domingo, 25 de setembro de 2011

A Missa Nova: Um caso de consciência

* * * 

Capítulo I

Recordando princípios: 
Papas – Santos - Doutores – Teólogos

            Papa Inocêncio III: “Somente pelo pecado que cometesse em matéria de fé, poderia eu ser julgado pela Igreja” (Sermo IV in cons . Pont.” P.L 217,670).

            “Decretum” de Graciano: “o Papa (...) por ninguém deve ser julgado, a menos que se afaste da fé” (Pars I, dist. 40 cap VI, Cânon “Si Papa”).

            Papa São Leão II: Anatematizamos (..) Honório (Papa), que não ilustrou esta Igreja apostólica com a doutrina da tradição apostólica, mas permitiu, por uma traição sacrílega, que fosse maculada a fé imaculada” (...) e “não extinguiu, como convinha à sua autoridade apostólica, a chama incipiente da heresia, mas a fomentou por sua negligência” (Denz-Sch. 563 e 561).

            Papa Adriano II: “Honório foi anatematizado pelos orientais, mas deve-se recordar que ele foi acusado de heresia, único crime que torna legítima a resistência dos inferiores aos superiores, bem como a rejeição de suas doutrinas perniciosas” (Alloc. III lect. In Conc. VIII act. VII – citado por Billot, “Tract. De Eccles. Christi”, tom I, p. 619).

            Guido de Vienne (futuro Calixto II), São Godofredo de Amiens, Santo Hugo de Grenoble e outros Bispos reunidos no Sínodo de Vienne (1112) enviaram ao papa Pascoal II as decisões que adotaram, escrevendo-lhe ainda: “Se, como absolutamente não cremos, escolherdes uma outra via, e vos negardes a confirmar as decisões de nossa paternidade, valha-nos Deus, pois assim nos estarei afastando de vossa obediência” (Citado por Bouix, “ Tract. De Papa”, tom. II, p. 650).

             Santo Tomás de Aquino, estudando o episódio em que São Paulo repreendeu a São Pedro (cfr. Gal. II, 11-14), escreve:”Aos prelados (foi dado exemplo) de humildade, para que não se recusem a aceitar repreensões da parte de seus inferiores e súditos; e aos prelados, sobretudo quando o crime for público e redundar em perigo para muitos(...). A repreensão foi justa e útil, e o seu motivo não foi leve; tratava-se de um perigo para a preservação evangélica (...). O modo como se deu a repreensão foi conveniente, pois foi público e manifesto. Por isso São Paulo escreve: “Falei a Cefas”, isto é Pedro, “diante de todos”, pois a simulação praticada por São Pedro acarretava perigo para todos” (ad Gal., II, 11-14, lect. III, nn. 77, 83-84).

            Santo Tomás de Aquino: “Havendo perigo próximo para a fé, os prelados devem ser argüidos, até mesmo publicamente, pelos súditos” (Sum. Teol. II-II.ª, XXXIII, IV, ad2).

            São Roberto Belarmino: “Assim como é lícito resistir ao pontífice que agride o corpo, assim também é lícito resistir ao que agride as almas, ou que perturba a ordem civil, ou, sobretudo, àquele que tentasse destruir a Igreja. Digo que é lícito resistir-lhe não fazendo o que ordena e impedindo a execução de sua vontade” (De Rom. Pont. “ , Lib. II, c. 29).

            Dom Guéranger: “Quando o pastor se transforma em lobo, é ao rebanho que, em primeiro lugar, cabe defender-se. Normalmente, sem dúvida, a doutrina desce dos Bispos para o povo fiel, e os súditos, no domínio da Fé, não devem julgar seus chefes. Mas há, no tesouro da Revelação, pontos essenciais, que todo cristão, em vista de seu próprio título de cristão, necessariamente conhece e obrigatoriamente há de defender” (L’Année Liturgique, festa de São Cirilo de Alexandria, pp. 340-341).

            Suarez: “ E deste segundo modo o Papa poderia ser cismático, caso não quisesse ter com todos o corpo da Igreja a união e a conjunção devida, como seria (...) se quisesse subverter todas as cerimônias eclesiásticas fundadas e tradição apostólica” (De Caritate”, disp. XII, sect. I, nº 2, pp. 733-734).

            “ Se (o Papa) baixar em ordem contrária os bons costumes, não se há de obedecer-lhe; se tentar fazer algo manifestamente oposto à justiça e ao bem comum, será lícito resistir-lhe (...)” (De Fide, dist. X, sect. VI, nº 16).

            Cardeal Journet: “Quanto ao axioma “Onde está o Papa está a Igreja”, vale quando o Papa se comporta como Papa e chefe da Igreja; caso contrário, nem a Igreja está nele, nem ele está na Igreja (Caietano, II-II, 39,1)” (L’Elglise du verbe Incarne”, vol. II, pp. 839-840).

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Capítulo II

Um pouco de história



            “ O primeiro caráter de heresia anti-litúrgica é o ódio da Tradição nas fórmulas do culto divino (...). Todo sectário, querendo introduzir uma nova doutrina, encontra-se infalivelmente em presença da liturgia, que é Tradição no seu mais alto poder, e ele não terá repouso senão quando tiver feito calar esta voz, senão quando tiver rasgado estas páginas que exalam a fé dos séculos passados (...)” (Dom Guéranger, “Institutions Liturgiques”).

            “ O principal instrumento da Tradição da Igreja está encerrado nas suas orações” (Bossuet, “Instruction sur lês états d’oraison”, tr. I, liv. VI, nº 1).

            “ Ut legem credenci statuat lex supplicandi” (De gratia Dei”Indiculus”, Denz. Sch. 246). No culto se professa a fé.

            “ Toda a liturgia é um escrínio da Fé católica, enquanto testemunho público da Fé da Igreja” (Pio XII, “Mediator Dei”, nº 43).

            “ O culto que a Igreja rende a Deus é uma contínua profissão de fé católica” (Santo Agostinho, apud “Mediator Dei”, nº 43).

            Daí o paralelismo que existe entre a norma de agir da Igreja e da heresia. Como a Liturgia serve não somente para o culto divino mas também para a profissão e difusão da fé católica, assim os hereges se aproveitam da Liturgia para deturpá-la no sentido de que lhes sirva para a fixação dos seus erros.

            São Paulo já advertia contra aqueles que procuravam deturpar a verdade revelada de acordo com os seus gostos pessoais (II Tim., IV, 3ss.)

            Podemos dizer que cada heresia tem sua expressão litúrgica. Aduzimos aqui o testemunho autorizado do Pe. Manuel Pinto, S.J., em seu livro “ O valor teológico da Liturgia”, art. II:

            “Quando houve abalos na fé, houve em geral subversões na Liturgia. As extravagâncias doutrinais dos gnósticos no século II, fizeram-nos cair em extravagâncias litúrgicas. Entre eles, Valentim servia-se dos hinos litúrgicos para neles vazar as suas doutrinas, como refere Tertuliano (...). As grandes heresias que nos séculos IV e V sacudiram a Igreja, buliram também a Liturgia (...). Os eutiquianos ou monofisitas, para favorecerem a sua heresia, modificaram na Missa as palavras que acompanham a mistura das duas espécies depois da fração da Hóstia. E ainda hoje os Armênios monofisitas não lançam as gotas de água no vinho do cálice, para não significarem com isso a distinção das suas naturezas em Cristo (...). Nos séculos VIII e IX as controvérsias mais importantes que se debatem na Igreja, todas elas têm relação muito próxima coma Liturgia. No Oriente a heresia dos iconoclastas, e a definição do II Concílio de Nicéia que os condenou, são diretamente litúrgicas no seu objeto: o culto dos santos e das imagens (...). Os hereges do século XII e XIII, Valdenses e Albigenses, em conseqüência dos seus princípios gnósticos e maniqueus, segundo os quais a matéria é origem do mal, impugnavam radicalmente o culto sensível da Igreja. (...) Estalou por fim o protestantismo, a mais revolucionária das heresias, Subverteram os Protestantes o Dogma tradicional, e logicamente também o culto estabelecido. (...) Do rescaldo da heresia protestante acenderam-se ainda na Igreja o jansenismo e galicanismo, que vieram a eclodir no conjunto de erros proclamados no Sínodo de Pistóia, em 1786, alguns acerca de Liturgia. Todos eles forma condenados na Constituição “Auctorem fidei” de pio VI. Os erros litúrgicos são diretamente contrários à disciplina; no fundo porém, são contrários á doutrina, e foi sobretudo neste sentido que eles forma condenados”.

            É preciso acrescentar, com relação á pseudo-reforma do século XVI, que a reação da Igreja não se fez esperar. O Concílio de Trento, entre outros erros protestantes, condenou: a doutrina de que a Missa é mera comemoração do sacrifício já realizado na Cruz; a obrigatoriedade da consagração em voz alta; o uso exclusivo da língua vernácula; a obrigatoriedade para os fiéis da comunhão sob as duas espécies, etc.

            Na Sessão XXII, o referido Concílio, “fixando de um modo definitivo os ‘cânones’ do rito, erigiu uma barreira intransponível contra qualquer tentativa de atacar a integridade do Mistério” (Carta dos Cardeais Ottaviani e Bacci).

            Ainda quanto ao Protestantismo, L. Fendt diz: “Em nenhum terreno o pulso da Reforma bateu com tanto calor quanto no culto, O culto foi o corpo através do qual o espírito de Lutero penetrou na vida do povo” (“ Der lutherische Gottesdienst dês 16. Jahrhunderts”, p. V, citado por Luther Reed, The Lutheran Liturgy, p. 107).

            Não é diversa a atitude dos modernistas, como se deduz da Encíclica “ Pascendi” de São Pio X, linha de procedimento destacada também por Pio XII nas Encíclicas “ Humani Generis” (que condenou a Nouvelle Théologie), “Mystici Corporis” e “Mediator Dei” que reprovam vários erros litúrgicos correntes: como o altar em forma de mesa, a equiparação entre o fiel e o sacerdote, a aversão à missa individual com assistência só de acólito, a missa exclusivamente em vernáculos, a exigência da comunhão de todos os fiéis para efetiva participação, minimizando do caráter sacrifical da Missa, ênfase no aspecto de banquete ou ceia, negação da presença real, menosprezo por certo atos do culto eucarístico (por exemplo, a benção do Santíssimo Sacramento, Hora Santa, etc.).

            E nos nossos dias?

            O novo “ Ordo Missae”

            Estas observações históricas despertam o problema que põe a consciência católica a consideração de novo “Ordo Missae”, especialmente que os Cardeais da Cúria Romana, Ottaviani e Bacci, “após examinar e fazer examinar o novo “Ordo Missae”, concluíram que ele representa, tanto em seu conjunto como em pontos particulares, um afastamento impressionante na teologia católica da Santa Missa, tal como foi formulada na sessão XXII do Concílio Tridentino (...). As recentes reformas demonstraram, à saciedade, que as novas transformações na Liturgia só conduzem a uma total desorientação dos fiéis, que já apresentam sinais de indiferença e de diminuição da fé” (Carta ao Papa, 5-10-1969) 

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Capítulo III

A Nova Missa: Testemunho equívoco da fé

           

            A Missa nova é equívoca. Quer dizer que, quando ela é celebrada, seja em latim seja e português, o seu texto objetivo permite afirmar e negar dogmas eucarísticos.

          Este sistema de adotar textos equívocos é usado pelos hereges para difundir suas heresias. Sem afirmar esta intenção, registramos o fato que tem sua natural conseqüência.

 1º ) Dogma do Santo Sacrifício

 Doutrina Católica 

Sim, a Missa é um verdadeiro sacrifício no sentido próprio, e sacrifício propiciatório que pode ser oferecido pelos vivos e defuntos.
 Doutrina Protestante 

Não, a Missa não é um sacrifício propiciatório; é apenas um memorial, quer dizer, uma lembrança da ceia do Senhor, quando muito um sacrifício de ação de graças.


            Ora, analisando as diversas passagens da “ Institutio” (documento introdutório da Nova Missa) que falam em sacrifício, verificamos que apenas uma vez e, assim mesmo, no Proêmio introduzido na segunda redação, há referência ao caráter propiciatório da Missa. Pelo contrário, a todo momento, elas se referem à Missa como sacrifício de louvor, de ação de graças, de comemoração do sacrifício da Cruz -aspecto  todos eles verdadeiros, mas que o Concílio de Trento declarou insuficientes para a conceituação católica da Missa. Houve, portanto, uma sensível atenuação do aspecto propiciatório do sacrifício.

            A importância disto é tal que o Concílio de Trento definiu que a Missa é um “sacrificio verdadeiramente propiciatório” (Denz. Sch. 1743) e lançou o seguinte anátema: “Se alguém disser que o Sacrifício da Missa é somente de louvor e ação de graças, ou mera comemoração do sacrifício consumado da Cruz, mas que não é propiciatório (...), seja anátema” (Denz. Sch. 1753)

            Ocorrem também na “Institutio” expressões que acabam pondo na sombra o caráter sacrifical e propiciatório da Missa. É o caso da insistência exagerada no princípio – em si incontestável – de que na  Missa há um banquete, uma vez que Jesus Cristo ali nos dá seu Corpo e o seu sangue em alimento. Esse aspecto da Missa é sem dúvida verdadeiro, mas deve estar subordinado ao aspecto sacrifical e propiciatório, tanto mais quanto o protestantismo procura reduzir o Sacrifício eucarístico ao banquete, conforme se vê pela condenação lançada em Trento: “Se alguém disser que na Missa não se oferece a Deus verdadeiro e próprio sacrifício, ou que oferecer-se Cristo não é mais dar-se-nos em alimento, seja anátema” (Denz. Sch.,1751).

            A respeito, é significativa a supressão de várias orações que afirmavam o caráter propiciatório, por exemplo no ofertório.

            Em suas características específicas, o Ofertório da Missa tradicional sempre constituiu um dos principais elementos distintivos entre a Missa católica e a ceia protestante.

            Lutero suprimiu o Ofertório, porque nele se exprimia de modo insofismável o caráter sacrifical e propiciatório da Santa Missa (Fórmula Missae – Cf. The Lutheran ligurgy, Luther D. Reed, Fortresse Press, II edition, Philadelphia, XXIII, p. 312).



            Na Nova Missa, o ofertório perde essas características para reduzir-se a uma simples apresentação dos dons, o que corresponde a um conceito de ofertório fundamentalmente diverso do da Missa Tradicional.

            I. Não figura na Nova Missa a oração: “Suscipe Sancte Pater”. Toda esta prece, nos seus termos e no seu estilo cheio de unção, fala do valor propiciatório do sacrifício. Lutero também a suprimiu. Com razão conhecia o pastor luterano L. Reed: “A parte central do ofertório ‘Suscipe Sancte Pater’ é uma exposição da doutrina romana sobre sacrifício da Missa” (Luther D. Reed, idem, ibidem).

            II. Também não figura no novo “Ordo” a oração do Missal Romano: “Offerimus Tibi Domine”, com a qual é oferecido o vinho. A oferenda final do cálice, para que suba “ cum odore sauvitatis” à face da Divina Majestade, da qual se implora a clemência, recorda de modo admirável a economia propiciatória do Sacrifício da Missa (cfr. “Breve Exame Crítico”, III, 3).

            III. Essas duas orações, do oferecimento do pão e do vinho, foram substituídas por outras, nas quais não há referência alguma à verdadeira vítima, que é Jesus Cristo; ao oferecimento dos dons por nós e por nossos pecados; ao caráter propiciatório da oblação; ao sacerdócio hierárquico do celebrante; ao princípio de que o sacrifício precisa ser aceito por Deus para lhe ser agradável. Pelo contrário, as expressões “far-se-á para nós o pão da vida” e “far-se-á para nós bebida espiritual” insinuam que o verdadeiro fim essencial da Missa é a nossa alimentação espiritual – tese esta que se aproxima de uma das heresias condenadas em Trento.

  

2º ) Dogma da Presença Real

 Doutrina Católica

Sim, na Missa Jesus cristo torna-se presente de maneira real, corporal e física, com seu corpo, Sangue, Alma e Divindade.
 Doutrina Protestante

Não, na Missa não há presença real, corporal e física de Cristo; há somente uma certa presença real espiritual do Senhor.


            Um dos dogmas em que as heresias protestantes mais se distanciam da ortodoxia católica, é o da Presença Real física de Jesus Cristo na Santíssima Eucaristia, sob as espécies de pão e vinho. Segundo a doutrina revelada, na Santa Missa, Jesus se torna presente, de modo físico, real e permanente, em virtude das palavras da Consagração. Esta verdade o “Ordo Missae” tradicional afirmava a todo momento, no rito e nas cerimônias. No novo “Ordo”, ela é extremamente debilitada tanto no rito como pela imprecisão das expressões na “Institutio”.

          O Novo “Ordo” favorece a posição protestante:

            a) Pela supressão de quase todos os sinais de adoração e outras prescrições que tinham justamente a finalidade de incentivar a fé na Presença Real de Nosso Senhor.

            Houve a eliminação:

1. das genuflexões (não permanecem senão três do sacerdote; e uma, com exceções, do povo, à Consagração);

2. da purificação dos dedos do Sacerdote no cálice;

3. da preservação dos mesmos dedos de todo o contato profano após a Consagração;

4. da purificação dos vasos sagrados, que pode ser não imediatamente,e pode ser feita fora do corporal;

5. da pala para proteger o cálice;

6. das três toalhas sobre o altar, reduzidas a uma;

7. da ação de graças de joelhos;

8. de todas as antigas prescrições no caso de queda da hóstia consagrada, reduzidas a apenas um “reverenter accipiatur”.



            b) A aproximação à tese protestante é favorecida também pelo paralelo estabelecido entre a Liturgia Eucarística como se fossem duas espécies de um mesmo gênero (“Instititutio”, nº 8). Este paralelo inclina o fiel a pensar que a presença de Jesus na Eucaristia é semelhante á sua presença na Palavra. Ora, a presença na Palavra só pode ser “in usu”, ou seja, quando é lida a Escritura na Santa Missa. De fato, só podemos pensar numa presença de Jesus Cristo na Palavra, no momento em que é lida a Escritura, porque somente neste momento (“in usu”) é que se forma o conceito da verdade revelada na mente de quem lê e de quem ouve. Somente neste momento pode-se falar de uma presença de Jesus Cristo na Palavra. Ninguém irá dizer que Jesus Cristo está presente no livro material, que é a Bíblia ou o Missal. Se assim é com a presença de Jesus Cristo na Palavra, por que não será igualmente na Eucaristia, ou seja, Jesus estaria presente só no momento em que o fiel comunga, “in usu”.

            Esta interpretação é abonada pelo alinhamento em que são colocadas na “Institutio” as várias presenças de Jesus Cristo: na Palavra e substancialmente sob as espécies de pão e vinho. Como a presença na Palavra só se pode entender quando se lê ou se ouve, como vimos acima; porque não se entenderá o mesmo da Presença sob as espécies de pão e vinho, ou seja, aceitando a presença real apenas “in usu”, isto é, quando o fiel comunga?



            c) Ainda na nova redação do número 7 da “Institutio”, perdura a estranha imprecisão sobre os diversos modos de “presença” de Nosso Senhor na Missa. Declara-se, é verdade, que a presença sob as espécies eucarísticas é “substancial e permanente”. A expressão é absolutamente exata. Mas a palavra “enim” (pois) estabelece um nexo pouco claro e muito perigoso entre essa presença substancial e o princípio acima enunciado: “Onde dois ou três estão congregados em meu nome, ali estou no meio deles”. Que relação haverá entre essas duas presenças? O caráter comunitário da “assembléia reunida em nome de Cristo? Contribuirá para que Ele se torne presente sob as espécies eucarísticas? Ou para que esta segunda presença se realize de modo mais pleno? Ou, pelo menos, o “povo de Deus” reunido exerce alguma função ativa para que se efetive a presença substancial de Nosso Senhor na Eucaristia? O texto deixa parar perigosas ambigüidades sobre esse ponto.

            Também não se estabelecem as necessárias distinções entre os diversos modos de presença não substancial de Cristo: na assembléia reunida, na pessoa do ministro e na palavra da Escritura. É expressivo o fato de que a assembléia vem enumerada antes do ministro, o que poderia indicar que a presença de Nosso Senhor no povo é, senão superior, pelo menos mais fundamental, para a celebração eucarística, do que sua presença na pessoa do ministro.

            Tão estranho é o sabor desse número 7, mesmo em sua nova redação, que seria necessário fazer-lhe ainda vários reparos: na Missa, Nosso Senhor se torna presente sob as espécies eucarísticas; a cláusula “sacerdote praeside personamque Christi gerente” parece subordinar ou pospor a representação de Cristo à presidência da assembléia, quando na realidade é o inverso que se dá; no contexto, o fato de não se reservar a expressão “presença real” para a presença resultante da transubstanciação, tende a debilitar a fé na “presença real” por antonomásia e a introduzir nos meios católicos uma terminologia do agrado de certos protestantes.



            d) Além destas ponderações que mostram como o novo “Ordo” debilita e mesmo obscurece o dogma da Presença Real substancial de Jesus na Santíssima Eucaristia, outras determinações do novo rito afastam inteiramente a saliência da Presença Real existente no “Ordo” tradicional. Segundo o Concílio de Trento, a Presença real sob as espécies de pão e vinho está ordenada a perpetuar o Sacrifício do Homem-Deus. O Sacerdote e a Vítima deste sacrifício novo, instituído por Cristo, é o mesmo Jesus Cristo. Daí, no “Ordo” tradicional, a preeminência do Tabernáculo que encerra pó Sacerdote e a Vítima do Sacrifício. Ele é o centro para onde converge tudo na Igreja, de maneira que seja também o centro que atrai a atenção dos fiéis, e tudo o mais não seja venerado senão em função, digamos assim, do Tabernáculo inamovível colocado no centro do Altar. Com semelhante disposição, a Santíssima Eucaristia, e, pois, a Presença Real sob as espécies de pão, era condignamente ressaltada. Ao entrar na Igreja, o Tabernáculo lembrava ao povo fiel a Presença Real de Nosso Senhor eo Sacrifício Eucarístico. No novo “Ordo”, o centro de toda a Liturgia não é o Tabernáculo, e sim o altar: “Altare maeus est centrum totius liturgiae eucharistiae” (“Institutio”,nº 49). Mas não é o altar sobre o qual se acha o Sacrário, pois, no novo “Ordo”, o Sacrário preferivelmente deve estar fora do altar-mor (nº 276). Seria difícil extenuar mais a fé no dogma da Presença Real; pois até o altar, no caso o altar material, tem preferência sobre o Tabernáculo. Esta disposição do novo “Ordo” concorre também para a aceitação da heresia calvinista de que Jesus Cristo está presente apenas no uso, ou seja, no momento da Comunhão.

  

3º)Dogma da Consagração e da Transubstanciação

 Doutrina Católica

 Sim, são as palavras da Consagração pronunciadas pelo sacerdote, e não a fé dos assistentes, que tornam Jesus Cristo presente corporalmente sob as aparências do pão e do vinho, e assim realizam a transubstanciação.

Doutrina protestante

Não, não são as palavras da Consagração mas a fé dos assistentes que produz durante a Ceia uma certa presença real de Cristo: a presença real espiritual. Não há transubstanciação.



            1. Várias mudanças na Missa Nova favorecem a doutrina protestante de que não há Consagração na Missa, mas apenas uma narração ou comemoração da ceia do Senhor. Assim: em Genebra, pátria do Calvinismo, num mesmo altar um sacerdote católico e um pastor protestante “concelebram”, na presença de jovens. A aproximação do novo “Ordo” com a liturgia protestante não podia ser maior ...

             A) Modo e tom narrativo da Consagração na Missa Nova 

            No “Ordo” de São Pio V

            Há uma separação nítida, muito bem destacada até pelos caracteres tipográficos, entre as palavras introdutórias (narrativas situando historicamente a Consagração na última Ceia) e a fórmula propriamente dita da Consagração, que torna  a Jesus cristo realmente presente, que torna Jesus Cristo realmente presente sob as espécies de pão e vinho. Depois da locução: “Tomai e comei dele todos” – uma pontuação marca a passagem da narração para as palavras realizadoras do mistério da Presença Real. O celebrante as pronuncia não em tom recitativo, como se faz numa narração, num memorial, mas ele as diz em tom intimativo, quer dizer, no tom normal de alguém que realiza uma ação pessoal. Assim como o Padre “Eu te perdôo os pecados”; ele diz “Isto é o meu Corpo” – “Este é o cálice do meu sangue (...)”. A pessoa do padre como que desaparece para ceder á lugar pessoa de Jesus Cristo a Quem aquele empresta a voz de maneira que as palavras são do próprio Cristo.

             No novo “Ordo”

            A locução:”Tomai e comei todos vós” – inicia a fórmula consecratória. Passa a fazer parte da fórmula que tornaria Jesus realmente presente. Com isso, o tom narrativo também a fórmula consecratória, estendendo a toda ela a idéia de que se trata não da renovação de um ato do Senhor, mas de uma simples narrativa de um fato passado. Além disso, nos novos Missais as fórmulas consecratórias não estão tipograficamente tão destacadas como nos Missais de São Pio V, o que sublinhava mui fortemente a mudança de ação. Assim, o padre é levado a não interromper a narração da Ceia e a pronunciar as palavras da Consagração no mesmo tom narrativo e sem separá-las das palavras que as precedem.

As palavras não são de Cristo, são do padre; como acontece em qualquer narração.



            B) Segunda mudança que favorece a doutrina dos protestantes

             No “Ordo” de São Pio V

            Após a primeira Consagração, seguro de não ter mais em suas mãos o pão mas o verdadeiro Corpo de Cristo, o padre ajoelha-se para adorar a Deus; depois, levantando-se, eleva a santa Hóstia para apresenta-la à adoração dos assistentes ajoelhados, e a adora novamente depois de tê-la colocado sobre o corporal que significa o sudário.



            No novo “Ordo”

          Tudo está mudado. Como se nada tivesse passado, o padre, sem adorar, eleva a Hóstia, apresenta-a à assistência que, igualmente, permanece de pé, depois a depõe sobre a patena e só então ajoelha-se.

           Suprime-se assim um gesto natural de adoração que manifestava a fé na Presença Real em virtude das palavras da Consagração e se favorece a doutrina protestante de que a presença de Jesus Cristo é fruto da fé da assembléia. O católico diz: Eu creio porque Jesus está presente. O protestante diz: Jesus está “presente” porque eu creio. Na Missa tradicional, só a versão católica é possível. Na Missa Nova a interpretação protestante também tem cabimento.



            C) Terceira mudança. A mudança a que acima nos referimos, introduzida na Consagração do pão, se reproduz na Consagração do cálice, e ainda renova o que equívoco, agravando pelo deslocamento das palavras “Mysterium fidei”.

             Na Missa Tradicional

            A expressão “Mysterium fidei”, incluída na fórmula da Consagração do cálice, não sofre nenhuma outra interpretação senão a católica. É uma confissão imediata e fé no mistério da transubstanciação. O “mistério de fé” é o que as palavras da Consagração realizam: a transubstanciação ou mudança do pão e do vinho no Corpo e no Sangue de Cristo.

             Na Missa Nova

            Depois de ter elevado e repousado o cálice, o padre faz uma genuflexão, levanta-se e diz e voz alta: “Eis o mistério da fé”. Qual o mistério? – Ora, reponde o católico, o mistério da transubstanciação. – Não, responde o protestante, é o mistério da fé dos fiéis que torna Cristo “presente” no meio de nós. Tanto assim que só depois que eles adoraram, é que o padre proclamou: “Eis o mistério da fé”.

            Na verdade, estamos diante de um rito equívoco, que pretende agradar a católicos e protestantes, e mais a estes.



             D) Aclamação após a Consagração

             Segundo o novo “Ordo”, logo após a Consagração, o povo deve fazer uma aclamação, para a qual se fixa três textos. Dois deles terminam com a expressão “até que venhais”.

             “Anunciamos a vossa Morte, Senhor, e proclamar a vossa Ressurreição, até que venhais”.

             “Todas as vezes que comemos deste Pão e bebemos do Cálice, anunciamos a vossa Morte, Senhor, até que venhais”.

             Sem duvida, a expressão “até que venhais” é de São Paulo (I Cor.XI, 26), e portanto em si mesma não pode ser censurada. Na Primeira Epístola aos Coríntios, ela indica a espera da última vinda de Jesus. Todavia, colocada logo após a Consagração, quando Nosso Senhor acaba de vir substancialmente ao altar, essa expressão pode induzir a pensar que Ele não está presente, que Ele não veio pessoalmente sob as espécies eucarísticas. Tal inovação, sobretudo se feita numa época em que há, em meios católicos, a assustadora tendência de negar a presença rela, tem como conseqüência inevitável favorecer a diminuição da fé na transubstanciação.

  

4.º) Dogma do Sacerdócio Hierárquico

 Doutrina Católica

Sim, o padre possui um verdadeiro sacerdócio hierárquico que lhe dá poderes que os outros fiéis não têm.
 Doutrina Protestante

Não, não há sacerdócio fora daquele que possuem todos os batizados.


             Confundir o sacerdócio dos fiéis com o do padre, seria adotar, uma vez mais, um princípio protestante. Pois, segundo os pseudo-reformadores do século XVI, o celebrante não é sacerdote num sentido diferente daquele em que o povo o é, mas apenas preside a assembléia eucarística, como delegado de todos os circunstantes. Os protestantes afirmam que é o povo que celebra o memorial do Senhor, sob a presidência do chefe da assembléia.



             O novo “Ordo” estabelece uma confusão entre o sacerdócio hierárquico e dos fiéis, quer no rito, quer em vários números da “Institutio”.

             1. No “Ordo” tradicional, o “Confiteor” inicial é dito em primeiro lugar pelo padre, e depois pelo acólito em nome do povo. Essa distinção marca claramente e diferença existente entre o celebrante e os fiéis. No novo “Ordo”, o “Confiteor” é dito simultaneamente pelo sacerdote e pelo povo. Tal modificação tende a insinuar uma identidade entre o sacerdote do presbitério e o dos leigos. Foi supressa a absolvição dada pelo padre ao fim do “Confiteor” - outra inovação que contribui para tornar menos precisa a distinção entre o sacerdócio hierárquico e a condição de simples fiel.
             Há entre o “Confiteor” da Missa Nova e o dos luteranos, traços comuns que chamam a atenção. Lutero também fez do “Confiteor” uma oração comum do sacerdote e da assembléia. O pastor luterano L.Reed, na obra citada acima, indica o alcance dogmático destas mudanças: “Reconhecendo o princípio do sacerdócio de todos os fiéis, fez-se da Confissão um ato da congregação, e não apenas do sacerdote”(Luther D. Reed.,The Lutheran liturgy, p.257).

              2. Na Prex eucharistica III (“Vere sanctus”) é dito sem mais ao Senhor: “populum Tibi congregare non desinis, ut a solis ortu usque ad accasum oblatio munda offeratur nomini tuo”, onde o “ut” (a fim de que) faz pensar que o elemento indispensável à celebração seja o povo em vez do sacerdote; e uma vez que não se precise nem sequer aqui quem seja o que oferece, o próprio povo surge investido de poderes sacerdotais autônimos (cfr. “Breve Exame Crítico”, V, 1).

              3. O n.º 7 da “Institutio”, mesmo depois de corrigido, afirma que é o povo que celebra o memorial do Senhor ou sacrifício eucarístico. Note-se, com efeito, que o agente de “celebrandum” não é “sacerdos” ou “Christus”, mas sim “populus Dei”.

             “Na Missa ou Ceia do Senhor, o povo de Deus é reunido, sob a presidência do sacerdote, que faz às vezes de Cristo, para celebrar o memorial do Senhor ou sacrifício eucarístico” (“Institutio”, n.º 7).

              4. No n.º 10 da “Institutio”, declara-se que a Prece Eucarística constitui uma “oração presidencial”. Acontece que o mesmo número conceitua as “orações presidenciais” como as que “são dirigidas a Deus em nome de todo o povo santo e de todos os circunstantes”. Qualquer leitor será levado por esta passagem a pensar que na Consagração o padre fala principalmente em nome do povo. Mas a parte principal da Prece Eucarística, que é a Consagração, é dito pelo sacerdote exclusivamente em nome de Nosso Senhor. Corrobora isto o n.º 12, dizendo que “a natureza das partes presidenciais”(portanto também a Consagração) exige que sejam pronunciadas em voz alta e distinta, e por todos atentamente ouvidas.

A propósito, é bom lembrar o anátema lançado pelo Concílio de Trento: “Se alguém disser que deve ser condenado o rito da Igreja Romana pelo qual parte do Cânon e as palavras da Consagração são proferidas em voz baixa (...), seja anátema”.

              5. A posição do sacerdote é também minimizada:

             a) pela maneira de celebrar “versus populum”, que o apresenta não como sacrificador diante do altar a oferecer o Santo Sacrifício, mas como o presidente de uma assembléia a distribuir, diante de uma mesa, o pão a seus irmãos;

             b) pelo desaparecimento ou uso facultativo de muitos paramentos (cfr. n.º298 da “Institutio”).

             c) pela multiplicidade de ministros (da Eucaristia, leitores, comentadores, salmistas, etc), com conseqüente distribuição entre leigos de funções cultuais que eram peculiares do ministro sagrado;

             d) da definição da “oratio universalis seu fidelium” (oração universal ou dos fiéis), na qual se sublinha o “ofício sacerdotal” do povo apresentado de maneira equívoca, pois que se silencia sobre sua subordinação ao sacerdócio do padre.

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Capítulo IV

Testemunho insuspeito de protestantes



              É notório que, nos trabalhamos de preparação do novo “Ordo Missae”, seis pastores protestantes, especialmente convidados, estiveram presentes. Este fato explica a tendência do novo “Ordo” de conciliar o ponto de vista protestante com o católico nos assuntos relativos à ceia dos protestantes e à Missa da Santa Igreja. Esta tendência teve como resultado um “Ordo Missae” que, segundo declarações de próceres protestantes, pode ser empregado também na liturgia de suas “seias do Senhor”.



             1) Declarações de protestantes:

             a.) Max Thurian, da Comunidade protestante de Taizé: “Um dos frutos do novo “Ordo” será talvez que as comunidades não católicas poderão celebrar a santa ceia com as mesmas orações da Igreja católica. Teologicamente é possível” (“La Croix”, 30-5-69).

             b.) “O movimento litúrgico de âmbito universal que tem lugar atualmente na Igreja Romana constitui um esforço tardio no sentido de promover uma participação ativa e inteligente do laicato na Missa de modo que os fiéis possam julgar-se “concelebrantes” com o sacerdote” (Lther D. Reed, The luthergy, p. 234).

             c.) “Agora, na Missa renovada, não há nada que possa verdadeiramente perturbar o cristão evangélico” (Siegevalt, Prof. de Dogmática na Faculdade protestante de Strasbourg, “Le Monde”, 22-11-69).

             d.) “As novas orações eucarísticas católicas abandonaram a falsa perspectiva de um sacrifício oferecido a Deus” (“La Croix”, 10-12-69, palavras que Jean Guitton diz ter lido em revista protestantes muito apreciada).

              e.) “Se toma em consideração a evolução decisiva da liturgia eucarística católica, a possibilidade de substituir o cânon da Missa por outras orações litúrgicas, o afastamento da idéia segundo a qual a Missa constituiria um sacrifício, a possibilidade de comungar sob as duas espécies, não há mais razão para as igrejas da Reforma (Roger Mehl, protestantes, em “Lee Monde”, 10-9-70).

             f.) “Dadas as formas atuais da celebração eucarísticas na Igreja Católica e em razão das convergências teológicas presentes, muitos obstáculos que teriam podido impedir um protestante de participar de sua celebração eucarística parecem estar em via de desaparecerem. Deveria ser possível, hoje, a um protestante reconhecer na celebração eucarística católica a ceia instituída pelo Senhor (...).

             Nós nos atemos à utilização das novas preces eucarísticas nas quais nós nos encontramos e que têm a vantagem de matizar a teologia do sacrifício que tínhamos o hábito de atribuir ao catolicismo. Estas preces nos convidam a encontrar uma teologia evangélica do sacrifício” (Trecho de um documento emanado do Consistório superior da Confissão  de Augsbourg e da Lorena, datado  de 8-12-73, publicado em “L’Église en Alsace”, número de janeiro de 1974).

              g.) “A maior parte das reformas que Lutero desejava. Existem doravante no interior mesmo da Igreja Católica” – (...) “ Por que não se reunir?” (Seppo A. Teonen, teólogo luterano, professor de Dogmática na Universidade de Helsiqui, jornal “La Croix” de 15-5-72).



             2) Julien  Green, anglicano convertido, em sua obra “Ce qu’il faut d’amour à l’homme”. P. 135, dá seu testemunho: “A primeira vez que ouvi a Missa em francês, tive dificuldade em crer que tratava de uma Missa Católica. Apenas a Consagração me tranqüilizou, embora ela fosse, palavra por palavra , semelhante à consagração anglicana”.

             No mesmo livro, o autor conta a impressão que ele e sua irmã tiveram diante de uma Missa televisionada: Pareceu-lhes uma imitação grotesca do ofício anglicano. No fim ele perguntou à sua irmã: “por que é que nos convertemos?” (op. cit., p. 138). 

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Capítulo V

As Traduções



             Esses erros e emissões apontados no Capítulo Terceiro agravam-se com as traduções em vernáculo do novo “Ordo” nas diversas línguas. O que há de mais grave é que é suas infidelidades convergem para uma mesma direção: a de extenuarem a pureza e integridade da fé.

             Alguns exemplos da tradução portuguesa:

             1. “Semper Virginem Mariam” traduzido por “A Virgem Maria”(Notar que os protestantes toleram chamar Nossa Senhora de Virgem Maria, mas nunca de “sempre Virgem Maria”).

             2. “Et cum spiritu tuo” traduzido por “Ele está no meio de nós” (Além de ser infiel, essa tradução insinua uma autonomia dos fiéis com relação ao sacerdócio hierárquico do celebrante, justamente no momento em que se deve marcar que as graças nos são dadas em razão do sacrifício realizado pelo padre no altar).

             3. “Offerimus” traduzido por “Apresentamos” (Reforça a nova concepção do ofertório, em que os donos não são propriamente oferecidos a Deus em espírito sacrifical, mas apenas apresentados no altar).

             4. “Meum ac vestrum sacrificium” traduzido por “O nosso sacrifício” (Insiuna identificação do sacerdócio do padre com o dos fiéis).

             5. “Cum Angelis et Archangelis, cum Thronis et Dominationibus, cumque omni milita caelistis exercitus” traduzido por “Com todos os anjos e santos”.

             6. “Vita aeterna” traduzido por “Vida”.

             7. “Morte perpétua” traduzido por “Morte”

             8. “Pro Ecclesia tua Sancta Catholica” traduzido por “Pela vossa Igreja dispersa pelo mundo inteiro”.

             9. “Ab aeterna damnatione” traduzida por “Da condenação”.

             10. “Pro multis” traduzido por “por todos”. A respeito desta “tradução” que ocorre na Consagração do vinho, é oportuno mencionar o comentário autorizado do Catecismo Romano: “As palavras que se ajuntam 'por vós e por muitos', foram tomadas uma de São Mateus, outra de São Lucas. A Santa Igreja, guiada pelo Espírito de Deus, coordenou-as numa só frase, para que exprimissem o fruto e a vantagem da paixão. 
             "De fato, se considerarmos sua virtude, devemos reconhecer que o Salvador derramou Sangue pela salvação de todos os homens. Se atendermos, porém, ao fruto que os homens dele auferem, não custa compreender que sua eficácia se não estende a todos, mas só a 'muitos' homens.
          “Dizendo, pois  'por vós', Nosso Senhor tinha em vista, quer as pessoas presentes, quer os eleitos dentre os judeus, como o eram os Discípulos a quem falava, com exceção de Judas.
           “No entanto, ao acrescentar “muitos”, queriam aludir aos outros eleitos, fossem judeus ou gentios, Houve, pois, acerto em não dizer “por todos”, visto que o texto só alude aos frutos da Paixão, e esta surtiu efeito salutar unicamente para os escolhidos” (Parte II, IV, n.° 24).

             11. “Et cum spiritu tuo” (no rito da comunhão) traduzido por “o amor de Cristo nos uniu” (Dando ênfase ao caráter comunitário da assembléia ali reunida, no qual os progressistas tendem a ver um elemento essencial da Missa).





[Nota: quanto aos termos equívocos e jogo de ambigüidades, convém notar que esta sempre foi a tática dos modernistas (e de todos os herejes) para difundir os seus erros. A este respeito, há uma declaração de intenção muito interessante, feita por Dom Duschank, em 5 de novembro de 1962, ou seja, antes das promulgações do Concílio: “Minha idéia, diz ele, será introduzir uma Missa ecumênica...”. Como se lhe perguntasse se esta proposição vinha de seus diocesanos, ele respondeu: “Não, eu penso mesmo que eles se oporiam, assim como se opõem numerosos bispos. Mas se pudesse colocá-la em prática, eu creio que eles terminariam por aceita-la (sic). A redação ambivalente dos textos do Concílio a isso se prestaria.“Nós exprimimos de uma maneira diplomática, mas, depois do Concílio, nós tiraremos as conclusões implícitas...” Diante desta resolução de um membro da Comissão doutrinal, o nada suspeito teólogo Schillebeeckx teve um sobressalto de indignação: “Eu considero isto desonesto” (“Le Rhin se jette dans le Tibre”, R. P. Ralph Wiltgen, S.V. D., pp. 37-38;”De Bazuin” 48 (1965),16,23-1-65,p. 4).] 

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Capitulo VI

Respondendo as objeções



             Primeira objeção: Hoje já não é necessário conservar o rito tradicional por que já não perigam, como nos tempos de São Pio V, os dogmas relativos ao caráter sacrifical da Missa, ao sacerdote ministerial e à Presença Real.

           Resposta: O Proêmio da “Institutio”(n.º7) dá a entender que o novo “Ordo”deixou de insistir sobre certos dogmas eucarísticos, porque eles hoje em dia não são mais impugnados. Esta consideração, “salva reverentia”, é no mínimo ingênua.

             Para não nos referirmos, nessa matéria, aos documentos de Pio XII _ que condenou numerosas práticas adotadas pelo novo “Ordo” – lembremos apenas alguns fatos mais recentes.

             Na Encíclica “Myterium fidei” de 3-9-65, PauloVI declara que são para ele “causas de grave solicitude pastoral e ansiedade” os erros que ocorrem a respeito das Missas privadas, da transubstanciação, do simbolismo eucarístico, etc. O mesmo documento insiste na “distinção não só de grau mas também de essência” entre os sacerdócio hierárquico e o dos fiéis – Paulo VI teria, nessa Encíclica, investido contra  heresias que ninguém atualmente professa?

             O catecismo Holandês e seus congêneres de outros países incidem nestes mesmos erros,

             Como negar que o tão prestigiado Pe. Schillebeeckx, por exemplo, proponha as noções de “transfinalização” e “transignificação” em termos inconciliáveis com a doutrina da Igreja já condenadas por Paulo VI na sobredita Encíclica?

              Os redatores do proêmio parecem não ter tido em vista de maneira alguma as influências danosas que o novo “Ordo” possa ter sobre os não católicos. Pois pelo menos entre estes é incontestável que existem os erros apontados. Na época de ecumenismo em que vivemos, é indispensável apresentar a doutrina da igreja de modo claro tanto aos seus filhos quanto os que não o são. Pois só assim será possível evitar mal-entendimentos perigosos, que na ordem concreta redundam necessariamente na deformação nos princípios da Fé.

             Causa, outrossim, estranheza o fato de que nos documentos introdutórios à Nova Missa apontam-se apenas os aspectos favoráveis do movimento litúrgico do tempo de Pio XII, calando por completo os gravíssimos erros que infestam largos setores desse movimento, e que determinaram ao Papa a escrever a Encíclica “Mediator Dei”. Agora, os redatores do Proêmio afirmam que semelhantes erros não existem. Um exame científico e objetivo desses pronunciamentos obriga a conceber a hipótese de que os autores do Proêmio teriam sido envolvidos por um conhecido e perigoso processo dialético: admitem em tese que certas doutrinas são heréticas, mas negam que em concreto haja alguém que as professe; e daí partem para uma ação que, tanto na ordem da propaganda ideológica quanto da vida prática, redunda no favorecimento e mesmo na promoção do erro. 

             Acresce que inexistência de tais desvios doutrinários é alegada, pelo Proêmio, como razão para que se introduzam na Missa inovações que São Pio V rejeitos porque, existindo então os mesmos desvios, viriam elas prejudicar gravemente a fé. Portanto, dado que semelhantes erros hoje existem – como é manifesto que existem – os argumentos dos redatores do Proêmio se voltam contra eles próprios.





             Segunda Objeção: A “Institutio”, em alguns números, afirma também a doutrina tradicional. Ora, os textos eventualmente confusos devem ser interpretados pelos claros; e os aparentemente heterodoxos, pelos ortodoxos. Portanto, o documento, considerado no seu todo, não pode ser tido como suspeito.

              Resposta: A) Em princípio, é verdadeira a regra segundo o qual os textos confusos e obscuros de um documento devem ser interpretados pelos claros.

             B) Mas a regra segundo a qual os textos suspeitos ou heterodoxos devem ser interpretados pelos ortodoxos, exige uma distinção:

             a) a regra é aplicável quando as passagens suspeitas ou heterodoxas ocorrem apenas uma vez ou outra, à maneira de lapso;

             b) mas a regra não vale quando as passagens suspeitas ou heterodoxas são numerosas (pois o que ocorre à maneira de lapso é, por natureza, casual e em pequeno número): nessa hipótese, deve-se recorrer a outras regras e outros meios de interpretação;

             c) quando, além de numerosos, as passagens confusas, suspeitas e heterodoxas formam, umas como as outras, um sistema de pensamento, a citada regra de interpretação não vale, mas aplica-se a regra oposta: é mister então perguntar se não são os textos ortodoxos que devem ser interpretados à luz dos confusos, suspeitos e heterodoxos.





             Terceira Objeção: As objeções dos tradicionalistas contra o novo “Ordo Missae” de PauloVI, além de sutis e capciosas, envolvem uma interpretação unilateral e tendenciosa das modificações da nossa liturgia, que podem er um bom sentido. Ora, tendo já a Santa Sé aprovada o novo “Ordo”, o certo seria dar uma interpretação favorável ao que ali é ambíguo.

              Respostas: Paulo VI afirmou, em seu discurso de 19/11/69 que “o rito e a rubrica respectiva por si não são uma definição dogmática; são susceptíveis de uma qualificação teológica de valor diverso, segundo o contexto litúrgico a que se referem; são gestos e termos que se relacionam com uma ação religiosa(...), ação que só a crítica teológica pode analisar e exprimir em fórmula doutrinária logicamente satisfatória” (A.A.S. 1969, p 779). É justamente o que fazemos, desde que a Santa Sé não se tenha pronunciado de maneira definitiva e irreformável dando a interpretação autentica. Nosso critério é a doutrina oficializa pela mesma Santa Sé.

             Ora, o que percebemos é que todas as modificações convergem numa mesma direção: silenciar, desbotar, debilitar, ocultar as afirmações dogmáticas já definidas sobre os principais mistérios da Santa Missa. É como em certos desenhos pontilhados: unindo-se com um risco, um ponto a outro, descobre-se uma figura. Assim também,somando-se todas as omissões e falhas do novo "Ordo", configura-se claramente uma tendência doutrinaria declarada. As declarações de teólogos protestantes, as idéias correntes em meios teológicos católicos, o clima de falso ecumenismo coincidem com a  interpretação que damos do novo "Ordo".

             Ora, a Igreja sempre foi cuidadosa em evitar que qualquer expressão, proposição ou rito pudesse prestar-se a interpretações errôneas, reforçando com termos ou gestos inequívocos o sentido ortodoxo.

             As restrições que fazemos aos diversos tópicos da Nova Missa não são todas de igual importância. Sem dúvida que, tomando-se separadamente cada falha ambigüidade do novo "Ordo", parece difícil e capcioso descobrir nele laivos de protestantismos, mas somente essas ambigüidades e omissões, ligando-as, como no desenho pontilhado, então tudo se torna claro e explícito, o que faz com que o todo mereça restrições mais graves do que cada parte passível de reservas.





             Quarta Objeção: O Papa pode inovar os ritos da Santa Missa. Com o novo "Ordo", Paulo VI não fez outra coisa. Não há, pois, razão para recusá-lo.

              Resposta: Não temos reservas na aceitação do principio acima enunciado, desde que  seja retamente entendido e aplicado, dentro da Doutrina Católica. Ora, segunda esta, as determinações, também disciplinares, como as normas litúrgicas, não podem ser tais que , mesmo implicitamente, se oponham ao depósito da Revolução. É o que se reduz da definição do dogma da infalibilidade pontifícia, como foi ele enunciado pelo I Concílio do Vaticano: "O Espírito Santo, diz o Concílio, não foi prometido aos sucessores de São Pedro para que estes, sob a revelação do mesmo Espírito Santo, pregassem uma nova doutrina, mas para que, com sua assistência, conservassem santamente e expusessem fielmente o depósito da Fé, ou seja, a Revelação herdada dos Apóstolos" ( Denz.-Sch.,3070).

             Por essa definição se vê que, no exercício do Magistério infalível, o Papa deve manter-se fiel à Tradição.

             O Papa pode enriquecer a Liturgia, mas não pode perpetuar uma espoliação litúrgica que destrói o precioso patrimônio de orações, música e cantos acumulados nos séculos, guardados com sumo cuidado pelos Romanos Pontífices, invejado por todos os inimigos da Igreja Católica, causa de numerosas conversões.Menos ainda está no direito pontifício suprimir um rito que dá o devido culto a Deus para substituí-lo por um rito lacunoso, ambíguo, desalinhado, sem brilho, que deixa o campo aberto a extravagância, irreverência e profanações.

             Também não esta no direito do Papa promulgar um novo "Ordo" que não se conforma com a norma secular da Igreja em matéria litúrgica: "Lex orandi, lex credendi". Porque isto se opõe ao dever do Papa de "exprimir fielmente (...) o depósito da Fé" e prejudica gravemente a "salvação das almas".

             O poder foi outorgado à autoridade eclesiástica para a edificação do Corpo Místico de Cristo, não para a destruição (II Cor. 10.8).

É por isso que a autoridade do Papa não pode  e não deve nunca identificar-se com o arbítrio, mas permanece limitada pelo direito divino natural e positivo, pelo maior bem da Igreja, pela salvação das almas, bem como pela necessidade do reto uso da razão.

Quando as disposições papais fogem do limites acima indicados, não obrigam.





             Quinta Objeção: "Par pari non obligat" (um igual não obriga  ao igual). Então, o que um Papa fez outro não pode desfazer?

              Resposta: Pode se afirmar este princípio de maneira absoluta e em todos os campos? Claro que não. Por exemplo: Um Papa não pode declarar no futuro que Nossa Senhora não foi assunta ao céu em corpo e alma, pois é dogma já definido por Pio XII.Neste sentido entendem as palavras do Evangelho: "Tudo que ligares na terra será ligado no céu" ( Mat. 16.19).

             Um Papa não pode revogar a canonização de um santo após tê-la livremente decreto. Um Papa não pode revogar os vínculos matrimoniais válidos.

             Os Papas são iguais em poderes "ratione officii", enquanto Papas; mas nas questões sobre as quais emitem definições, "ratione materiae", eles não podem definir livremente sobre todas as matérias, pois estão "ligados" pela Sagrada Escritura, pela tradição e pelas definições já proferidas pela Igreja no seu Magistério perene, ao qual estão subordinados e não podem contradizer ( cfr. Pio IX na Carta Apostólica "Mirabilis illaconstantia", ratificando a declaração coletiva dos bispos alemães que afirmam, além do que dissemos acima, que "a opinião de que o Papa por força de sua infalibilidade é um príncipe absolutíssimo supõe um conceito errôneo do dogma da infalibilidade papal" ( Denz.-Sch. 3116 e 3117).

             Portanto não está em questão a igualdade de poder dos Papas enquanto Papas e sim a diferença das matérias sobre as quais este poder é exercido. A extensão do poder das chaves evidentemente não abrange o "ligar" e "desligar" contra o direito divino, contra a Sagrada Escritura, contra a Tradição ou contra as definições já dadas pelo Magistério.





             Sexta Objeção: Mas é o Papa quem determina o que está conforme a Tradição e o que está.

              Resposta: De acordo. E esta é a razão da firmeza de nossa posição. O papa Pio IV, por exemplo, no Concílio de Trento (sessão XXII, cap.4) declarou e definiu que o Cânon da Missa tradicional é isento de todo erro e lançou o anátema sobre quem disser  o contrário e afirmar que ele deve ser ab-rogado. Portanto, o Papa é o interprete da Tradição. Mas a Tradição não esta ao sabor de cada Pontífice. A ela até o Papa está ligado. O Papa evidentemente pode explicitar e explicar o que está contido na Tradição, mas não entrar em contradição com ela. Pois o Espírito Santo não lhe foi dado para ensinar uma nova doutrina, mas para conservar e expor fielmente o depósito que recebeu (cfr. declaração do Vaticano I, in Objeção 4.º).

             O poder do Papa é supremo mas não ilimitado.

             Se houvesse uma controvérsia sobre se tal doutrina está conforme ou não com a Tradição, então o Papa, usando o seu carisma de infalibilidade, poderia definir a questão. Mas no caso, não há propriamente controvérsia, pois os dogmas eucarísticos e verdades não explicitadas na Missa Nova já foram claramente definidos pelo Magistério da Igreja e as heresias ali favorecidas já foram, uma vez por todas, condenadas. Portanto, ao não seguir a Missa Nova, estamos seguindo a Tradição claramente interpretada pelo Magistério da Igreja.





             Sétima Objeção: A Igreja, no decurso dos séculos, já modificou várias vezes a sua Liturgia. Por que não aceitar as modificações atuais?

             Resposta: Diz o adágio: "Lex orandi, lex credendi". Fé e oração estão em estreita ligação. São correlatas. A oração litúrgica é a expressão de nossa Fé. Daí, com o desenvolvimento orgânico e homogêneo do dogma, se deu progresso orgânico e homogêneo da Liturgia. E mais. Quando a Fé era atacada pelos hereges, a Igreja dava-lhes resposta na sua Liturgia com enriquecimentos anti-heréticos que, ao mesmo tempo, reafirmavam e consolidavam a fé dos fiéis. Basta que consultemos a história da Liturgia, de que recordamos alguns pontos.

             Assim, os Maniqueus consideravam a matéria como princípio do Mal e diziam que a Missa não era sacrifício. Contra eles a Igreja ( Papa São Leão) acrescentou ao Cânon da Missa as palavras "sanctum sacrificium, immaculatam hostiam", explicitando assim a realidade e santidade do sacrifício eucarístico.

             Os Arianos negavam a divindade de Jesus. Gostavam da expressão "pelo Filho no Espírito Santo". Como reação, exprimindo melhor a doutrina, estabeleceu-se esta: "Glória ao pai e ao Filho e ao Espírito Santo". E para refutar o sentido que os Arianos davam a fórmula como "por Cristo Nosso Senhor", a Liturgia Romana desenvolveu esta determinação breve das orações na terminação longa "por Nosso Senhor Jesus Cristo que convosco vive e reina na unidade do Espírito Santo, Deus, por todos os séculos do século...".

              Os hereges pelagianos entre outras coisas negavam a necessidade da graça e o pecado original. Muitas orações do Missal Romano no tempo pascal e depois de Pentecostes  (por exemplo, as orações do I, IX e XVI domingos depois de Pentecostes) são a condenação, um por um, dos erros destes herejes.

              Os semi - pelagianos incidiram no mesmo erro de negar a necessidade da Graça. A reação litúrgica contra eles, para mostrar que a todo momento necessitamos do auxílio de Deus, foi a introdução da invocação "Deus in adjutorium meum intende" (Deus, vinde em meu auxílio), extraídas dos Salmos, no começo de todas as horas canônicas.

             No século XII, Berengário ensina erros sobre a presença real e alguns começaram a  afirmar que a presença de Cristo na eucaristia só se dava depois da consagração do Cálice. Contra isso, a Igreja introduz a elevação da Hóstia para ser adorada pelos fiéis antes de começar a consagração do Cálice.

             Os Cátaros, no século 12 e 13 negavam a Encarnação e também a Transubstanciação. Segundo esta heresia, o espírito, que é bom, não pode habitar a carne, que é má. Uma das respostas da Igreja à ameaça herética foi a instituição, em 1285, da recitação do último Evangelho (Prólogo de São João), no final da Missa, com a genuflexão ao "Et Verbum caro factum est".

              Os jansenistas começaram a esfriar a devoção do povo. Como reação litúrgica foi introduzido o culto do Sagrado Coração de Jesus.

             Contra o laicismo moderno, Pio XI institui a festa de Cristo Rei, uma reação litúrgica com expresso intuito doutrinário. (Observações históricas extraídas do livro "Valor teológico da Liturgia", Pe. Manuel Pinto, SJ).

             Assim foi no decurso dos séculos até hoje. E ninguém deixou de aceitar as modificações litúrgicas e o progresso da Liturgia, pois eram um verdadeiro enriquecimento de acordo com Tradição, fortalecimento da Fé contra as heresias, um autêntico progresso. Tradição é a soma de um passado com presente que lhe é afim.

             Ora, conforme se viu no decurso deste trabalho, as modificações atuais são completamente opostas ao modo tradicional de agir da Igreja. Os cortes e acréscimos atuais são sensivelmente favorecedores da heresia. A diminuição das genuflexões, sobretudo logo após a Consagração, a supressão das orações do Ofertório, a mutilação do Cânon Romano, a introdução de novas Preces Eucarísticas, a equiparação da liturgia da palavra com a liturgia eucarística, a maneira de se celebrar "versus populum" e todo o conjunto das modificações da nova Liturgia demonstram que não foram acréscimos no sentido de enriquecer e explicitar mais os mistérios eucarísticos, nem de evitar quaisquer interpretações heréticas, nem de nos robustecer mais na fé, mas, ao contrário, tornaram-nos inexplícitos e ambíguos, fazendo assim que a Missa perdesse a identidade de sacrifício da Igreja Católica.

             Assim se compreende que os protestantes, que negam os dogmas eucarísticos e detestam a Missa tradicional, agora dizem poder celebrar a sua "ceia" com os textos da Missa Nova. Assim se compreendem melhor as estatísticas comprovando a diminuição do fervor dos fiéis. Assim se compreende também a reação dos verdadeiros fiéis católicos a essas novidades.

              Favorecer as heresias não pode ser matéria de obediência.





             Oitava objeção: Se o novo "Ordo" aproxima a liturgia da Missa do rito protestante da ceia, já que foi ele imposto à Igreja toda, chegaríamos à conclusão de que a Igreja teria falhado, contra a promessa de Jesus Cristo. Pois teria induzido os fiéis ao erro e à perda da Fé. Não podemos admitir semelhante defecção da Igreja. Devemos, pois, afirmar que o novo "Ordo" não contém tais deficiências, e deve ser aceito.

             Resposta: Esta objeção parte do princípio de que a Igreja é infalível nas suas leis litúrgicas gerais. Ora, existem razões, tanto de ordem doutrinária quanto histórica, para se pôr em dúvida que as leis litúrgicas universais impliquem sempre e necessariamente a infalibilidade da Igreja. Na teologia das últimas décadas vem-se tornando cada vez mais claro que as disposições gerais nesta matéria envolvem a autoridade da Igreja em graus variáveis, segundo a medida em que a Santa Sé ou a sagrada Hierarquia tenham empenhado, em cada caso concreto, a sua autoridade. (Sobre este assunto, leia-se o folheto: A infalibilidade das leis eclesiásticas, de A. V. Xavier da Silveira, 1971)

             Outrossim, acrescentamos:

             a) O argumento prova demais, Com efeito, a mesma Igreja que agora é apresentada como impondo o novo "Ordo Missae", antes do II Concílio do Vaticano editou normas litúrgicas discordantes do novo "Ordo", e as impôs a toda a Igreja. E de fato foram aplicadas em toda a Igreja.
             Alguns exemplos: 1.º) Pio VI, ao condenar o Sínodo de Pistóia, proscreveu a introdução do vernáculo na Liturgia, como coisa falsa , temerária, perturbadora da ordem prescrita na celebração dos Mistérios, facilmente causadora de muitos males (Prop. 66 - Denz.-Sch. 2666). O novo "Ordo" introduz o vernáculo. Perguntaríamos: qual das duas igrejas falhou: a anterior ao IIo Concílio do Vaticano, ou a posterior?
            2º) Não se diga que, mudadas as condições, o que era inconveniente passou a ser aconselhável. Com efeito, há exemplo de mudança semelhante, onde não há, em absoluto, lugar à explicação de uma subseqüente conveniência. De fato, o Concílio de Trento anatematiza os que condenam o rito que manda dizer em voz baixa as palavras da Consagração( Ses. 22, cn. 9 - Denz.-Sch. 1759). O novo "Ordo", ao contrário, afirma as palavras da Consagração, por sua própria natureza(grifo nosso), devem ser ditas em voz clara e audível ( Rubrica nº 91). Perguntamos, qual das duas igrejas errou, a de Trento ou a do novo "Ordo"? E aqui notemos que, ao declara que "por sua própria natureza" as palavras da Consagração devem ser ditas de modo claro e audível, o novo "Ordo" está a dizer que sempre, em toda parte  em todo tempo, essas palavras devem ser pronunciadas desse modo  ao celebrar-se a Santa Missa. Portanto, o que é exigido pela própria natureza transcende e o tempo e o espaço.

             b) O argumento, portanto, prova demais, ou seja, não prova nada. Ou melhor, dá azo a que se veja a possibilidade de se esgueirar algum erro ou engano numa determinação litúrgica, ainda que imposta a toda a Igreja (cfr. A infalibilidade das leis eclesiásticas, p. 20-21).

             c) Esta observação explica a frase de Inocêncio III que ele (Papa) não poderia ser julgado pela Igreja, a não ser pelo pecado que cometesse em matéria de fé (cfr. Billot, Trat. "De Ecclesia Christi", tom. I,  pp. 618-619, 1909).







             Novena Objeção: Mas como salvar a indefectibilidade da Igreja, se toda Ela aceitou pacificamente o novo "Ordo"?

             Resposta: Contestamos que essa aceitação tenha sido pacífica, que não tenha despertado estranheza precisamente porque inovava num sentido oposto ao da Tradição.

             Tão logo promulgado, o novo "Ordo" suscitou dúvidas, perplexidades, problemas de consciência e reações, da parte de Cardeais, sacerdotes, teólogos e leigos. Assim, os Cardeais Ottaviani e Bacci escrevem em carta a Paulo VI(5-10-69): "A parte melhor do Clero passa, nestes momentos, por uma torturante crise de consciência, da qual possuímos testemunhos inumeráveis e quotidianos". Um grupo de teólogos e outro de canonistas, em artigos bem sólidos na revista "Pensée Catholique", nº 122 de 1969, pp. 1-47, evidenciam o distanciamento do novo "Ordo" com relação ao Dogma católico, tão bem expresso no Ordo tradicional, e os canonistas respondem a uma consulta suscitada por dúvidas surgidas quando da promulgação do novo "Ordo". A Revista francesa "Itinéraires", editada em Paris (4, rue Garancière), em vários números, especialmente 146 de 1970, apresenta artigos e testemunhos sobre o assunto. O escritor francês Louis Salleron publicou em "Nouvelles Éditions Latines", Paris, 1970, o livro: La nouvelle Messe _ uma crítica serena e fundamentada do novo "Ordo". Veja-se também "Catolicismo", nº 242, fevereiro de 1971: "Sobre a nova Missa: Repercussões que o público brasileiro ainda não conhece".

             É significativa a reação do Episcopado inglês que pediu à Santa Sé para continuar a usar o Missal Romano, codificado por São Pio V, como notificaram os jornais na ocasião, por exemplo o jornal brasileiro "O Globo", em sua edição de 17-07-71.

             O argumento da aceitação do novo "Ordo" valeria se ela significasse a adesão ao que ele envolve, não somente enquanto rejeita o que há no artigo, mas também enquanto prescreve as novas idéias que seus ritos indicam. Ora, nenhuma das duas conseqüências consta com certeza. A aceitação envolve apenas um ato de subordinação ao supremo Hierárca, subordinação que só se entende à luz da afirmação várias vezes repetida de que Ele não modificou essencialmente o rito da Missa. Em outras palavras: não estava, acaso, Paulo VI preocupado em acalmar os temores dos fiéis que não aceitaram uma Nova Missa na essência diferente da antiga? Para tanto, era preciso convencê-los de que, apesar das aparências, na realidade a Missa não era nova. Era mesma de sempre, com leves retoques. Mostramos que os retoques, de fato, afetaram essencialmente o Sacrifício da Missa. Tanto assim que protestantes, que não admitiam o Sacrifício da Missa, aceitam as preces do novo "Ordo" para celebração de sua ceia comemorativa da Ceia do Senhor.





             Décima Objeção: Ao superior compete mandar e ao súdito obedecer. Já que Paulo VI promulgou o novo "Ordo" e os Bispos no-lo impõem, não se peca por desobediência, recusando-o.

             Resposta: Recordemos primeiramente o ensino da Igreja sobre a obediência. Ela é uma virtude sobrenatural, moral que inclina nossa vontade a submeter-se à vontade de Deus ou à de um superior, considerado como intermediário da vontade divina. Como todas as virtudes morais, a obediência, para ser virtuosa, deve ser governada pela prudência. Enquanto que as virtudes teologais não podem ser transgredidas senão por defeito, as virtudes morais podem ser transgredidas por defeitos ou por excesso. Este justo meio é indicado pela prudência sobrenatural.

             Já que a obediência nos inclina a submeter nossa vontade à de um Superior, enquanto este é o representante da vontade divina, que é preciso para que haja obediência? É preciso uma ordem. Mas uma ordem que venha de um Superior legítimo, que ordene dentro do campo onde pode exerce sua autoridade. Este direito de mandar vem de Deus: "Tu não terias nenhum poder sobre Mim, se não te fosse dado do alto" ( Jo 19,11).

             Nestas condições, se aquele que manda ultrapassa o âmbito d seu direito, seu poder neste ponto não lhe vem do alto: não existe ordem propriamente dita, mas abuso de poder. Todo inferior está obrigado a obedecer a seu Superior em tudo aquilo em que lhe está submisso, quer dizer, em tudo aquilo em que o Superior tem direito sobre ele. Obediência incondicional e em tudo só se deve a Deus.

             A obediência cega não escusa a responsabilidade dos súditos, e estes terão que prestar contas a Deus.

             Recusando o novo "Ordo Missae” promulgado pelo Papa e impostos pelos Bispos, nós não desobedecemos, lembramos apenas, respeitosamente, os contornos que a Revelação impões às autoridades da Igreja.





             Décima Primeira Objeção: Mas rejeitando a nova Missa não se está formando um cisma?

              Resposta: Permanecendo-se fiel à Tradição, não se pode cair na heresia nem no cisma. É na novidade que há perigo de cisma ou heresia.

             Para caracterizar-se uma cisma é necessário que haja, por um lado, rejeição da autoridade pontifícia ou recusa de submissão aos preceitos e julgamento da Igreja, por outro, rejeição de comunhão com os membros da Igreja. Reconhecemos a autoridade do Papa sobre a Igreja Universal e sobre cada um dos fiéis. A recusa de obediência a um ato do Papa, de si, não envolveria cisma. Mas, no presente caso, não se trata nem sequer de desobediência. É justamente por obediência à Tradição e ao Magistério perene da Igreja que recusamos o novo "Ordo". Esta "resistência" àquilo que seria uma vontade do Papa nada tem a ver com desobediência. Repetimos com São Bernardo: "Aquele que faz um mal porque lhe mandam, faz menos um ato d obediência do que de rebeldia" ( Carta XXXIII em "Cartas Diversas"). Assim, o Cardeal Caraffa, opondo-se energicamente à vontade do Papa Sisto V que queria publicar uma versão defeituosa da Bíblia, não fez cisma. Como também não fez cisma São Bruno de Segni opondo-se a Pascoal II na questão das investiduras, Nem são acusados de provocar cisma Guido de Vienne, São Hugo do Grenoble e São Godofredo de Amiens pelo fato de ameaçarem romper com Pascoal II, caso este não confirmasse as decisões sinodais contrárias aos decretos arrancados pelo Imperador ao Papa.

             Outrossim, um rompimento formal com os costumes fundados em Tradição Apostólicas, sobretudo em matéria de culto, envolve cisma. Por isso, o grande teólogo Suarez não teme afirmar que poderia ser considerado cismático o Papa que "quisesse subverter todas as cerimônias eclesiásticas fundadas em tradição apostólica" ( De Caritate, disp. XII, sect. I, nº2, pp. 733-734). Ora, uma liturgia heretizante e tendente à dessacralização não tem base alguma na Tradição; pelo contrário, constitui uma ruptura formal e violenta de todas as regras que até hoje orientaram o culto católico.

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 Bibliografia

"L'Ordo Missae de Paul VI: qu’en penser?", Arnaldo Xavier da Silveira, Diffusion de la Pensée Française, Chiré-en-Montreuil, 1975, 360 pp.

"Breve exame crítico" (apresentado ao Papa pelos Cardeais Ottaviani e Bacci)



Revistas e jornais consultados:

"Catolicismo"

"Itinéraires"

"Sim Sim Não Não"

"Permanência".
 “Olhando ao fundo o problema, não há debate entre a antiga Missa e a nova Missa. Não há senão o problema da Missa em si mesma. Permanece sempre “lex orandi, lex credendi”. A lei da oração não faz senão um todo com a lei da fé. Tal fé, tal Missa. Tal Missa, tal fé. Quando se enfraquece a crença na transubstanciação, no sacerdócio ministerial, no sacrifício, a Missa vacila. E, assim também, quando a Missa se torna refeição fraterna, exaltação comunitária e improvisação profética, as verdades de fé que ela encarna, se evaporam. Tudo, hoje, se destrói em conjunto. Tudo não será restaurado a não ser em conjunto. Nós não assistimos nem à eclosão de uma Missa Nova, nem ao fim de uma Missa antiga. Nós assistimos ao eclipse da Missa eterna. Mas os eclipses só duram certo tempo”

( Louis Salleron, La nouvelle Messe).

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