão na cabeça do protestante à cata de objeções; mas se existisse, teria ainda sua razão de ser, o seu fundamento. Este fundamento seria a lei da Igreja.
A Sagrada Escritura prova a necessidade do jejum, sem determinar os dias deste jejum. Os apóstolos instituíram a quaresma. A Igreja de Jesus Cristo possui uma autoridade divina, igual à autoridade dos apóstolos, pois os papa é o legítimo sucessor dos apóstolos. É, pois, inegável que o papa possa prescrever jejuns ou suprimi-los, em certos dias, para um fim útil ou conveniente. O jejum, como mortificação do corpo, é um preceito divino; o modo prático de exercê-lo deve ser regulamentado pela Igreja, por lei eclesiástica, que obriga a consciência.
A Igreja recebeu de seu divino fundador o poder de legislar, ou formar leis: tal poder pertence necessariamente à autoridade de governar que S. Pedro recebeu do Salvador: Dixis ei (Pedro): Pasce oves meas (Jo 21, 17).
Não se pode negar este poder à autoridade eclesiástica, tanto mais que a lei antiga dava este poder a seus chefes, como lemos na Bíblia.
Josafaz fez publicar um jejum em toda a Judeia (2 Par 20, 3), o que foi aprovado pelo Senhor, que lhe concedeu o favor implorado.
Esdras publicou também um jejum pela feliz jornada dos judeus que voltaram do cativeiro da Babilônia. Publiquei um jejum, diz ele: nós jejuamos, pois, e tudo nos sucedeu com felicidade (1 Esd 8, 21-23).
J          eremias publicou igualmente um jejum em Jerusalém, para toda a multidão vinda de Judá, a fim de aplacar as vinganças do Senhor (Jer 36, 9).
O profeta Zacarias faz menção de quatro jejuns, ordenados por Deus (Zac 3, 19).
Eis como a Igreja do antigo testamento preceituava o jejum e determinava o tempo e o modo de praticá-lo, por ordem divina. É, pois, lógico que a Igreja do novo Testamento goze do mesmo poder de que gozava a Igreja antiga, que era apenas o esboço, o símbolo e a imagem da Igreja de Cristo.

VI. A abstinência da carne
Devemos, pois, concluir que a Igreja tem o direito de impor, em certos dias determinados, o dever de jejuar e de abster-se de certos alimentos por lei positiva do direito eclesiástico.
Se tem o poder de prescrever o jejum, deve ter também o poder de prescrever a abstinência de certos alimentos. Tal abstinência não é novidade; existiu na lei antiga, como existe hoje na Igreja Católica.
Os próprios apóstolos prescreviam tal abstinência. Abster-vos-ei de das carnes sacrificadas aos ídolos, do sangue e dos animais sufocados, dizem os Atos (15, 29).
Se os apóstolos prescrevem de abster-se de certas carnes, podem naturalmente prescrever tal abstinência em tempos e dias marcados, como faz a Igreja, prescrevendo em certos países a abstinência de carne, nas sextas-feiras, em lembrança da morte do divino Salvador. É claro, é simples e incontestável.

VII. Conclusão
A conclusão é irrefutável. A Igreja Católica, fiel aos ensinamentos da Bíblia, apoia-se em todas as suas doutrinas sobre o texto sagrado, e faz dele o pedestal divino dos dogmas, da moral e até das cerimônias de culto.
O protestantismo, pelo contrário, limita-se a exaltar a Bíblia, e na prática afasta-se completamente dos ensinos da mesma Bíblia.
Jejuar e abster-se de certos alimentos é uma prática que vem do começo da humanidade; pouco importa que o protestante proteste, porque a sua lei, a base do ser credo é protestar contra a verdade católica.
Se a Igreja proibisse o jejum e a abstinência, os amigos protestantes citariam centenas de textos para provar que o jejum e a abstinência são preceitos divinos. E estes textos poderiam ser encontrados, de fato.
A Igreja, firme na resolução divina, sustenta a verdade; e o protestante, embora não encontre nenhum texto, absolutamente nenhum, contra o jejum e a abstinência, protesta e quer textos que provem que se deve jejuar nas sextas-feiras.
É ridículo! É como se pedissem textos que provem que a gente deve deitar-se e dormir de noite.
O sono da noite é lógico: é o descanso das fadigas do dia; e tal como sono não precisa de textos para ser desejado e efetuado pelos protestantes como pelos católicos.
Eis os textos, caro crente. Queira lê-los, meditá-los e compreendê-los, e, em vez de protestar, faça também seu pequeno jejum nas sextas-feiras, com uma abstinência de carne para honrar a morte do Salvador e alcançar o perdão da sua incorrigível mania de protestar contra a lei divina!

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