sábado, 24 de setembro de 2011

Confessai-vos bem!
Santo Afonso Maria de Ligório
Parte I.

1. O principal motivo da perdição.
Discípulo — Padre, poderia explicar-me a razão deste título?

Mestre — Chamei-o assim por causa do fato seguinte:
Conta-se certa moça, tendo caído por desgraça num desses pecados que tanto envergonham na confissão, vivia triste e desconsolada. Passaram-se assim muitos meses, sem que nenhuma das companheiras da coitada descobrisse a causa de tanta aflição. Nesse ínterim, aconteceu que a sua melhor amiga, muito virtuosa e devota, morreu santamente. Uma noite, a chamam pelo nome, quando está no melhor do sono; reconhece perfeitamente a voz da amiguinha morta que vai repetindo: Confesse-se bem... se você soubesse o quanto Jesus e bom!
A moça tomou aquela voz por uma revelação do céu, criou coragem e, decidida, confessou o pecado que era a causa de tanta vergonha e de tantas lágrimas. Naquela ocasião, tamanha foi a sua comoção, tão grande o seu alívio que depois disso, contava o fato a todo o mundo, e repetia por sua vez: "Experimentem e vejam o quanto Jesus é bom".

D. — Muito bem! — acredito nisso plenamente, porque, já fiz mais de cem vezes a experiência de tal verdade.
M. — Pois então agradeça a Deus de todo o coração e continue a fazer boas confissões. Ai daquele que envereda, pelo caminho do sacrilégio! É essa a maior desgraça que nos pode acontecer, porque dela não teremos mais a força de nos afastar, e assim prosseguiremos, talvez até à morte, precipitando-nos no abismo da perdição eterna.

D. — É assim tão nefanda uma confissão mal feita?
M. — É o principal motivo, a causa capital da perdição!

D. — Deveras?
M. — Assim é, infelizmente! São as confissões mal feitas o motivo pelo qual tantas pessoas perdem suas almas e vão para o inferno.

D. — Mas não há exagero nisso?
M. — Exagero nenhum, e nem sou eu quem o diz: afirmam-nos os Santos que melhor conhecem as almas e viu-o Santa Teresa em uma visão.

Estava a Santa rezando, quando, de repente abrem-se diante dos seus olhos uma voragem profunda, cheia de fogo e de chamas; e nesse abismo precipitam-se com abundância, como neve no inverno, as pobres almas perdidas.


... são as confissões mal feitas o motivo pelo qual tantas pessoas perdem suas almas e vão para o inferno!...

Assustada, a Santa levanta os olhos ao céu e:

 — Meu Deus, exclama, meu Deus! O que é que eu estou vendo? Quem são elas, quem são todas essas almas que se perdem? Com certeza devem ser as almas dos pobres infiéis.
 — Não, Teresa, não! Responde o Senhor. As almas que neste momento vês precipitarem-se no inferno com o meu consentimento, são, todas elas, almas de cristãos como tu.
 — Mas então devem ser almas de pessoas que não acreditavam, que não praticavam a Religião, que não freqüentavam os Sacramentos!
— Não, Teresa, não! Fica sabendo que essas almas pertencem todas a cristãos batizados como tu, e, que, como tu, eram crentes e praticantes...
— Mas se assim é, naturalmente essa gente nunca se confessou, nem mesmo na hora da morte...
— No entanto, são almas que se confessavam, e confessaram-se também antes de morrer...
— Por qual motivo então, ó meu Deus, são elas condenadas?
— São condenadas porque se confessaram mal...

Vai Teresa, conta a todos esta visão e recomenda aos Bispos e Sacerdotes que nunca se cansem de pregar sobre a importância da confissão e contra as confissões mal feitas, afim de que os meus amados cristãos não transformem “o remédio em veneno; afim de que não se sirvam mal desse sacramento, que é o sacramento da misericórdia e do perdão.”

D. — Pobre Jesus!... São assim tão numerosas as confissões mal feitas?
M. — S. Afonso, S. Felipe Néri, S. Leonardo de Porto Maurício, afirmam unanimemente que, infelizmente, o número das confissões mal feitas é incalculável. Eles, que passaram à vida no confessionário e à cabeceira dos moribundos, sabem dizer a pura verdade. E nós que erramos, de terra em terra, pregando exercícios e missões, somos obrigados a afirmar a mesma coisa.
O célebre Padre Sarnelli, na sua obra “O mundo santificado” exclama: “Infelizmente são incalculáveis as almas que fazem confissões sacrílegas: sabem disso, em parte, os Missionários de longa experiência, e cada um de nós virá sabê-lo, com grande pasmo, no vale de Josafá. Não só nas grandes capitais, mas nas cidades menores, nas comunidades, no meio daqueles que passam por piedosos e devotos encontram-se em grande número os sacrílegos...”

O Padre Tranquillini, da Companhia de Jesus, tendo sido chamado à cabeceira duma senhora gravemente enferma, acode com solicitude e a confessa: mas, chegada à hora da absolvição, ele sente qualquer coisa que, como se fosse uma mão de ferro, o impede de prosseguir.

— Minha senhora, diz ele, talvez se tenha esquecido de alguma coisa...
— Impossível, Padre, estou me preparando há oito dias...!

Depois de algumas preces, tenta uma segunda vez; mas, a mesma mão o impede de novo.

— Desculpe, minha senhora, replica o Padre, talvez a senhora não ouse confessar algum pecado...
— O quê diz, Padre? Isso me ofende. Como pode supor que eu queira cometer um sacrilégio?

Torna a tentar pela terceira vez a absolvição e ainda uma vez aquela força invisível o impede de agir. Não podendo compreender qual o mistério que se escondia num fato tão extraordinário, cai de joelhos, e, chorando, suplica àquela senhora, que não se traia, que não seja a causa da própria perdição.

— Padre, exclama ela então, Padre, há quinze anos que eu me confesso mal! Veja, portanto, como é fácil achar-se quem se confessa mal!

D. — Chega, Padre, isto me faz estremecer.
M. — Antes tremer aqui do que queimar no inferno: e, falando disso, lembro-me de outro exemplo. São João Bosco, numa obra sobre a confissão diz textualmente: "Eu vos afirmo que enquanto escrevo, minha mão treme, porque eu penso no número de cristãos que vão para a perdição eterna, somente por terem escondido, ou por não terem exposto sinceramente os seus pecados na confissão"!

D. — O senhor disse também: por não terem exposto sinceramente os seus pecados?
M. — Certamente! Aquele que, por exemplo, confessa só os maus pensamentos, quando além disso cometeu ações ou atos impuros; aquele que confessa ter cometido tais atos sozinho, quando os cometeu com outros; aquele que esconde o número conhecido de suas faltas; aquele que, interrogado pelo confessor não diz a verdade; todos esses fazem más confissões.

D. — O quê é que pensam os que assim procedem?
M. — Pensam que no futuro poderão remediar, isto é, confessam-se para viver como diz São Felipe Néri, quando toda e qualquer confissão devia ser feita como se fosse a última, como se nos preparássemos para a morte.
Um dia uma mulher do povo confessou-se com um célebre Missionário: de volta do confessionário, ela passou casualmente por cima de uma laje que cobria uma sepultura. A laje, gasta pelo tempo, cedeu, e a mulher caiu lá em baixo, no meio dos ossos e dos esqueletos. Imagine o susto de todas as pessoas que acudiram; mas isso não foi nada, comparado ao terror o aos berros da coitada! Logo depois que, com muito esforço e trabalho conseguiram tirar a mulher dali, ela, que escapou ilesa, voou para o confessionário e:
— Padre, padre, até hoje eu só me tinha confessado para viver, mas agora que eu vi a morte diante do mim quero confessar-me como se eu fosse morrer – e tornou a fazer, tremendo, aquela confissão que, momentos antes, tinha feito mal.

D. — Ah! o pensamento da morte é terrível.
M. — É terrível sim, mas muitíssimo salutar e é pior isso que, cada vez que nos confessamos, devíamos tê-lo na mente.

Dentre os inúmeros fatos maravilhosos que se contam na história de D. Bosco destaca-se este: No Salesiano de Turim faziam-se os santos exercícios espirituais, e, todos os presentes, alunos e internos com a máxima seriedade, muito piedosos, rezavam com fervor e colhiam os frutos de suas preces para o bem de suas almas. Enquanto esses cumpriam o seu piedoso dever, um jovem, refratário a toda e qualquer suplica e aos mais afetuosos cuidados de D. Bosco e dos demais superiores, teimou em não se querer confessar nem mesmo naquela circunstância. Os bons Padres tinham feito todo o possível para convencê-lo, mas inutilmente. Ele repetia sempre: “Em qualquer outra ocasião, sim, mas agora não! Vou pensar nisso depois... Agora não sei tomar uma resolução”!

Com essa desculpa, chegou ao último dia das cerimônias; D. Bosco, então recorreu a um estratagema. Escreveu numa folha de papel estas palavras: "... e se você morresse durante a noite?!..." e escondeu-a entre o lençol e o travesseiro do rapaz. Cai à noite: todos se vão deitar, e o nosso jovem, despreocupado, também se despe, mas eis que quando vai entrar na cama encontra a tal folha. Um oh! de espanto que ele não pode conter lhe sai dos lábios; pega no papel olha-o, vira-o e revira-o e, por fim, descobrindo que há nele qualquer coisa escrita, arregala os olhos e lê: “... e se você morresse durante a noite”... D. Bosco.

D. Bosco! Exclama ele; mas D. Bosco é um santo... Ele conhece o futuro... Talvez aconteça isso mesmo! E se eu morresse durante a noite? ' Mas eu não quero morrer, não: quero viver, quero viver e... Enquanto isso, para que os companheiros não reparem, ele se deita, cobre-se e cheio de coragem, tenta pegar no sono. Qual nada! Adormecer naquele estado? Com aquelas palavras que o atormentavam como se fossem espinhos agudos? É impossível! Ele vira e revira na cama, fecha os olhos com força, mas... tudo inútil; ouve sem cessar, cada vez mais vivo, cada vez mais forte, o som daquelas palavras; ele imagina, como se visse o inferno aberto e Jesus que o condena, e diz: "Pobre de mim! E se eu morresse mesmo?..." Um arrepio gelado corre-lhe pela espinha, ele sua frio...

— Ah, não — exclama, — eu não quero ir para o inferno, eu quero me confessar...
Invoca a proteção de Maria Auxiliadora, do seu Anjo da Guarda e depois, decidido, veste-se, sai devagarzinho, desce a escada, atravessa corredores, sobe para o quarto de D. Bosco e bate na porta.
D. Bosco, que, como bom padre o esperava, abre a porta e:
— Quem é você?... A estas horas?... O que é que você quer?  
— Oh! D. Bosco, eu quero confessar-me!
— À vontade! se você soubesse com que ansiedade eu o esperei!
 
Introduzido na antecâmara, o rapaz cai de joelhos e, depois de feita a confissão, com o perdão de Jesus volta feliz e tranqüilo para a cama. E já não tem medo! O pensamento da morte já não o assusta e ele diz: “Como estou contente! Mesmo que eu tenha que morrer que importa se eu recuperei a graça, se eu tornei a ser amigo de Jesus”! Adormece serenamente e sonha... vê o céu aberto, os Anjos jubilosos que voam levíssimos, entoando os cânticos mais lindos, os mais belos hinos! Que rapaz de sorte!

M. — De sorte são todos aqueles que acreditam no grande bem da confissão e se servem dela, impedindo assim a própria perdição; enquanto que é bem diferente o caso da infeliz de quem lhe vou falar. São Leonardo de Porto Maurício, acode à cabeceira de uma moribunda, acompanhado por um frade leigo. Depois de confessada a doente, o padre sai sossegado, e, reunindo-se ao companheiro que o esperava no quarto vizinho, apronta-se para sair, quando este, muito triste e assustado lhe diz:
— "Padre Leonardo, o quê significa aquilo que eu vi?"
— O que é que você viu?

— Eu vi uma mão horrendamente negra que vagava pela antecâmara; e, assim que o senhor saiu ela entrou, rápida como um raio, no quarto da doente.
Diante de tal história São Leonardo volta para trás, torna a entrar no quarto e oh! que cena terrível. Aquela mão negra estrangulava aquela desgraçada que, com olhos fora das órbitas, e a língua caída, morria gritando: “Malditos sejam os sacrilégios... Malditos sejam os sacrilégios...”

D. — Oh, Padre, então é mesmo verdade que as confissões mal feitas são a causa principal da perdição!
M. — Por conseguinte, guerra à mentira e sinceridade absoluta na confissão.

2. O funestíssimo “por quê”

D. — Diga-me, Padre; qual será o primeiro “por quê” de tantas confissões mal feitas?
M. — Os “por quês” podem ser diversos, mas o principal é sem dúvida “o medo”, ou seja a maldita vergonha pela qual o demônio fecha a boca de muitos, fazendo-os calar ou confessar mal certos pecados ou o número deles. Você sabe como é que o demônio age quando quer induzir alguém ao pecado? Cerca o infeliz de mil maneiras, vai-lhe sugerindo:

“— Ora, cometa à vontade esse pecado... Afinal não é assim tão grave. Deus é bom... Ele não o quer castigar... Depois, com uma confissão Ele o perdoa e esta tudo acabado..." E assim, batendo hoje, batendo amanhã, e sempre na mesma tecla, o demônio acaba triunfando, ou seja fazendo cometer e talvez até repetir os pecados. Depois, então, quando o coitado, roído pelo remorso, resolve confessar-se, o demônio muda de tática. Novamente trata de impedir que Deus tome conta dessa alma, dizendo:

— “Como ousas confessar esse pecado? O confessor ficará surpreendido, há de ralhar contigo, levá-lo-á a mal e é provável que te negue a absolvição. Ora, vamos, não temas, confessar-te-ás depois... Há tempo de sobra... Há sempre tempo para isso.
— E assim o mais das vezes fecha a boca de quem estaria quase resolvido a falar e induz os pobres infelizes a se calarem e a cometerem
“Como ousas confessar esse pecado?”

D. — É esta mesmo a tática do demônio?
M. — Certamente! Ele mesmo o confessou a Santo Antonino, arcebispo de Florença. Um dia, tendo o santo visto o demônio junto do confessionário, perguntou-lhe:

— O quê fazes aí?
— Estou esperando para fazer a restituição.
— Qual restituição? Fala, ou ai de ti.
 Venho restituir aos pecadores a vergonha e o medo que lhes roubei quando os fiz cometer os pecados. .

D. — Se não me engano, parece-me que li que D. Bosco também viu o demônio em circunstâncias análogas.
M. — Justamente! E ouça como foi:
Certa noite, estava o santo confessando no coro da Igreja de São Francisco de Sales em Turim; era grande o número de jovens ali reunidos, esperando que chegasse a sua vez. Pelo confessionário passam dez, passam vinte, e chega finalmente um que, tendo já feito uma parte da confissão, pára de repente.

— Continue, diz-lhe D. Bosco, que por inspiração divina lia na consciência dos seus filhos.
— Continue! E o resto?
— Não há mais nada, Padre, mais nada!
Não temas, meu filho, continua o Santo, o Confessor não ralha, não castiga, perdoa sempre, perdoa sempre, perdoa tudo em nome de Deus; tem coragem... confessa-te bem...
— Não há mais nada! Nada mais!...
— Mas por que, meu filho, queres, com uma confissão sacrílega, dar prazer ao demônio... causar tristeza a Jesus, fazê-lo chorar?
— Garanto-lhe Padre, que não tenho mais nada a dizer!

D. Bosco que vê o perigo que o infeliz jovem corre, inspirado por Deus, abandona a luta inútil e diz:
— Pois bem, olha quem está atrás de ti!
O rapaz vira-se de repente, solta um grito agudo e, agarrando-se ao pescoço de D. Bosco exclama:
— Sim Padre, eu tenho mais este pecado...
E conta o pecado que não ousava confessar... Os companheiros que estavam na igreja ouviram o grito; assim que saíram, cercaram o rapaz, e, curiosos, queriam saber o que tinha acontecido. E ele sorrindo, apesar de estar ainda um tanto assustado:
Se vocês soubessem... Eu tinha cometido uma falta que não ousava confessar.D. Bosco leu meu coração... e eu vi o demônio que, sob a figura de um gorila de olhos de fogo e garras afiadas, estava pronto para me agarrar!

D. — D. Bosco era um Santo! Que sorte confessar com um Santo; não é, Padre?
M. — Todos os confessores representam Jesus Cristo e Jesus Cristo é sempre Santo; Ele tudo sabe, Ele vê tudo, tem pena de todos, perdoa tudo!

D. — Mas mesmo assim o demônio procura enganar e trair nas confissões?
M. — Justamente; em todas as ocasiões. Assim como o lobo agarra as ovelhas pela garganta para que não gritem, e as carrega e as devora, assim também faz o demônio com certas almas; agarra-as pela garganta afim de que não confessem os pecados e as arrasta miseravelmente para o inferno.

D. — Que espertalhão malvado! Mas haverá quem, depois de enganado uma vez, se deixe levar por esse impostor?
M. — Há muitos, muitíssimos, infelizmente! Ai daquele que começa a seguir por esse caminho! São geralmente os que cometem pecados contra a pureza que enveredam por tal caminho!
Geralmente não há dificuldade em confessar os pecados contra a fé, os pecados de blasfêmias, os de profanação dos dias festivos, os de desobediência, de vingança e mesmo os de furto; mas quando se trata de acusar pecados de impureza, ou ter que acrescentar certas circunstâncias que os acompanharam, ou ainda quando se trata de dizer o número bastante considerável dessas faltas, então uma maldita vergonha surge e fecha sacrilegamente a boca do penitente.

De mais a mais, a confissão sacrílega geralmente não fica sozinha. Depois de uma vem outras e assim essas almas infelizes continuam durante anos e anos, e além disso acrescentam a essas confissões mal feitas outras tantas Comunhões sacrílegas. E não raro, acontece que aqueles que, tendo começado a esconder pecados graves desde as primeiras confissões, chegam a uma idade avançada sem nunca fazerem uma boa confissão e sem nunca repararem a desordem de suas almas.

É inacreditável, nota o Padre da Bérgamo, é inacreditável como o medo e a vergonha são comuns principalmente entre os moços. Daí vem o hábito de continuar a calar os pecados para não sofrer a humilhação, o sacrifício de confessá-los. S. Leonardo afirma ter tido a seus pés pessoas que, mesmo em perigo de morte não puderam vencer a vergonha que lhes fechava a boca.
S. Afonso recomenda aos padres que falem freqüentemente nos seus sermões com calor, com insistência, sobre esse perigo da vergonha que faz calar e insiste para que façam ver ao povo como as confissões mal feitas arruínam as almas, porque essa praga das confissões sacrílegas reina por toda a parte, principalmente nos lugarejos. E, como é comum que fatos e exemplos impressionem o povo, sugere aos padres que contem muitos exemplos de almas que se perderam por causa de pecados não confessados.

D. — Conte alguns, Padre!
M. — Com muito prazer!
Conta-se que uma menina de sete anos tinha tido a infelicidade de cometer certos atos impuros. Envergonhada, não ousou confessá-los na ocasião e nem mais tarde. Tendo adoecido gravemente, chamou o confessor, recebeu o Santo Viático, a Extrema-Unção e morreu! Todos, mãe, irmãs, e amigas lamentaram a sua perda, mas era para elas um conforto julgá-la salva e santa.
Porém, três dias depois do enterro, quando o Sacerdote se aproximava do altar para celebrar em sufrágio de sua alma, sentiu que o seguravam pelo braço, e uma voz triste e comovente lhe dizia baixinho:
— Padre, não reze por mim porque eu estou condenada! Condenada por certos pecados que ocultei na confissão desde os sete anos.

Uma outra menina de 13 anos na ocasião da Páscoa tinha comungado junto com as companheiras: mas eis que, logo depois de recebida a santa partícula tem um estremecimento, contorce-se e cai por terra. Os presentes acodem assustados e a carregam para uma casa vizinha. Acabada a função, o Vigário se apressa a correr à cabeceira da menina que continua a delirar e debater-se; chama-a pelo nome e diz-lhe:

— Coragem, confia tudo a Jesus, àquele Jesus que recebeste na Comunhão! Ouvindo essas palavras, ela arregala os olhos e, horrorizada exclama:
— A Jesus?!... A Jesus?! Ah não! Eu o recebi mal, eu cometi um sacrilégio escondendo certos pecados na confissão.
— E, continuando a debater-se, expira pouco depois diante dos presentes comovidos e penalizados.

M. — O quê me diz desses exemplos?
D. — Digo que são terríveis e bastante para demonstrar como é grande o mal das confissões mal feitas.

M. — Não estranhe, portanto a nossa insistência sobre a sinceridade requerida para as confissões. Eu, que, desde os primeiros anos de Sacerdócio, por graça de Deus, tive a sorte de começar a catequizar e a pregar para jovens e adultos e continuo ainda hoje a exercitar-me nesta obra consoladora e frutuosíssima, nunca perdi o hábito de falar freqüentemente sobre a necessidade da confissão sincera e posso dizer que nunca me arrependi.
Ah! quantos jovens e adultos eu consolei, reconduzi ao bom caminho; quantos eu salvei nos Exercícios Espirituais, nas Missões e mesmo nas simples conferências e palestras!
D. — Tem razão, Padre; de fato, nenhum sermão é ouvido de tão boa vontade como os que versam sobre a confissão.


3. Ai daquele que começa.


D. — Padre, se é assim tão fácil encontrar quem se deixe enganar pelo demônio e se cala, renovando o sacrilégio na confissão por quê é que os sacerdotes e os confessores não indagam, não interrogam os penitentes para impedir as confissões mal feitas?
M. — Coitados dos sacerdotes e dos confessores! Infelizmente eles sabem e vêm que algumas almas deixam muito a desejar, mas em geral receiam ser indiscretos interrogando e esclarecendo certas coisas. Até pelo contrário, com certas pessoas, não ousamos, parece-nos imprudência interrogar.
Um pai ou uma mãe gostam de fazer sempre bom juízo dos seus filhos, e ficam penalizados quando têm que duvidar da sua conduta, da sua sinceridade, da sua inocência. Do mesmo modo sente o pobre sacerdote no que diz respeito aos próprios filhos espirituais e penitentes.

D. — E então?
M. — E então, continua-se em tal vida até que Deus intervenha com a sua mão providencial.
Eis porque por ocasião dos Exercícios Espirituais, das Missões, da Páscoa e de outras tantas festividades do mesmo gênero encontram-se muitas almas, as quais, tendo tido a desgraça enorme de calar uma vez certos pecados na confissão e continuaram depois com sacrilégios durante anos e anos até o dia em que, tocados por graça especial, podem finalmente abrir os olhos e tranqüilizar a consciência por tanto tempo torturada pelo remorso.

Pregavam-se os Exercícios em uma paróquia do Piemonte. Havia já alguns dias que tinham começado as confissões e desde o princípio eu notara uma pessoa de aspecto triste e indizivelmente constrangida que rondava o confessionário. Não fazia, porém, muito caso disso, quando eis que uma noite ela caiu aos meus pés e disse:
— Padre, ajudai-me; eu sou uma infeliz. Há quinze anos que eu me confesso mal; só fui capaz de cometer sacrilégios... e desatou em pranto.
— Pois bem, cria coragem, eu respondi, Deus será misericordioso; para a senhora também Jesus será infinitamente bom. Diga-me: quantos anos tem? Como é que enveredou por esse caminho?

— Tenho vinte e sete anos; quando tinha doze apenas, por causa de uma curiosidade ilícita eu cometi um pecado que não ousei confessar. Com tal sacrilégio, aproximei-me da mesa da Comunhão e, desde aquele dia até hoje os pecados e sacrilégios sucederam-se uns aos outros. Rezei muito, chorei muito, fiz romarias mas tudo em vão! Confessava-me todos os meses e até com mais freqüência por ocasião dos Exercícios Espirituais; repetia as confissões gerais mas esses pecados eu sempre os escondi, por pura vergonha.

— E a senhora estava satisfeita com as suas Confissões: Comungava tranquilamente?
— Oh, Padre! se soubésseis como os remorsos amargos atormentavam o meu coração, cravando-se nele como espinhos agudos!
— Mas então por quê continuava sempre do mesmo modo?
Porque fui uma tola, eis tudo... Um medo indizível das reprimendas do confessor fechava-me a boca e um exagerado respeito humano das minhas companheiras arrastava-me para a Comunhão nesse estado.
— Há quanto tempo confessou-se pela ultima vez?
— Ah! Padre! confessei-me já três vezes durante esta Missão, com três confessores diferentes, sempre com o firme propósito de acabar com isto de uma vez por todas e dizer tudo. Mas, chegando ao ponto terrível, sentia um nó cruel que me apertava a garganta e assim calava-me.
— E agora, como conseguiu manifestar-se?
— Padre, o vosso sermão de hoje sobre a necessidade absoluta da confissão bem feita, aquelas palavras tantas vezes repetidas “experimentem e verão o quanto Jesus é bom”, comoveram-me e foi então que decidi falar, custasse o que custasse.

Ajudada pelo confessor ela fez uma confissão geral das mais consoladoras, tendo recebido a absolvição, não parava de repetir:
— Agora chega, Padre, chega de pecados e sacrilégios. Direi a todos que experimentei e que vi como Jesus é bom!...

D. — São fatos que consolam, não é Padre?... E ainda bem que reconhecem suas faltas!
M. — Mas quantos não as reconhecem mesmo em ponto de morte! É uma coisa muito triste, mas infelizmente verdadeira; não raro há moribundos que às portas da morte,teimam em esconder os pecados não confessados ou mal confessados desde a juventude, nesse estado deplorável passam para a eternidade.
 
“Tirem da minha frente este Cristo, não preciso dele!”

D. — Coitados!
M. — Pode chamá-los desgraçados! Ai de quem começa.

D. — Mas a misericórdia infinita de Deus não vem em auxílio?
M. — Você pode supor que Deus queira sempre, na hora da morte, usar de misericórdia com quem durante toda a vida abusando dessa misericórdia, injuriou-O com sacrilégios? E além disso na maioria dos casos, nem invocam essa misericórdia; pelo contrário, muitas vezes a desprezam. Aqui também quero persuadi-lo com fatos.

O Padre dal Rio conta que uma jovem empregada se confessava freqüentemente, pois que a patroa exigia, mas por vergonha e teimosia calava os pecados desonestos. Uma ocasião ela caiu gravemente enferma; sempre por causa da solicitude da patroa, confessou-se, e mais de uma vez, sacrílegamente. Depois que a curaram com muitos cuidados, chegava até a caçoar com as amigas pondo em ridículo o zelo da patroa e do confessor para induzi-la a fazer uma boa confissão.
Tendo adoecido pela segunda vez e mais gravemente do que da primeira, a patroa tornou a chamar o sacerdote o qual acudiu com presteza. Com toda a piedade e paciência que Deus concede em casos análogos, o padre procurou induzir a infeliz a uma sincera e dolorosa confissão. Mas tudo em vão! Sempre teimosa, perseverou durante a longa agonia no propósito de se esquivar e de se calar, recusando-se até a repetir a jaculatória e as invocações sugeridas pelo confessor; mostrava-se aborrecida com tudo aquilo e com a presença do Padre.

E, quando por fim vendo que chegava o momento da morte, o sacerdote lhe pediu que beijasse o crucifixo, ela com um esforço supremo o afastou com maus modos e olhando-o com desprezo disse:
—Tirem da minha frente este Cristo, não preciso dele!
— E voltou-se para o outro lado; assim com um suspiro horrível expirou aquela alma impenitente e sacrílega. Ai daquele que começa!

O Padre Agostinho de Fusignano conta-nos um fato análogo, que se deu na sua presença. Uma mulher infeliz escondia na confissão os pecados mais graves. Apesar dos sermões ouvidos contra essa vergonha sacrílega, apesar das mais amorosas exortações, apesar do mais agudo remorso da consciência ela não soube aproveitá-los. Cansada a misericórdia de Deus de esperar, feriu-a com uma doença violenta que a pos em ponto de morte. O confessor foi chamado prontamente, mas a infeliz assim que o viu, exclamou:
— Padre, chegastes a tempo para ver uma mentirosa penitente ir para o inferno. Eu me confessava com freqüência, mas deixava sempre os pecados mais graves.
— Pois bem, confesse-os agora, respondeu o confessor.
— Não posso, não posso, gritou desesperada a infeliz. O tempo da misericórdia já passou; é chegado o momento da justiça!

E, delirando e contorcendo-se raivosamente, expirou, deixando em todos os presentes a mais triste e horrível impressão. Aqui também não será demais repetir: Ai daquele que começa!

Santo Afonso conta o caso de um senhor cuja conduta era aparentemente boa; fazia, porém, más confissões. Tendo adoecido gravemente, foi visitado pelo Vigário o qual suplicou-lhe que recebesse os sacramentos pois estava em perigo de vida. Mas o enfermo recusava-se a confessar.
— E por que meu caro senhor não quer confessar-se? Ah! respondeu o doente, é porque estou condenado! E Deus, para castigar os meus sacrilégios, tira-me a vontade e a força de repará-los.
Dito isto, começou a morder a língua, a debater-se desesperadamente, gritando:“Maldita língua, maldito silêncio, malditos sacrilégios”. Não foi possível convencê-lo, até que miseravelmente morreu.

D. — Chega Padre! São coisas que arrepiam a gente. Eu por mim não quero cometer sacrilégios.
M. — Mantenha essa santa resolução. Por que deixar-se dominar pelo demônio mudo, pisar o Sangue de Jesus Cristo, mudar o remédio em veneno e obrigá-lo a nos condenar, quando pelo contrário, Ele quer a nossa salvação?

Parte III.
O demônio mudo

D. — Padre, o senhor há pouco falou no “demônio mudo”; o quê vem a ser esse demônio mudo?
M. — É o demônio da impureza ou desonestidade. O próprio Jesus chama-o assim no Santo Evangelho.

D. — Mas o que é essa impureza ou desonestidade?
M. — São todos os pecados proibidos pelo sexto e nono mandamentos, isto é, as más ações, os maus olhares, os maus desejos e as infidelidades e malícias no matrimônio.

D. — Então a impureza é um pecado muito grave?
M. — É um pecado gravíssimo e abominável diante de Deus e dos homens.Abaixa os que o cometem às condições dos brutos, é causa de muitos pecados e provoca os maiores e terríveis castigos nesta e na outra vida.
A Sagrada Escritura chama os pecados de impureza pelos nomes mais baixos: “crime péssimo, coisa detestável, horrível infâmia sem nome”. São Paulo então, diz claramente:"Neque molles, neque fornicarii, neque adulteri... regnum Dei possidebunt".

"Vida desonesta, morte impenitente".

Isto quer dizer que nem os moles, que pecam sozinhos; nem os devassos; nem os adúlteros, que são infiéis no matrimônio, possuirão o reino de Deus!

D. — Pobres de nós! Devemos então estar sempre alerta.
M. — Certamente! Os santos Padres são todos da mesma opinião quando dizem que a impureza é o pecado que atrai maior número de almas para o inferno.

D. — Devéras?
M. — É isso mesmo! Santo Agostinho afirma que, assim como a soberba populou o inferno de anjos, a desonestidade enche-o de homens; e Santo Afonso acrescenta que todos os cristãos que são condenados, o são por causa da desonestidade, ou pelo menos, nunca sem ela.


D. — E qual será o motivo disso?
M. — Os motivos são especialmente dois:
1.° As desonestidades são pecados fáceis de cometer.
2.° Uma vez cometidos tais pecados, é difícil emendar-se.

D. — Por quê são pecados bastante fáceis de cometer?
M. — Porque não devemos crer que os pecados de desonestidade consistem unicamente nas fornicações, nos adultérios e outros tantos pecados nefandos; esses são excessos. Para se pecar mortalmente contra a pureza bastam os olhares lascivos, as leituras obscenas, as canções impudicas, os gestos e as conversas maliciosas, os namoros licenciosos, e até os pensamentos e complacências íntimos e os desejos impuros quando consentimos neles livremente.

D. — E por quê são os mais difíceis para corrigir?
M. — Porque, infelizmente, um pecado chama outro, até que, pouco a pouco forma-se uma cadeia que depois não conseguimos mais romper. Neste caso também, ai daquele que começa!

D. — Será possível! Mas a confissão não serve de nada? Não consegue romper a cadeia?
M. — A confissão é sempre um meio poderosíssimo, quando bem feita; é aqui no entanto que está o engano; aqui está toda a força do demônio mudo; ele fecha a boca como já vimos, e não permite que se confessem bem esses pecados.

D. — Oh! Mas se, se confessarem bem todas as vezes não prosseguiriam no caminho da desonestidade, não é mesmo, Padre? A confissão seria mais forte do que eles.
M. — Justamente. O demônio mudo gosta das trevas, a confissão traz a luz, e a luz afugenta os pecados.

D. — Então, a misericórdia de Deus abandona o pecador desonesto?
M. — Não é Deus que abandona o desonesto, mas o desonesto que abandona a Deus, não se importando mais com Ele, ou pior ainda, desprezando-O como vimos no capítulo precedente. Portanto a desonestidade é chamada a mãe da impenitência final e os Santos dizem: "Vida desonesta, morte impenitente".

D. — E por que é a mãe da impenitência final?
M. — Porque na hora da morte, geralmente esse pecado não se confessa. Os pecadores não estão dispostos a confessar e a apagar o pecado com o devido arrependimento.

D. — Mesmo em ponto de morte?
M. — Sim, até em ponto de morte! E resignam-se a perder a Paraíso e ir para o inferno.

Lutero era um frade agostiniano: por um amor impuro deixou o convento, rebelou-se contra a Igreja, fundou o protestantismo e entregou-se a uma vida escandalosa.Uma noite estava ele no terraço de um hotel ao lado de Catarina Bora sua companheira de pecado. A temperatura era suave, o céu estava lindo e milhares de estrelas brilhavam no firmamento. Catarina, cansada talvez daquela vida de remorso, voltou-se de repente para Lutero e lhe disse:
— “Olha Martinho, como é lindo o céu!”
Aquelas palavras, Martinho exclamou com um suspiro profundo:
— Sim, Catarina, o céu é lindo, mas não é mais para nós!

O infeliz sentia que ia perder o Paraíso, mas se confessava incapaz de ressurgir e morria pouco depois naquele mesmo hotel, dando mostras do mais terrível desespero. “Vida desonesta, morte impenitente”.


***

Teodoro Beza, sucessor de Calvino e chefe da reforma protestante, atingido por uma enfermidade mortal, foi visitado por São Francisco de Sales. Este com o seu zelo ardente tentou todos os meios possíveis para induzi-lo a abjurar o erro, voltar para o seio da Igreja Católica, e preparar-se para uma morte cristã. “Impossível” repetia, suspirando, o doente de quando em quando "impossível". Por fim, como o Santo insistia para saber o porquê daquela palavra “impossível”, Teodoro com esforço, apoiou-se num cotovelo, puxou uma cortina que fechava uma alcova, e, mostrando uma mulher ali escondida: Eis aí, exclamou, a razão da impossibilidade de me converter e de me salvar!
Preferiu a morte e o inferno, mas não deixou o pecado. Aqui também: “Vida desonesta, morte impenitente.”

***

Na cidade de Spoleto, vivia uma jovem dissoluta, cuja existência era unicamente dedicada à vaidade e aos bailes. Aconselhada mais de uma vez a corrigir-se desprezava com soberba os avisos e fazia pouco caso deles.
Sua própria mãe, orgulhosa da beleza e do brio da filha, sentia imenso prazer em vê­la cortejada por um bom número de amantes, e deixava as coisas correrem na esperança de encontrar um bom partido; de mais a mais acreditava que, passado o ardor da mocidade, ela acabaria sossegando.
Oh, mães cegas e imprudentes, que não só não se preocupam, mas ainda traem suas filhas, quando não são elas próprias que as arrastam à desonra e à ruína!

E o que aconteceu?
A infeliz moça caiu gravemente enferma. Pessoas sérias e respeitáveis da vizinhança aconselharam-na a chamar o sacerdote, a receber os sacramentos, preparar-se para a morte, enfim. Mas a pobre teimava:
— “Qual, repetia, é impossível, que eu tão moça e bela, morra; eu não devo, não devo morrer!” Por fim, veio o Sacerdote; este por sua vez suplicava-lhe que tivesse juízo, que rezasse a Maria Santíssima porque a morte poderia surpreendê-la.

Qual morte, qual nada! Eu devo é viver! Eu não posso, não quero morrer!
Como a insistência aumentasse, por fim, percebendo que as forças começavam a faltar-lhe, com um esforço supremo, exclamou com ira:
— “Pois bem, se assim, se é que eu vou mesmo morrer, vem tu, Satanás, e toma a minha alma ti!” E, cobrindo o rosto com o lençol, entregou no demônio a alma desesperada.“Vida desonesta, morte impenitente”.

Ouça mais este exemplo, que o encherá de pavor:

Um cavalheiro vivia com uma moça de maus costumes. Aos que o aconselhavam abandoná-la ele respondia sempre com um desdenhoso “não posso”. Mas a morte chegou para desuní-los.
O infeliz cavalheiro adoeceu gravemente, e, como estava nas últimas, chamaram um sacerdote para prepará-lo para dar o passo terrível. Tão caridoso e paciente foi o padre que o enfermo, humildemente, respondeu:

— Com prazer! Apesar de ter levado uma vida má, desejo ter uma boa morte com uma santa confissão.
— O senhor quererá receber também os Sacramentos como um bom cristão?
— É com prazer que os receberei, se vos dignardes de mos administrar.
— Mas isto não será possível se o senhor não despedir primeiro aquela moça.
— Ah, isso, Padre, eu não posso fazer.
— E por que não pode? Pode e deve fazê-lo, meu caro senhor, se quiser salvar-se.
— Mas eu repito não posso!
— Mas o senhor não vê que, com a morte, tão próxima, será obrigado a deixá-la por força?
— Não posso, Padre, não posso!
— Mas assim, eu não o absolvo, não lhe administro os Sacramentos e o senhor perderá o paraíso, será precipitado no inferno!
— Não posso!
— Será possível que eu não posso obter do senhor outra palavra? Pense na sua honra, na sua estima se morrer excomungado.
— Não posso, repetiu o infeliz pela última vez. E, agarrando a moça por um braço, puxou-a para si apertando-a com força ao peito, e assim, nos braços daquela mulher indigna, expirou.

D. — São tremendos, mas justos os castigos de Deus. Será possível, Padre, que não se pode mesmo abandonar o pecado?
M. — Na maioria dos casos, não se quer abandoná-lo, eis tudo!
Santo Agostinho conta que um certo homem, não ouvia nem os conselhos nem as súplicas dos que procuravam convencê-lo a abandonar uma casa que freqüentava com grande escândalo. Não quis saber de nada, dizendo que absolutamente não podia. Aconteceu que um dia, naquela mesma casa lhe deram uma carga de pauladas das mais respeitáveis.
Acredite que ele abandonou no mesmo instante a casa: a impossibilidade toda desapareceu. “Quod non fecit Dominus” acrescenta o Santo “fecit baculus”: aquilo que Deus e o amor da alma não conseguiram, conseguiu-o a bengala.

Parte IV.
As terríveis conseqüências do pecado

D. — Padre, o senhor disse também que a desonestidade é o pecado que traz conseqüências horríveis?
M. — Infelizmente assim é! As desonestidades tiram as forças de qualquer obra generosa. Sansão, o mais forte dos homens, porque Deus o dotara de uma força extraordinária, deu-se a um amor impuro e tornou-se o joguete de Dalila, companheira dos seus pecados; por três vezes ela o traiu e o vendeu aos seus inimigos.

As desonestidades idiotizam a mente. Salomão, o mais sábio de todos os reis, perde-­se junto das mulheres amalecitas e, abandonando o seu Deus, dá-se à idolatria.

As desonestidades viciam o coração de Henrique VIII, o mais cristão dos reis, tendo-se apaixonado por Ana Bolena, repudia a rainha sua esposa, abandona a Igreja Católica, faz da Inglaterra uma nação protestante, e morre excomungado pelo Papa. 

As desonestidades fazem perder a fé. Se grande número de cristão não crêem, não têm fé, é por causa das desonestidades. De fato quando é que a juventude começa a deixar a oração, a desertar a Igreja, a abandonar os Sacramentos? Justamente quando começa a freqüentar as más companhias, quando se junta às más conversas, às impurezas. Não faz muito tempo, encontrei-me com um médico meu conhecido e o repreendi docemente porque não praticava a religião. “Faça com que eu me case, respondeu, e tornarei a ser católico praticante”. E o que me confessava era verdade: se não tinha fé era por causa das desonestidades.

As desonestidades são a causa dos crimes mais hediondos. As desonestidades estragam a saúde, diminuem as forças, encurtam a vida. A existência de tantos moços fracos, de tantas doenças, de tantas velhices precoces, a multiplicação de hospitais para os débeis, para os raquíticos, para os dementes, para os abandonados, aí estão para atestar quantos danos causam as desonestidades, mesmo à saúde.

Na América do Sul e na Guiana existe um animal chamado vampiro, que suga o sangue dos homens enquanto estão adormecidos, e quando está satisfeito, foge, deixando a veia aberta, o que freqüentemente causa a morte. Pois bem, as desonestidades sugam o sangue, diminuem as forças, gastam a vida de quem se torna escravo delas. A desonestidade é parecida com a chama de uma vela; ou bem apagamos a chama, isto é desistimos do vício, ou bem acabamos a vela, isto é extinguimos a própria vida. Mas quantos há que não querem acreditar e perdem a juventude, perdem a saúde, a alegria e a paz para ir ao encontro de uma morte precoce e desonrosa! Pensam que vão colher e gozar o perfume das rosas, quando, na verdade não traem senão espinhos venenosos.

E, por falar em rosas, ouça um fato histórico que agora vem ao caso.

Heliogábalo, imperador romano, suspeitando de uma traição dos seus generais e cortesãos, pensou em preveni-los e puni-los de um modo terrível. Feito no maior segredo os preparativos, convidou-os todos para um suntuoso banquete. Ao fim da festa, quando mais expansiva é a alegria, quando as músicas tocam as notas mais alegres, eis que surge a grande surpresa!... Abre-se o teto da grande sala, o, do alto começa cair uma chuva, leve, de rosas lindas, frescas e perfumadas. Diante dessa novidade o prazer chega ao auge, transforma-se em delírio; todos se levantam gritando: "Viva Heliogábalo! Viva o imperador!" E deliciam­se com as rosas: pegam-nas e adornam-se com elas: as palmas e os vivas multiplicam-se.

Enquanto isso, o imperador sai sem ser visto. Abrem-se hermeticamente as portas e a chuva continua, aumenta, torna-se copiosa, tão forte que chega a cobrir as mesas e os convivas perdem os sentidos por causa do perfume asfixiante. Procuram uma saída, mas as portas estão fechadas e as janelas altíssimas protegidas por grades de ferro. Tarde demais descobrem o engano, e morrem todos sufocados pelo perfume e o peso daquelas rosas belíssimas.

D. — Padre, é essa a triste história daqueles que se dão aos prazeres da impureza?
M. — Precisamente! Infeliz da juventude que, enganada pelo perfume lascivo e sedutor de tais rosas, passa os anos mais belos gritando: amor, amor. O amor, ou seja, o vício, transformar-se-á bem cedo em veneno que castiga terrivelmente.

Eu mesmo conheci um jovem forte e sadio, bem disposto, que, dando-se a esse vício aos 17 anos, morreu de uma morte raivosa e convulsa, que despertou pavor em todos os que rodeavam. O seu cadáver tomou um aspecto tão disforme, a sua fisionomia tornou-se tão horrenda, que os próprios parentes não tinham coragem de fita-lo; os poucos que puderam entrar no quarto afirmaram nunca terem visto uma coisa tão assustadora e horrorosa.

Um outro rapaz, que pecava por desonestidade, morreu, e do seu corpo, horrivelmente inchado, emanava um mal cheiro tal que foram obrigados a tirá-lo da casa antes do tempo. Nem os companheiros mais corajosos conseguiram levá-lo ao cemitério por causa do cheiro nauseabundo, e foi preciso carregá-lo numa carroça puxada por um jumento. O quarto onde morreu teve que ser desinfetado por muitas vezes antes que se pudesse tornar habitável.

Conta-se também o caso de uma moça habituada a atos impuros, que, depois de uma morte aparentemente cristã, foi vestida de branco pela mãe e pelas irmãs. Enfeitaram-na com flores e estenderam-na na cama com um crucifixo nas mãos, afim de que, segundo o costume, as amigas pudessem vê-la pela última vez e orar por ela.

Mas oh, prodígio! O Crucifixo saiu do lugar, e, por mais que o tornassem a pôr nas mãos da morta, por mais que procurassem fazê-lo parar, tudo foi inútil: achavam-no sempre jogado na cama. Jesus não queria ficar naquelas mãos que tinham servido para o pecado.

D. — O Senhor conta coisas cada vez mais horripilantes! Mas então não haverá mesmo saída para quem teve a infelicidade de enveredar por asse caminho?
M. — Sim, há um modo de reconhecer suas faltas e emendar-se e isto consiste em:
1.° — Uma vontade firme.
2.° — Eliminar e afugentar as ocasiões.
3.° — Praticar os Sacramentos. É sobretudo numa vontade firme que isto consiste.

Santo Agostinho levou uma vida de libertino até aos trinta anos, mas quando abriu os olhos, sentiu tamanha vergonha que se converteu, abandonou os prazeres e as loucuras da mocidade, se tornou sacerdote, bispo, Santo, e célebre doutor da Igreja.

O mesmo aconteceu a Santo Inácio de Loiola, que com trinta anos se aborreceu da vida até então tida: e com uma vontade resoluta foi correndo bater à porta de um convento, onde fez duras penitências; lavou as culpas passadas, e fundou a Ordem dos Jesuítas, de quem é glória e orgulho.

São Camilo de Lelis, da nobre família dos “Abbruzzi” muito jovem também se entrega aos divertimentos e aos prazeres mundanos, mas aos vinte e cinco anos toma o hábito e consagra a Deus e a Maria Santíssima a sua vida, em favor dos doentes e dos moribundos.

O quê diremos então de uma Madalena Penitente? De uma Pelágia, de uma Santa Margarida de Cartona, que de vasos de corrupção e de escândalo, transformaram-se em lírios celestes? A vontade resoluta foi suficiente para salvá-las.
Em segundo lugar, eliminar e afugentar as ocasiões. Aqui também os Santos nos ensinam.

Santo Tomás de Aquino, jovem elegante de família nobre, é fechado numa torre e ali é tentado por uma mulher infame. Não tendo outro meio de se livrar dela, pega no fogão um tição ardente e brandindo-o grita: “Saia, saia, ou eu a queimo”, consegue assim a fuga da tentadora sem escrúpulos.

São Francisco de Sales era também nobre e elegante. Quando aos dezoito anos estudava em Pádua, certa ocasião, uma moça dessas não muito sérias, aventurou-se a abraçá­lo maliciosamente. Quê fez então? Cuspiu na cara da impudica, dizendo-lhe: "Afasta-te missionária de Satanás".

O moço Dióscoro, depois de vencer todas as insídias dos inimigos de sua fé, foi amarrado numa cama de rosas, na impossibilidade completa de se livrar de quem o queria induzir a pecar. Recomendou-se a Deus, e, cortando a língua com os dentes, cuspiu no rosto da tentadora miserável que borrifada pelo sangue de um mártir, fugiu horrorizada, chorou e se converteu.

D. — Mas todos esses, Padre, eram Santos!...
M. — Naquele tempo ainda não o eram; tornaram-se santos depois de agirem como agiram. Todavia mesmo sem ser santos podemos e devemos ser corajosos: basta ser cristão: Ouve isto:

Uma jovem que eu conheço, devolveu em envelope fechado um cartão a um soldado libertino, dizendo-lhe: “Isso é indigno de mim como cristã e indigno de ti, como soldado”. Outra moça, em resposta a certas cartas libertinas do noivo, escreveu-lhe: “Nunca me casarei com um homem desonesto! Desde hoje, está tudo acabado entre nós dois”.

O amor, ou seja, o vício, tansformar-se-á bem cedo em veneno que castiga terrivelmente.
Não fez muito tempo que, em Turim, no aperto da plataforma de um bonde, um “almofadinha”, lascivo tomou certas liberdades com uma mocinha direita. A moça virou-se desdenhosa e, sem mais, aplicou-lhe no rosto uma valente bofetada, dizendo bem alto:
Deseja saber a razão disso?
— Muito obrigado, não é preciso, responde o desastrado que desceu apressado, com o lenço no nariz.

D. — Muito bem! Essa moça merece uma medalha!
M. — Uma medalha igual merece esta, que eu também conheço:
Certa ocasião, um sujeito sem educação sussurrou-lhe no ouvido não sei qual trivialidade. Sem perda de tempo, a moça deu-lhe dois bofetões sonoros, acrescentando: “Estarei sempre pronta para repeti-los”.

D. — Muitíssimo bem feito! Se todas se comportassem assim ficariam logo livres dos zangões, não é, Padre?
M. — Isso mesmo! E os que não são zangões ficariam livres dos pernilongos, ou seja, de certas moças sem pudor.
Do ócio também devemos fugir. Ai dos ociosos: é justamente nos momentos de ócio que o demônio impuro intensifica os seus assaltos e aumenta suas vítimas.

D. — Então o demônio também tem que ser tratado com cuspidas e bofetões?
M. — Justamente! E em terceiro lugar, para nos poder-mos livrar das impurezas, é necessária a “freqüência dos sacramentos”: a confissão semanal, cada duas semanas ou pelo menos mensal e a Comunhão o mais freqüente possível.

Nos Sacramentos o demônio impuro é desmascarado e vencido. Não há nada que ele tema mais porque nada lhe é mais fatal. "É impossível, diz São Felipe Nérie com ele D. Bosco, é impossível que quem freqüente bem a Confissão e a Comunhão, continue a cometer impurezas!”

O mundo não pode crer na castidade de tantos milhares de sacerdotes, freiras e religiosos: não se convence de que essa flor da juventude possa conservar-se pura e casta no meio de tão grande corruptela; mas sabe por quê? Porque o mundo não compreende a força dos Sacramentos: porque não sabe ou não quer saber que todos eles se purificam com freqüência no Sangue de Jesus com a Confissão, e, ainda mais frequentemente, se nutrem do seu Corpo santíssimo na Comunhão.

Há poucos anos, um jovem advogado disse em tom de brincadeira a um amigo sacerdote:
— Eu acredito na sua fé, admiro a sua abnegação, mas não posso acreditar na sua honestidade, no celibato! O zeloso sacerdote tocado num ponto assim tão delicado respondeu:
— Pois bem, experimenta e verás.
— De que jeito?
— Freqüenta a Confissão e a Comunhão.

Mudaram de conversa, mas voltaram ao mesmo assunto muitas vezes e ao cabo de seis meses o advogado elegante trocava a toga de tribuno pelo hábito de seminarista. Em menos de um ano tornou-se sacerdote e é agora excelente pregador e defensor infatigável da honestidade e do celibato eclesiástico. Experimentou e foi vencido por esses Sacramentos miraculosos.

D. — Padre, a honestidade, ou seja, a pureza, traz consigo vantagens?
M. — Muitas e nobilíssimas: a pureza é como um lírio que se eleva acima de todas as flores pelo perfume e pelo candor; ela nos torna senhores dos tesouros de Deus. O homem puro e honesto sente-se e mostra-se sempre tranqüilo: não teme suspeitas e calúnias; não se sente ligado nem escravo de outras pessoas; goza de uma paz íntima, inestimável. Sua vida é plácida e serena a sua morte. Tem imensa esperança, isto é, tem a certeza da salvação eterna: o seu prêmio, o seu gozo no Paraíso são de todo especiais. Termino com um exemplo histórico:

O célebre músico Mozart aos vinte e cinco anos, tinha atingido o apogeu da sua glória. No dia 27 de Janeiro de 1881, completava justamente vinte e cinco anos e, achando-se em Milão, onde foi acolhido triunfalmente, pôde dizer à assembléia que o festejava estas palavras textuais:
“Juro diante de Deus que, em toda a minha vida, nunca cometi ato nenhum contra a pureza, eis o segredo dos meus sucessos e dos meus triunfos...’’ Sentia-se puro e, sentia-se grande. Quantos haverá que podem dizer o mesmo?!

Parte V.
Deus perdoa sempre.

D. — Porém, se alguém reconhece a tempo as suas faltas e se confessa bem, Deus perdoa sempre não é verdade, Padre?
M. — Sim, Deus perdoa sempre a quem volta arrependido. Você se lembra da parábola do "Filho pródigo?"

D. — Ouvi-a mais de cem vezes e acho-a sempre lindíssima e. muito consoladora. Conte-ma, Padre.
M. — O infeliz rapaz foge de casa, gasta todos os seus bens em excessos. Reduzido à miséria extrema é obrigado a ser guardião de porcos, e reparte com os animais imundos os restos de comida, para não morrer de fome. Por fim cansado de uma vida tão mesquinha, cheio de remorso, resolve voltar para junto do pai. Vence a vergonha e decidido exclama: "Surgam, et ibo ad patrem meus.
— Erguer-me-ei irei para junto de meu pai". De fato volta, e assim que chega atira-se aos pés do pai implorando: Pai, perdão, porque pequei.

O pobre pai, que desde o triste dia em que o filho partira, não tinha conhecido nem paz nem sossego, não o repele: abre-lhe os braços, ergue-o, aperta-o contra o peito, beija-lhe a fronte, cobre-o com o próprio manto para que ninguém o veja naquele estado. Ordena aos servos: Corram, tragam as roupas mais belas para que eu vista de novo o meu filho; tragam os anéis de ouro e os colares preciosos para que eu o enfeite.

E vocês, diz a outros, matem a vitela mais gorda e preparem um grande jantar. Convidem parentes e amigos, chamem também os músicos; quero uma grande festa, porque meu filho que estava perdido voltou! Poucas horas depois, já cada coisa está em ordem: cheia a sala, postas as mesas. O filho que, pouco antes causava dó, aparece todo enfeitado, radiante de alegria, ao lado do pai. E, sentado no lugar de honra, torna-se o "rei da festa".

Você sabe quem é ele? É o pobre pecador, e seu pai é Jesus. Cada vez que o mais infeliz pecador atira-se aos pés de Jesus e diz, arrependido: "Padre, perdoai-me porque pequei" a mesma cena se repete.

O confessor, que representa Jesus, ergue o infeliz; aperta-o nos braços, dá-lhe o beijo do perdão, reveste-o da graça santificante, adorna-o com seus conselhos, leva-o ao casamento de Jesus que é a Comunhão. Assim, o coitado que, poucos minutos antes, era escravo do demônio e presa do inferno, torna-se o rei da festa porque, como você sabe, Jesus mesmo disse: "Há mais regozijo no céu por um pecador que se converte do que por noventa e nove justos que já vivem na graça de Deus!"

D. – Bendita seja a Confissão! Ela é realmente o sacramento do perdão e do consolo. Mas por que nem todos se confessam?



"Bendita seja a confissão!
Ela é realmente o sacramento do perdão e do consolo."

M. — Porque não conhecem, não amam Jesus suficientemente. Ah! Se todos pudessem vê-lo como O viu e ouviu aquela mulher do Evangelho...

D. — A pobre adúltera, não é? Conte, Padre, esse também é um fato consolador.
M. — Um dia, foi apresentada a Jesus uma mulher surpreendida em adultério para que Ele a condenasse, segundo a lei, a ser lapidada. Ele, vendo-a toda envergonhada, abaixou-se e começou a escrever na poeira palavras misteriosas, e, ao mesmo tempo que Ele escrevia, os acusadores se retiravam confusos e cabisbaixos. Quando todos já se tinham ido, Jesus levantou-se, e virando-se para a mulher pecadora, disse-lhe:
— Ninguém te condenou?
— Ninguém, respondeu a mulher, tremendo.
— Pois bem, nem eu tão pouco te condenarei: vai em paz e não peques mais.

Eis aí meu caro, a vontade de Jesus: não condenar, mas perdoar; e, mesmo que todo o mundo nos condenasse, Ele nos absolveria, satisfeito se não tornarmos a pecar.

D. — Mas, Padre, Ele era Jesus, ou seja, Deus; mas estará o Confessor sempre disposto a perdoar?
M. — Sim, o Confessor perdoa sempre, mesmo que se trate de qualquer falta enorme, porque ele representa Jesus. Ouve o que nos conta um dos maiores oradores franceses, Monsabré.

Lá pelo fim da terrível Revolução, que causou tantas vítimas e derramou tanto sangue inocente, um velho miserável, tão pobre quanto tinha sido mau, estava moribundo, num imundo sótão de Paris. Acode à sua cabeceira um jovem sacerdote: Ele o recebe com grande temor, e, depois de angustiosos suspiros, começa a contar:

— Ouví-me, Padre, e Deus queira que possais não me amaldiçoar. Eu era criado de uma família nobre, que me enchera de benefícios. Quando chegaram os dias terríveis da Revolução, o meu coração ingrato correspondeu-lhes com a mais monstruosa traição. Combinando com os revolucionários, revelei-lhes o esconderijo dos meus patrões, acompanhei-os ao patíbulo e apoderei-me dos seus haveres, que esbanjei em pagodes. Ah, Padre, eu sou um monstro. Veja-os, veja-os; são os meus patrões, tão amáveis, tão bondosos... e, enquanto falava abriu um estojo que continha os retratos dos antigos amos.

Horror! O sacerdote reconheceu naqueles retratos seu pai e sua mãe...
Então a cena foi espantosa. O ministro de Deus, rijo, pálido, trêmulo, olhava chorando para o assassino de sua família. O moribundo como um espectro, erguia-se na cama, e mostrando o peito nú e descarnado, gritava: "Vingai-vos, vingai-vos!..
Mas o zeloso sacerdote lembrou-se de que, naquele momento, tão trágico para ele, não era mais um homem, mas o representante de Jesus Cristo. Caindo em cima do assassino, pôs-lhe o Crucifixo sobre os lábios para sufocar os gritos de desespero e:
— "Meu amigo, meu filho, meu irmão, disse, enganas-te. Eu sou Jesus Cristo, e Jesus Cristo perdoa"E, sempre abraçando o pecador, absolve-o e consola-o, e o mendigo morre perdoado e abençoado nos braços daquele cuja vida envenenara.

D. — Padre, depois de ouvir esses fatos, será que alguém ainda teme manifestar os seus pecados ao confessor? Oh! a Confissão é realmente o sacramento do perdão e das consolações. Eu gostaria de ter mil línguas para gritar para o mundo inteiro: experimentem e vejam o quanto Jesus é bom.

M. — Portanto, nada de medo, nada de vergonha; confessem-se sempre bem não só para fugir do inferno, mas também para ter nesta vida consolações e paz, porque de uma boa confissão pode depender todo o nosso futuro.

A beata Ângela Foligno tinha cometido, na juventude, certas faltas que não tinha ousado confessar. Continuou assim por muito tempo, mas como o remorso da consciência não a deixava tranqüila nem de dia nem de noite, depois de ter rezado muito, resolveu fazer finalmente com coragem, uma confissão sincera de todos os pecados e sacrilégios.

A acusação franca proporcionou-lhe a maior glória, porque além da paz e da alegria do coração, teve a força de se tornar santa. Há mais de seiscentos anos que honrada pela Igreja e pelo mundo inteiro com o título do Beata.

A Venerável Maria Fornari, romana, conta que, quando criança, teve a infelicidade de cometer algumas faltas contra a modéstia. Assim que lhes percebeu a gravidade, absteve-se delas, mas, por vergonha, nunca ousou confessá-las e assim foi ajuntando sacrilégios a sacrilégios. Vivendo sempre com o coração angustiado, resolveu tornar-se freira. Entrou no convento de Lodi, na Úmbria: fez a vestição, fez a profissão religiosa, porém sempre com o inferno no coração. Que miseráveis e angustiosos eram seus dias! Finalmente durante a novena da Assunção sentiu no coração um desejo muito grande de pedir a Maria Santíssima a graça tantas vezes implorada inutilmente. Fez o pedido com tanto ardor, que, no mesmo instante, sentiu uma força tão grande que pôde manifestar as suas culpas, não só ao Confessor, mas a toda Comunidade.

Reparou tudo com uma confissão geral, e começou a viver uma vida tão santa que mereceu a honra de ser elevada ao altar.
Por aí você vê meu caro, que, mediante a Confissão, Jesus não só perdoa, mas nos dá a possibilidade de nos tornarmos santos. É por isso que, muito acertadamente, os teólogos dizem que a confissão é o principal meio de santificação .

D. — Oh, Padre, reze por mim, afim de que eu possa aproveitar da Confissão.
Parte VI.
Terno PAI.

D. — E agora, diga-me Padre: ao ouvir certos pecados, será que o confessor não se surpreende, não fica ofendido, não perde a estima... não nega a absolvição?
M. — Mas como é que ele deve ficar surpreendido? Qualquer que seja o confessor, ele já conhece o mundo. Os mesmos pecados que você cometeu, ele já os ouviu mil vezes; por mais que você lhe diga, não lhe dirá nada de novo. Além disso, ele está ali para ouvir misérias e não para ouvir milagres. Nem se ofende se você lhe disser coisas graves, porque, com os pecados, não foi ele que você ofendeu; pelo contrário, como um terno pai, ficará mais comovido, terá mais compaixão de você; alegrar-se-á, pensando que, perdoando muito, aumentará a alegria e a glória de Deus. Será que os pescadores se sentem ofendidos quando puxam na rede peixes enormes?

D. — Nunca, pelo contrário, ficam satisfeitíssimos.
M. — Pois bem, o mesmo acontece com o Confessor. Ouça o que lhe vou contar:
Um dia, um pecador que tinha culpas bem graves foi confessar-se com S. Luiz Bertrano. Apesar de intensamente arrependido, tinha ainda muito medo e muita vergonha, por isso a cada pecado deitava uma olhadela para o confessor para ver qual a impressão que causavam as suas culpas.
Tendo observado que o Santo não mostrava nem um sinal de espanto, criou coragem e confessou até os pecados mais feios e enormes, e então, muito admirado viu passar pelos lábios do Santo um sorriso muito doce. Como o Padre lhe perguntasse se ainda tinha mais coisa a dizer, respondeu tristonho:

— Padre; ainda tenho mais uma coisa a dizer, mas me falta a coragem...
— Como é que não ousas, se já disseste tantas e com tamanha bravura?
— Porque cometi essa falta neste momento.
— Tanto melhor; assim ela será morta agora mesmo, enquanto está fresca.
— Mas, Padre, eu a cometi contra o Senhor...
— Contra mim? Pois bem, quê importa? Se eu devo perdoar os pecados cometidos contra Deus, por que, não perdoarei um pecado contra mim?
— Padre, quando eu estava confessando aqueles pecados enormes o vi sorrir e disse comigo mesmo "Este certamente ainda os cometeu maiores do que eu..." A estas palavras, São Luiz Bertrano respondeu sorrindo:
— Não, por graça de Deus, não cometi esses graves pecados, apesar de ter podido cometê-los se o Senhor não me tivesse ajudado. Sabes por quê eu sorria?


A confissão é o principal meio de santificação


Porque à medida que dolorosa e sinceramente, confessavas as tuas culpas, eu via afastar-se de ti o demônio e entrar em ti a graça de Deus.
Eis aqui meu caro, quais são os sentimentos do confessor. Ele não repara nos pecados mas nas disposições e na coragem do penitente.

Quando eu ainda não era sacerdote, não podia convencer-me disso: mas tive depois cem mil provas desta realidade, na prática do ministério. É justamente por isso que, nos meus sermões, falo com freqüência na sinceridade da confissão, e sempre falarei com muito prazer. Oh! quantos corações eu já consegui consolar com este meio e quantas vezes eu mesmo me senti cheio de consolações.

D. — E o confessor não perderá a estima que tem pelo penitente?
M. — Aumenta-a pelo contrário, pensando no esforço feito para se confessar bem, pensando na boa vontade que tem de se emendar, pensando que Jesus o encherá de favores e de graças. O confessor é como o médico. Como um bom médico que tem predileção pelos doentes mais graves, assim é o Confessor.

Um dia, apresentou-se a São Francisco de Sales uma senhora que fez uma confissão geral durante a qual confessou muitas misérias, depois da absolvição, antes de sair, interrogou-o:

— E agora, Padre, o que pensa de mim?
— Penso que a senhora é uma santa.
— Desculpe, Padre, mas o senhor está caçoando comigo?
— Não, absolutamente não estou caçoando, penso que é uma santa desde que teve a coragem e a graça de fazer uma confissão tão dolorosa e sincera.
O confessor, portanto, repito não perde a estima, aumenta-a pelo contrário, quanto mais graves e numerosos são os pecados que se confessam e se perdoam, quanto mais sincera e dolorosa é a confissão.

D. — Padre, nunca se nega a absolvição?
M. — Em casos raríssimos: isto é, quando o penitente não está mesmo disposto a deixar o pecado, ou a ocasião próxima de pecar; quando não se está disposto a reparar na medida do possível, os danos, o escândalo dado, ou quando tem intenções de continuar no pecado. Em todos esses casos, a absolvição seria inútil, danosa mesmo, porque cometer-se-ia um sacrilégio, confessor e penitente comprometer-se-iam ao mesmo tempo.

O Padre Fusignano conta que um senhor tinha um mau costume havia muito tempo, e não obstante achava sempre algum confessor que o absolvia. Sua mulher chorava, rezava e não deixava de fazer-lhe notar o seu péssimo estado. Mas ele sorrindo dizia-lhe: "Você é bem louca para se aborrecer tanto por minha causa. Se fosse uma coisa assim tão má, o confessor não me absolveria".
E assim continuou até à morte com a sua desonestidade. Mas, depois de morto, apareceu à mulher, rodeado de chamas, nas costas de outro, também horrivelmente atormentado e com gritos desesperados disse: "Estou condenado por não ter deixado a ocasião de pecar e este que me carrega nas costas, é o meu confessor que me absolvia, apesar de eu ser indigno".

D. — Coitados!... Em caso contrário, Padre, isto é, quando o penitente está arrependido e tem boas disposições, o confessor absolve sempre?
M. — Sim, sempre absolve e perdoa, mesmo quando se trata de alguma culpa enorme e gravíssima.
O muito douto teólogo francês João Gaume contava que um dos perversos que, durante a revolução francesa, se tinha manchado com os mais terríveis crimes e mais de uma vez tinha feito correr sangue dos sacerdotes, tinha caído gravemente enfermo. Esse homem tinha jurado que nenhum sacerdote teria posto os pés no seu quarto e que, se entrasse, dali não sairia. Tendo-se agravado a doença, um bom padre ofereceu a vida, contanto que pudesse salvar o infeliz. Ao vê-lo, o homem encolerizou-se e, juntando todas as forças gritou:

— O quê? Um sacerdote na minha casa? As minhas armas, depressa!
— O quê quer fazer com elas? Perguntou-lhe com muita doçura o sacerdote.
— Quero matar-te, tu que ousas aparecer na minha frente! Não sabes que com estas mãos já degolei doze padres?
— Engana-se,meu irmão; para esse número ainda falta um; o décimo segundo não morreu; o décimo segundo sou eu. Deus conservou-me a vida para que eu o salvasse.
— Para salvar-me? E quem poderá salvar-me depois de tantos crimes?
— O seu arrependimento e a minha absolvição.

Mas o senhor ainda não sabe de tudo; se eu lhe contasse tudo o senhor me amaldiçoaria.
— Amaldiçoá-lo?! absolutamente nunca!
— E o senhor ainda me dará a absolvição?
— Sim, porque Jesus Cristo assim o quer.
E, muito caridosamente, começou a instruí-lo e a prepará-lo para uma boa morte.


D. — Que heróico e santo Sacerdote! Mas será que todos os confessores são assim?
M. — Sim, todos eles são assim porque todos representam Jesus Cristo, que ordenou que perdoássemos sempre.


D. — Pois então, se o confessor absolve sempre, não devemos ter medo, não é mesmo?
M. — Não, nada de medo, nunca! Ele é sempre um pai carinhoso.
Francisco Renato, visconde de Chateaubriand, celebérrimo escritor francês, escreve nas suas "Memórias de Além-túmulo": "Aproximava-se a época da minha primeira Comunhão. (Na França fazia-se naquele tempo a primeira Comunhão aos quatorze anos). A minha piedade parecia sincera; eu edificava todos os meus companheiros. Tinha eu um confessor de aspecto um tanto rígido; cada vez que me apresentava ao tribunal da Penitência, ele me interrogava com ansiedade surpreendido com a insignificância das minhas culpas, não sabia explicar o meu embaraço diante da pouca importância dos segredos que eu lhe confiava. Quanto mais perto íamos chegando da Páscoa, mais insistentes se tornavam as suas perguntas. "Você não esconde nada?", perguntava ele. E eu respondia: "Não, Padre..."

— Você não cometeu este ou aquele pecado?
— Não, Padre... E sempre "Não, Padre". Ele me dispensava duvidoso, suspirando, procurando ler no fundo da minha alma, e eu voltava do confessionário pálido e desfigurado como um culpado. Escondia pecados.

Chegou a tarde de quarta-feira santa, véspera da Comunhão Pascoal. Chegando à igreja, prostrei-me diante do altar e ali fiquei como se estivesse aniquilado. Quando me levantei para ir à Sacristia, onde o Confessor me esperava, meus joelhos tremiam, atirei-me aos pés do Sacerdote, e, com a voz mais alterada do que nunca, fiz a confissão de sempre.

— Você não se esqueceu de nada? Perguntou-me o Ministro de Deus.
Eu calei-me. Às suas perguntas recomeçaram e o fatal "Não, Padre" saiu de novo dos meus lábios. Ele recolheu-se, rezou, e, fazendo um esforço, preparou-se para dar-me a absolvição. Se naquele instante um raio tivesse caído em cima de mim o meu pavor teria sido menor e eu gritei:
— Eu não disse tudo!

Aquele juiz tão temido, aquele Ministro de Deus cujo rosto me inspirava tanto temor, tornou-se o pai mais carinhoso, abraçou-me chorando, e:
— Coragem, meu filho, tenha coragem! Um momento como aquele, nunca mais viverei. Eu chorava de alegria, depois da primeira palavra, o resto não me custou mais esforço algum. O sacerdote, erguendo a mão pronunciou as palavras da absolvição. Esta segunda vez, a sua mão fez descer sobre a minha cabeça o orvalho celeste e abaixei a fronte para recebê-la. Eu participava da felicidade dos anjos.

No dia seguinte, quando a Hóstia Santa pousou nos meus lábios, senti-me iluminado por uma luz vivíssima. “Senti então em mim a coragem dos mártires, naquele instante, eu teria sido capaz de confessar a minha fé em Cristo sobre o acúleo ou no meio dos leões...” Eis aí, meu filho, quem é o Confessor, na opinião dos maiores entre os grandes homens. Ele é sempre, repito, "o pai mais carinhoso".

Parte VII.
Segredo inviolável

D. — Padre, será que alguma vez não acontece que o confessor conte algum pecado ouvido na confissão?
M. — Absolutamente nunca! Um tríplice segredo fecha-lhe a boca; nisto entra a vontade de Deus que não permite que se cometam faltas no que diz respeito a este capítulo.De fato, a confissão existe há mil e novecentos anos, e nunca aconteceu que um confessor, por nenhum motivo, tenha divulgado um único pecado ouvido na confissão.

Martinho Lutero que era um frade zeloso, renegou a sua fé, fez-se protestante, tornou-se inimigo da igreja falou e escreveu contra a Igreja calúnias infâmias sem fim, mas nunca, nem uma vez sequer, falou de coisas ouvidas na confissão.
Um dia, achava-se ele numa estalagem com alguns amigos, estes, vendo-o meio embriagado, tiveram a idéia de interrogá-lo, justamente a esse respeito. Antes nunca o tivessem feito! Lutero, de um momento para o outro, ficou furioso, e, agarrando uma garrafa, teria quebrado a cabeça daqueles malvados se eles, mais do que depressa, não tivessem fugido. O segredo da confissão é inviolável, mesmo diante da morte.

D. — Até diante da morte?!
M. — Certamente! Eis aqui um dos mil fatos que eu poderia citar como prova:
Justamente durante a quaresma de 1873, um missionário famoso pregava com grande sucesso numa das principais Igrejas de Paris. No meio da multidão enorme que acorria para ouvi-lo, havia também alguns incrédulos, os quais, tendo-o ouvido falar sobre a in­violabilidade da confissão, quiseram fazer uma experiência. Depois de terem combinado o plano, um deles se finge de doente e outros dois procuram o sacerdote e o convidam para acudir junto ao leito do enfermo.

O missionário de Deus, concorda de pronto, e acompanha os dois homens que, fazendo-o entrar num carro fechado, vendam-lhe os olhos; depois de uma meia hora de corrida, fazem-no descer na frente de um palacete, e subindo por uma escada o introduzem em um apartamento junto a cabeceira de um homem que se confessa realmente. Acabada a confissão, voltam os dois companheiros e o fazem descer por escadas até um subterrâneo, onde lhe tiram a venda e apontando-lhe duas pistolas carregadas o intimam a referir o que ouvira na confissão.

Muito calmo o Missionário responde:
— Os senhores, talvez, não sabem que a confissão é um segredo?



"Um tríplice segredo fecha-lhe a boca”

— Deixe de desculpas! Aqui ninguém nos vê, ninguém nos ouve; fale ou morrerá.
— Se assim é, estou em suas mãos, disparem à vontade, e que Deus seja testemunha do meu dever. Assim dizendo, ajoelha-se, desabotoa a batina, e apresenta o peito às balas.
Nesse ponto a cena se transforma, os dois homens erguem-no, pedem-lhe perdão pela dura prova a que o submeteram e acrescentam: "Agora nós também acreditamos na confissão e, dentro em pouco, estaremos de joelhos no confessionário".
Vendaram-lhe novamente os olhos e o reconduziram de carro até à casa, renovando as desculpas e promessas, que depois foram mantidas.

D. — Padre, todo o sacerdote, num caso desses, seria obrigado a fazer o mesmo?
M. — Certamente! E Deus não deixaria de dar-lhe a graça e a força necessárias, não faltam mártires do sigilo sacramental. Ouça:
São João Nepomucemo era confessor da rainha Joana, mulher de Venceslau, rei da Boêmia. Este por causa de injustas suspeitas motivadas pelo ciúme, pretendia que João referisse as culpas da rainha, ouvidas em confissão. Como o Santo se opôs com inabalável resistência, o rei impiedoso mandou que o trancassem numa prisão, onde seria tratado com barbaridade extrema.
Finalmente, chamando-o à sua presença, depois de novas promessas e ameaças ainda mais terríveis, ordenou que o costurassem num saco de couro, fechado por uma corda, na extremidade da qual deviam amarrar uma pedra pesadíssima, e que o jogassem ao rio Moldava. Queria que lá em baixo, no fundo do rio o padre morresse e apodrecesse, escondido de todos.

Mas oh! prodígio!... Naquela mesma noite o saco flutuava levemente sobre as ondas, escoltado por uma luz vivíssima e uma harmonia suave como vozes de anjos acompanhava­o. Depois de tirado das águas, enterraram-no com pompa e solenidade. E quando, em 1729, quase quatrocentos anos mais tarde, foi proclamado santo, a sua língua estava intacta, e fresquíssima, como se fosse um prêmio do seu silêncio.
Foi então que São João Nepomucemo foi chamado "o mártir do segredo da confissão".

Não faz muito tempo que, pelos jornais da Rússia, se espalhava a notícia de um vigário condenado aos trabalhos forçados, como assassino de um rendeiro do lugarejo. O seu fuzil descarregado, encontrado na sacristia, atestava o crime. Passaram-se vinte anos: o organista da paróquia está à morte; chama o juiz e confessa que ele mesmo matara o infeliz rendeiro para casar com a viúva, o que de fato se dera.

Tinha acusado o Vigário, e para provar-lhe a culpabilidade tinha posto o fuzil na sacristia. Como meio seguro de impedir que o Padre falasse, tinha-se confessado com ele, contando-lhe tudo o que fizera. Diante disso, as autoridades telegrafaram sem demora a Petersburgo, ordenando que o Vigário Kobjlowes fosse posto em liberdade imediatamente. Responderam que o Vigário tinha morrido havia já alguns meses. O heróico padre tinha carregado à sepultura o segredo da confissão, porque o Confessor pode ser um mártir, mas nunca será um traidor. E agora, você está bem convencido do grande segredo da confissão?

D. — Estou convencidíssimo! Mas esse segredo dura, porém até à morte do penitente; depois, não há mais obrigação?
M. — O segredo perdura sempre, estando o penitente em vida e depois da sua morte; é eterno, assim como Deus é eterno. Isto deve inspirar-nos coragem e confiança absolutas, sem limites, de confessar sinceramente os nossos pecados, desde que podemos estar certos de que eles ficarão sepultados num silêncio eterno. Se pelo contrário, nos deixarmos levar por um pudor mal compreendido a escondê-los e a calá-los diante do confessor, serão um dia manifestados diante de todo o mundo no juízo universal, contra a nossa vontade, para a nossa vergonha e para a nossa ruína irreparável. Sinceridade, portanto, sinceridade!

D. — Então, Padre, procede mal quem diz: eu não ouso confessar os meus pecados, porque tenho medo de que o Confessor os conte a terceiros?
M. — Quem fala assim, mente a si mesmo e lança contra os confessores a mais infame das calúnias.

D. — Mais uma pergunta: não pode o confessor servir-se em seu próprio favor, das coisas ouvidas na confissão?
M. — Não, não pode, não deve fazê-lo absolutamente, e jamais o fará. Pelo contrário, se acontecer que o confessor venha a saber na confissão de uma culpa que já conhecia anteriormente ou por tê-la visto ou porque lhe tenha sido referida, nunca mais fala, nela, justamente para que não pensem que ele se serviu da confissão e que violou o segredo. Eis até a que ponto chega o sigilo sacramental.

Parte VIII.
Quem manda, faz leis

D. — E agora, Padre, tenha a bondade de esclarecer ainda mais alguns pontos. Antes de tudo, a Confissão é mesmo necessária para apagar os pecados?
M. — Sim, a confissão é indispensávelAssim como a água é necessária para lavar as manchas, não podemos lavar e destruir os pecados sem a confissão. Foi estabelecida por Deus, e Jesus Cristo a confirmou.

D. — Não lhe teria sido possível estabelecer as coisas diferentemente?
M. — Sim, podia tê-lo feito, sendo Ele Deus, mas desde que achou preferível proceder assim, não nos resta senão obedecer. De mais a mais haveria uma maneira mais fácil? Não!
Suponhamos que, por exemplo, para cada pecado tivesse ordenado uma esmola grande: quantas não a achariam penosa e impossível? Suponhamos ainda que tivesse estabelecido um jejum; quantos não poderiam ou não quereriam fazê-lo? Suponhamos ainda que tivesse exigido uma longa peregrinação; quantos nesse caso, mesmo querendo, não a poderiam realizar?

Mas com a confissão não há nada disso, para quem quer que seja, por qualquer pecado e número de vezes, só é necessária uma coisa: confessar-se a um Ministro, cuja escolha é livre, no modo mais secreto e tudo está perdoado. Ah! diga-me: se a lei humana ou civil agisse da mesma maneira, se bastasse apresentar-se a um juiz e confessar a culpa para receber o perdão, haveria ainda prisões e penitenciárias?

D. — Absolutamente não! Todos se confessariam, mesmo os mais velhacos.
M. — Por que, então, achamos penosa a confissão sacramental?

D. — Pois seja: mas não chegaria uma confissão feita diretamente a Deus? Quê necessidade há de se, correr ao Sacerdote, pondo-o ao corrente dos nossos interesses?
M. — Quem manda faz leis! Ouça: O Presidente e o governo mandam que paguemos impostos; pois bem, faça uma experiência; vá ao Rio de Janeiro para pagar diretamente ao Presidente e ao Governo. Dir-lhe-iam: vá ter com o nosso encarregado, o coletor e pague a ele, você poderia protestar à vontade que a situação não mudaria. Querem que paguemos, mas ao coletor. O mesmo dá-se com a confissão. Deus perdoa, mas por meio dos seus encarregados, que são os confessores.

D. — É mesmo! E eu que nunca tinha pensado nisso!
M. — Quanto ao pormos outra pessoa a par dos nossos interesses, tenha paciência; de que negócios se trata nesse caso? Trata-se de pecados e não de interesses. Quando você sente uma forte dor de cabeça ou de dentes será que você, para não pôr ninguém ao par dos seus casos, não corre ao médico ou ao dentista, para se ver livre dela?
E quando o acusam será que você não procura um advogado para que o salve de uma condenação?

D. — Oh! Eu corro logo ao médico ou ao advogado e conto tudo; procuro até explicar as coisas direitinho.
M. — Então só no que diz respeito à Confissão, que é segredo impenetrável, divino, é que receamos dar a conhecer os nossos interesses? Ora! Essas são desculpas muito magras que denunciam má vontade!

D. — Todavia Padre, o senhor deve reconhecer que é duro manifestar misérias...
M. — Reconheço que realmente é bastante duro, porque o nosso amor próprio fica um pouco humilhado, mas devemos pensar que isso é um dever, uma necessidade.E ao médico, será que não se confessam certas misérias?

D. — Ah! contanto que ele nos cure...
M. — Pois bem, ou queremos receber a graça e voltar a ser filhos de Deus, ou queremos ficar sendo filhos do demônio, escravos do inferno: não há outra saída, e para nos conseguirmos livrar é indispensável que nos confessemos, sem o que não pode haver nem paz, nem perdão, nem Paraíso. Quem manda faz leis. Eis a prova dos fatos.
São Bento conta nas suas crônicas que um religioso chamado Pelágio, tendo por infelicidade cometido um pecado grave na mocidade, deliberou não o confessar.
Passava assim os meses e os anos numa aflição enorme, atormentado sempre pelo remorso. Um peregrino, passando por lá, disse-lhe como se Deus o iluminasse: "Pelágio, confessa-te; Deus conceder-te-á o perdão e terás sossego".

Mas ele teimou em não falar, e iludindo-se que poderia obter o perdão sem a confissão, resolveu fazer grandes penitencias. Entrou num convento; e ali pela humildade, pela obediência, pelos jejuns e mortificações, conquistou a admiração de todos, e foi sepultado com muito pesar nos túmulos da Igreja, conforme o hábito da época. Na manhã seguinte o Sacristão achou o corpo em cima do túmulo e o enterrou de novo. Mas, também nos dias que se seguiram, achou-o novamente fora da sepultura. Avisou então o abade: este correu para junto do cadáver com os outros monges, e disse:

— Pelágio, foste sempre obediente em vida, obedece também depois da morte. Dize­me, estás por acaso no purgatório? Tens necessidade de sufrágios ou é desejo divino que sejas posto num lugar mais digno?
— Ai de mim! Eu estou no inferno por causa de um pecado omitido desde muitos anos e pelo qual esperava obter misericórdia por outros meios. Tirem-me daqui, e enterrem­me em campo aberto, como um jumento.

Conta-se que uma freira, tendo cometido um pecado desde sete anos, nunca o quis confessar, na esperança de alcançar o perdão igualmente. Para esse fim, fechou-se em um convento e se tornou religiosa. Devido à sua vida austera e a prática de todas as virtudes, foi eleita abadessa, cargo que desempenhou com escrúpulo exemplar. Mas, depois de morta apareceu às religiosas, toda rodeada de chamas, e, gritando desesperadamente dizia: "Não rezem por mim que estou condenada por causa de um pecado que nunca confessei desde "sete anos".

D. — Pobres! E uma só palavra na confissão teria chegado para os tornar felizes, não é Padre?
M. — Justamente! E dessa maneira vivem num inferno quando em vida, e vão para ele depois de mortos. E no entanto, creia-me, não é pequeno o número desses infelizes que não querem convencer-se de que, para eliminar os pecados é indispensável a confissão, da qual, além disso, o coração sente necessidade.

D. — Como é que o coração sente necessidade dela?
M. — Vou prová-lo.
Não há muito, os jornais da Itália divulgavam a notícia de que um sapateiro da cidade de Bassano, no Vêneto, num ímpeto de cólera tinha arremessado um ferro contra um netinho de poucos anos, matando-o. Apavorado, escondeu o cadáver, e, durante a noite, foi enterrá-lo num bosque. Por muitos dias procuraram o pequeno desaparecido, cada qual fazia as mais estranhas conjeturas, mas nem pensavam no sapateiro, cujo crime ninguém presenciara. Podia, pois ficar tranqüilo e sossegado e viver alegremente. Mas, no entanto, desde o dia fatal, não cantou mais as suas alegres canções, não bateu mais o martelo com ânimo, se tornou triste e pensativo. Vendeu a casa, os apetrechos da profissão e fugiu para a América.

Lá estava completamente salvo; podia, pois esquecer tudo e ser feliz. Qual nada! Depois de dois anos voltou, apresentou-se diretamente ao juiz e confessou o crime. A justiça indagou, procuraram-se no bosque os míseros restos da vítima, fez se o processo. Antes de pronunciar a sentença que o condenaria definitivamente, o juiz virou-se para o assassino e perguntou:

— Diga-me, ó desgraçado, como é que o senhor, que tinha enganado a todos e podia ficar sossegado na América, vem entregar-se à justiça e obrigar-nos a condená-lo?
— Senhor juiz, respondeu o réu, não é verdade que enganei a todos. Só enganei aos homens, o mesmo não se deu com Deus. Desde aquele dia não tive mais sossego, a sombra do menino perturba-me o sono, vejo sempre a minha mão escorrendo sangue. Condene-me à prisão, condene-me à morte, mas que esta vida de remorso acabe para sempre.

O coitado tinha tomado o caminho errado, se, em lugar de ter tomado o rumo da América, do tribunal, do cárcere, da desonra, tivesse corrido aos pés do confessor, ah! Não teria visto a sombra de sua vítima, nem a mão pingando sangue; mas, recebendo a absolvição, teria tranqüilizado incontinente a consciência.

D. — É verdade, Padre; a Confissão é uma necessidade do coração.
M. — Tanto melhor para nós se nos servirmos dela em todas as ocasiões para qualquer eventualidade. Quando um espinho se nos enterra no pé ou quando um cisco nos entra nos olhos, não achamos mais sossego enquanto não nos livrarmos do espinho ou do grãozinho de pó. O mesmo se dá com o pecado; não nos deixa em paz enquanto não o extirparmos com a confissão. Deus assim o quis e quem manda, faz leis!

D. — Como deve ser consolador o perdão de Deus depois de anos e anos de remorsos, não padre?
M. — Ah, sim! E nenhuma alegria no mundo se lhe pode comparar. A confissão, além de ser uma necessidade do coração, é ainda o maior consolo das almas aflitas. O fato seguinte bem o demonstra:
O Padre Bridaine, grande missionário francês, pregava durante as missões, numa cidade dos Alpes. Um velho oficial da cavalaria foi ouvi-lo por curiosidade, porque já ouvira falar naquele orador famoso. Deus quis, que, naquela noite, o Missionário falasse justamente na necessidade da confissão. A palavra simples, mas quente e persuasiva do servo de Deus, penetrou até o coração do militar, que resolveu confessar-se.

De fato, foi à sacristia, atirou-se aos pés do Padre Bridaine que o acolheu com bondade e amor. Depois de feita a confissão levantou-se, e beijando a mão do Padre, exclamou bem alto, para que todos o ouvissem: "Sinceramente, na minha vida nunca senti tamanha consolação e nem uma alegria tão grande como agora que tenho comigo a graça de Deus. Acho que nem o próprio rei, que sirvo há trinta anos pode ser mais feliz do que eu!"
As palavras que o velho oficial francês pronunciou, poderiam pronunciá-las todos os que, depois de vencidas todas as dificuldades, vão confessar-se, e se confessam bem. Aqui também não é demais repetir Quem manda, faz leis, mas as leis de Deus são tão doces e suaves!

Parte IX.
Efeitos admiráveis

D. — Padre, além do perdão dos pecados, a confissão traz mais outras vantagens?
M. — Traz; e muitíssimas e surpreendentes. Nós todos temos três inimigos implacáveis, deploráveis e obstinados, os quais, dia e noite armam ciladas contra a nossa alma. São eles: a concupiscência, o demônio e o mundo. Da infância ao túmulo, perseguem­nos sempre, onde quer que estejamos e ceifam inúmeras vítimas de todas as idades e condições. Ai de quem não se previne com o remédio divino, que é a confissão.

D. — E a confissão consegue vencer esses inimigos?
M. — Uma confissão isolada, não; é preciso que seja repetida freqüentemente. Esses inimigos, feridos uma vez com a confissão, não morrem, mas tornam a tentar a prova, mais maliciosos do que antes, modificam e multiplicam os seus lagos para nos causar danos maiores. Oh! quantos, apesar de sinceramente arrependidos, tornam a cair, depois de breves intervalos, nas mesmas faltas.

São Felipe Néri conta que um jovem o procurou, resolvido a abandonar, custasse o que custasse, certos pecados impuros, que tinha o hábito de cometer. Ele ouviu-o, e, vendo a firme vontade que tinha de se emendar, absolveu-o em nome de Jesus Cristo e lhe disse que fosse em paz, e que, se por acaso, aquilo acontecesse de novo, voltasse logo para se confessar.

No dia seguinte, eis de novo o rapaz aos pés de São Felipe.
— Padre, o demônio foi mais forte do que eu, tornei a cair na mesma falta.
— Você está arrependido?
— Sim, padre.
— Pois bem, eu o absolvo, vá em paz, mas na primeira recaída, volte.

No terceiro, no quarto, no quinto dia, ei-lo sempre de novo aos pés do Santo confessando as recaídas de sempre, e assim aconteceu doze, treze vezes com intervalos mais ou menos longos, até que finalmente venceu o seu defeito, tornou-se tão puro e tão casto que São Felipe o acolheu entre os seus filhos e ele se tornou um apóstolo zeloso. E assim, a confissão, constantemente repetida, acabou por ser a mais forte, venceu o demônio impuro e os seus mais obstinados assaltos.

D. — Padre, podem se repetir tais casos de recaída?
M. — Por infelicidade podem, principalmente com os jovens.

D. — E então?
M. — Então, é preciso repetir cada vez e sem perda de tempo, a confissão. Assim como uma única injeção não chega para matar o bacilo do tifo e da tuberculose, uma só confissão não é suficiente para paralisar o micróbio da concupiscência que circula no nosso sangue. A confissão tem uma força toda especial contra a sensualidade tanto que, segundo o que dizem pessoas eminentes, quase não se pode crer na castidade daqueles que não se confessam, sejam quais forem o estado e as condições em que se encontram. Conservar-se-ão afastados de certos excessos, mas não terão a integridade absoluta de costumes sem a confissão freqüente.

D. — Será então por esse motivo que a confissão é recomendada sobretudo à juventude?
M. — Assim é, porque é precisamente no coração da juventude que aparece mais em realce toda a eficácia vitoriosa da confissão. Nesse terreno virgem, revela-se como o "talismã preservativo" da corrupção. Oh! Que lindo espetáculo apresenta perante Deus e os homens tantos jovens, encaminhados em tempo à freqüência deste Sacramento.

D. — Então, era com razão que São José Cottolengo e São João Bosco a inculcavam com tanta insistência nos seus institutos?
M. — Sim, D. Bosco, e com ele os melhores educadores, compreenderam que, quando se quer livrar a infância de ambos os sexos da perda da inocência, não há caminho mais seguro do que a confissão freqüente.

D. — Parece-me que o Papa Pio X também decretou alguma coisa em relação à confissão das crianças.
M. — Bendita seja a santa e muito querida memória deste Pontífice vigilante, que, para remediar tantos abusos e hábitos que tomaram pé por culpa de extravagantes e perigosas interpretações, estabeleceu pelo decreto de 8 de Maio de 1910, que a idade para a Confissão e Comunhão é aquela em que a criança começa a julgar por si mesma, isto é mesmo antes dos sete anos. Determinou também que o hábito de não confessar ou de não absolver as crianças chegadas ao uso da razão é, sob todos os pontos de vista, repreensível, recaindo toda a responsabilidade sobre os pais, sobre o confessor, sobre os institutos e sobre o Vigário.

D. — De modo que, segundo o senhor, Padre, a confissão freqüente é indispensável a todos, pequenos e grandes?
M. — Sim, é indispensável a todos. Se quiserem realmente vencer o inimigo mortífero da alma, previnam-se contra qualquer espécie de impureza? Querem que essas mesmas vitórias sejam alcançadas pelos que dependem de vocês? Vão, conduzam, e mandem à confissão. Experimentem e vejam o quanto Jesus é poderoso.

Um dia um sacerdote, Vigário de uma cidade importante do Monferrato, foi procurar São João Bosco. Assim que chegou, desatou em pranto. O Santo ergue-o, e, amorosamente começou a interrogá-lo sobre a razão de tal angústia.
— D. Bosco! Estou resolvido a abandonar a minha Paróquia, vejo que não posso fazer nada de bem, os meus esforços são correspondido com indiferença e frieza sempre crescentes. Por toda a parte abundam a blasfêmia, o modo de falar desonesto, o desrespeito dos dias santificados, os maus hábitos, a dança, o escândalo. D. Bosco, aconselhe-me, por piedade!

— Desde quando reina este estado de coisas?
— Desde muitos anos, e vai sempre piorando.
— O senhor rezou, fez rezar?
— Imagine, Padre, se eu não havia de rezar! Muitas vezes fiz votos, mas tudo foi inútil.
— Mas seus paroquianos vão à Igreja, freqüentam os Sacramentos?
— Vão à Igreja freqüentam bastante os Sacramentos, mas depois...
— As confissões são bem feitas?
— Qual nada! Esse é o meu maior desgosto!...
— Pois bem, faça assim: Volte para casa sossegado, e, de agora em diante façasermões Unicamente sobre a excelência da confissão bem feita.

O zeloso sacerdote obedeceu e quando, depois de três anos, encontrou D. Bosco na sala de espera da estação de Asti, jogou-se novamente aos pé e beijando-lhe a mão com afetuosa efusão, não acabava mais de lhe agradecer pelo conselho iluminado que lhe dera.
— Pus em prática o que me aconselhou, e a paróquia mudou como por encanto; proporciona-me sempre novas e indizíveis consolações.

D. — D. Bosco era um santo, não era mesmo Padre?
M. — Era um homem repleto de espírito de Deus, mas conhecedor do mundo, investigador profundo dos corações e, como S. Felipe Néri, batalhava com zelosa constância pela confissão freqüente, a qual, se é muito pouco praticada, e não sempre com proveito, é porque é muito pouco conhecida.
Ela, além de ser o remédio por excelência, é ainda o Sacramento milagre, capaz de sozinha, refrear o mundo inteiro.

D. — Será possível?
M. — Eis aqui uma amostra num outro fato histórico de D. Bosco:
No ano de 1855, S. João Bosco tinha pregado três dias os Exercícios Espirituais aos jovens da "Generala", de Turim, que é um instituto correcional dos indisciplinados. Tendo-os confessado todos, pediu e obteve depois de muita insistência, do próprio ministro Urbano Rattazzi, a licença de conduzi-los todos, em número de 350, a um passeio até o parque real de Stupidini, a quatro milhas de distância de Turim.
A mais espontânea alegria durou até à tardinha e na hora de voltar para casa, ninguém deixou de responder à chamada. É impossível descrever a surpresa de todos, que não podiam explicar como é que um pobre padre sozinho, sem guardas nem soldados, tinha podido manter em ordem e submissos tão grande número de internados, não sabiam que o grande segredo de D. Bosco era a confissão.

D. — É verdade, a confissão é poderosa. Oh! Se os pais o reconhecessem como educariam melhor a juventude, e como haveria maior respeito, obediência e moralidade nas próprias famílias!
M. — Sem dúvida! De fato, não tenho medo de exagerar dizendo que, confessando com pessoas que freqüentam a confissão, dificilmente encontramos um pecado mortal! Confessando só duas, as quais só se confessam de vez em quando, dificilmente não se encontram pecados mortais.

D. — Uma casa que se varre frequentemente, como um vestido que se escova sempre, como o rosto que se lava diariamente se conservam limpos; o mesmo se dá com a alma que se confessa com freqüência: não é Padre?
M. — Justamente.

Parte X.
Outros efeitos admiráveis
D. — Padre, todas as belíssimas coisas que o Sr. disse até agora acerca da confissão, tratam só dos que estão sujeitos a cometer pecados mortais, mas quem comete só faltas veniais pode dispensar a confissão?
        
M. — A confissão, meu caro, é muitíssimo útil, também para aqueles que só cometem culpas veniais, porque, mesmo quando ela não é indispensável para obter o perdão, é sempre o melhor meio para apagar as faltas.
D. — Desculpe, Padre, mas há muitos outros meios para cancelar os pecados veniais: as orações, as esmolas, a água benta por exemplo.
         
M. — É verdade; e estes remédios chamam-se "sacramentais", mas operam só ex opere operantis, ou seja, na medida, quase sempre bem diminuta, da devoção de quem os recebe, enquanto que, a confissão opera, ex opere operato, isto é, por si mesma, em virtude dos méritos de Jesus Cristo, por essa razão remite todas as faltas de modo mais seguro.
D. — Então, também no que diz respeito aos pecados veniais, que são no entanto matéria livre, isto é, que se podem ou não confessar, a confissão é a melhor cura e a mais certa?
         
M. — Justamente. E não é só isso: a confissão não só remite os pecados e nos dá a vida eterna, como também nos remite toda, ou parte da pena temporal que pode ainda restar.
D. — Deveras?
         
M. — Isso é verdade de fé, por conseguinte devemos acreditá-lo sem duvidar. Sim, a confissão remite cada vez uma, duas, três e quem sabe lá quantas páginas da pena temporal, que pode, dessa maneira, ser completamente esgotada; é justamente o que nos ensina Santo Tomás doutor da Igreja: "Quanto mais nos confessamos, tanto maior é a porção da pena temporal remetida..." razão pela qual pode acontecer que, à força de nos confessarmos, nos seja remetida toda e qualquer pena.
D. — Mas esta Padre, é a indulgência das indulgências...
        
M. — Assim mesmo, esta é a indulgência das indulgências para nós que não gostamos de penitências e que, por isso, corremos o risco de chegarmos à morte ainda com toda, ou quase toda a pena temporal por descontar nas chamas terríveis do purgatório. Acertemos pois nossas contas com a Justiça Divina enquanto ainda é tempo, mediante a confissão freqüente.
Conta-se que duas religiosas, muito devotas das almas do purgatório, tinham prometido uma à outra, que a sobrevivente faria abundantes orações para a que morresse antes. Depois da morte de uma delas a outra, fiel à promessa, deu-se toda a oração, penitências e jejuns pela alma da companheira. Mas qual não foi a sua surpresa quando, logo no terceiro dia depois do enterro, a morta, com o semblante calmo e delicioso, toda sorridente, apareceu para lhe dizer:
— Não se aflija por mim; eu já descontei tudo!
          — De quê modo?
          — 
Com as confissões freqüentes e sinceras feitas durante a vida.
Conta-se também o fato de um religioso que, tendo morrido de repente, quase de improviso, deixou os seus irmãos muito apreensivos, com muito medo pelo que podia acontecer à sua alma. O superior deu logo ordens para que se fizessem por ele grandes sufrágios e se celebrassem muitas Missas. Depois de poucos dias apareceu ele a um irmão e disse:
— Irmão Bernardo, Irmão Bernardo, diga ao Padre que agora chega, eu mesmo, durante a vida, pensei no resto com muitas lágrimas derramadas frequentemente aos pés do confessor.
D. — Mas o senhor sabe, Padre, que estas coisas me convencem e aumentam o meu amor à confissão freqüente?
         
M. — Se assim fosse com você e com os outros!... A confissão é ainda um tesouro muito escondido para muitos, e um benefício por demais ignorado. Até aqui, porém, só consideramos uma parte dos benefícios enormes que a confissão traz consigo. Há muitos outros ainda, inegavelmente superiores em número e beleza.  
D. — Oh, continuemos a explorar essa mina de ouro e de pedras preciosas, que eu antes não conhecia.
        
M. — A confissão é o Sacramento Milagre, o maior remédio; pois bem, esse remédio, não só destrói o pecado e livra a alma da enfermidade, como traz também as maiores vantagens. Antes de tudo restitui os bens perdidos com o pecado mortal.
D. — O que perde um cristão quando comete um pecado mortal?
       
M. — Quando um cristão comete um pecado mortal, dissipa um patrimônio cuja importância não há cifra que exprima. Perde "a graça de Deus". Essa alma cai morta, como uma pomba, ferida pelo caçador. Perde "os méritos adquiridos para o Paraíso". Fica como uma vinha abatida e devastada pela tempestade. Perde "a capacidade de merecer para a vida eterna". Fica como um mísero mutilado, incapaz de ganhar seu pão.
D. — E com a confissão, entramos de novo em posse de todos esses bens?
         
M. — Sim, mediante a absolvição sacramental, tornamos a entrar em posse de tudo: e para que aqueles que, por não ter pecados mortais, não venham a "lamentar essas perdas", a mesma absolvição aumenta muito o valor e o número dos méritos e das riquezas de que a alma já é possuidora.
 D. — Sabe, Padre, isto consola-me e me enche o coração de esperança!
          
M. — Oh! sim! Abri o coração à esperança, vós todas, pobres almas que vos debateis no barro de vossas culpas de todos os gêneros e gemeis, ao vos lembrardes do vosso passado.Levantai bem alto o coração, porque mediante essa cura sacramental, vos prometem que podeis recuperar a ‘‘beleza e integridade do batismo”.
É digno de nota o que se conta sobre um noviço dominicano. Uma noite, tendo adormecido ao pé do altar, ouviu uma voz que lhe disse: "Vai e raspa de novo com dor a tua cabeça". Quando o jovem acordou, pensando no sonho teve a idéia de que Deus queria aludir à confissão. Correu logo aos pés de São Domingos, e fez uma dolorosa confissão de todas as suas culpas. Pouco depois, quando foi descansar, viu descer do céu um anjo que trazia numa das mãos uma túnica muito alva e na outra uma coroa cravejada de pedras preciosas, e que, dirigindo o vôo para ele o adornou com a veste e lhe cingiu a fronte com a coroa.  
Ainda muito mais admirável é o que se lê na biografia de Santa Margarida de Cortona. Depois de convertida de grande pecadora em ferventíssima penitente, Jesus principiou a amá-la de um amor singularíssimo, tanto que costumava aparecer-lhe freqüentemente para a instruir, amparar e encher de alegria. Durante essas belas aparições, Ele costumava chamá-la com o nome de "pobrezinha". Um dia, a santa levada pela confiança perguntou-lhe:
— Senhor, porque me chamais sempre "pobrezinha?" Quando será que eu ouvirei chamar-me com o nome de "filha?"
         — 
Quando tiveres feito de novo uma boa confissão, geral e dolorosa, de todas as tuas culpas.
Bem podemos imaginar que Margarida não tardou em satisfazer a Jesus. Preparou-se logo com um devoto retiro, e um exame diligente; mortificou-se e fez a sua confissão com muitas lágrimas; depois da Comunhão viu aparecer-lhe Jesus que a cobriu com um véu mais cândido que a neve, e lhe repetiu muitas vezes: minha filha! minha filha!Assim o Senhor demonstra quanto lhe é agradável a confissão e como realmente Ele reveste com "a estola da graça batismal" aqueles que se tornam dignos.
D. — Agradecido, Padre: sendo assim, de agora em diante mergulharei freqüentemente neste banho salutar do sangue de Jesus, sem prestar atenção aos incômodos e ao respeito humano, para que a minha alma retome o primitivo candor!
         
M. — Muito bem! Faça isso por sua conta, e não cesse de inculcar nos outros, o amor que cada um deve ter, não só pela sua própria alma, mas ainda pela salvação dos outros. Jesus recompensá-lo-á nesta vida e na outra.

Parte XI.
Com quê freqüência?


D. — E agora, Padre, tenha a bondade de me dizer: com que freqüência é bom chegar-se à Confissão?
M. — Com a máxima freqüência possível. Os Santos foram os primeiros a dar-nos o exemplo, tanto que pode parecer exagero a freqüência com a qual se chegavam à Confissão.
Citarei alguns deles: São Francisco no seu regulamento de vida, escrevia: Confessar­me-ei de dois em dois e, no máximo, cada três dias. São Vicente de Paula confessava-se duas vezes por semana, São Felipe Néri um dia sim e outro não, e o mesmo queria que fizessem os seus religiosos. São Vicente Ferrer, São Carlos Borromeu, Santo Inácio de Loiola, São Luiz Bertrando, Santo André Avelino e muitos outros se confessavam diàriamente.

D. — Mas, Padre, isso é exagero; talvez o fizeram por passatempo ou por escrúpulo.
M. — Nada disso. Todos eles eram trabalhadores, bem longe estavam, de se deixarem dominar pelos escrúpulos. Faziam-no para se manterem numa grande pureza de consciência, e para poderem gozar das inúmeras vantagens deste Sacramento.
São Leonardo de Porto Maurício, o infatigável apóstolo italiano, depois de ter tido o belo hábito de se confessar diariamente com constância, chegando aos quarenta e dois anos, pensou em duplicar a dose e escreveu no seu regulamento particular: "De agora em diante confessar-me-ei duas vezes por dia, para aumentar a graça que espero tornar maior com uma única confissão do que com muitas boas obras, de qualquer espécie".

D. — Padre, creio que aqui podemos aplicar provérbio: o apetite vem comendo!
M. — É mesmo! Quando se trata de confissão freqüente é assim mesmo. Felizes daqueles que sentem essa fome e essa sede espiritual, enquanto que aqueles que ficarem afastados morrerão de inanição.

D. — Diga-me, Padre, esses Santos usavam esse remédio divino só para uso próprio?
M. — Pelo contrário! Inculcavam-no constantemente nos outros, e se tornavam seus dispenseiros generosos à custa dos maiores sacrifícios. S. Felipe Néri costumava pregar que, se ele estivesse com um pé no Paraíso, e se alguém o chamasse para confessar, teria voltado para ouvi-lo.
Santo Antônio pregava ao seu povo: Mesmo que eu esteja descansando venham, batam a porta, acordem-me para que eu os possa confessar. São Francisco de Sales interrompeu uma viagem para confessar um pobre velho. Quê direi então do Beato Sebastião Volfré, do Beato Cafasso, São João Borco e outros tantos sacerdotes que passavam noites inteiras no confessionário, até mesmo nos hospitais e nas prisões?

D. — Isto prova que a confissão é tudo, não é Padre?
M. — Justamente! É com isto que conseguiam sanear cidades e nações corrompidas pelos maus costumes. É por este ministério que se distinguem os verdadeiros artífices do Evangelho.

D. — Quanto a mim, Padre, quanto mais eu me confesso, pior eu fico... tenho sempre mais defeitos.
M. — Isso não é verdade! São defeitos que você já tinha e não conhecia. A confissão o ilumina para que você os deteste, os combata e os corrija. "Cada absolvição, diz-nos o admirável Santo que foi S. Francisco de Sales, cada absolvição é um novo sol que ilumina a câmara escura da consciência".

D. — Se assim é, todo o cristão devia chegar-se a confissão o mais possível. Todavia não haverá uma regra para as diversas classes de pessoas?
M.— Há sim; e é esta: Para viver uma "vida cristã" basta confessar-se tantas vezes quantas forem necessárias para evitar o pecado mortal, porque com o pecado mortal, nossa alma está morta, e não somos filhos nem apóstolos de Jesus. Para levar uma vida piedosa, o mínimo que podemos fazer é ao menos uma confissão por mês, digo ao menos porque, podendo, seria preferível que nos confessássemos mais a miúdo, não deveríamos conciliar uma devoção sincera com a negligência de um tal meio de santificação.

Para almas realmente fervorosas, que aspiram a uma união íntima com Deus, é indispensável a Confissão semanal, pois que a confissão é não só o remédio, mas também um fortificante, e precisamos freqüentá-la com curtos intervalos de tempo, afim de que o seu efeito não sofra interrupções.

D. — Padre, o que vem a ser essa união íntima com Deus?
M. — É o que os teólogos chamam de "vida íntima", o Santo Vianney, cura de Ars, a descreve assim: "A vida interior é um banho de amor no Sangue de Jesus Cristo no qual a alma mergulha e fica como afogada. Deus sustém estas almas como uma mãe sustém a cabeça de seu filho entre as mãos para cobri-la de beijos e carícias".

D. — Como são felizes essas almas! E a confissão semanal é necessária para elas?
M. — É, e não devemos deixá-la por negligência porque todos os outros meios não seriam bastantes sem constância na confissão.

D. — Padre, não seria bom se nos confessássemos até mais de uma vez por semana, como os Santos?
M. — Tratando-se de sacerdotes, respondo afirmativamente, segundo o conselho e a prática dos Santos. Sendo eles os dispenseiros quotidianos do Sangue de Jesus Cristo na confissão, quem ousaria limitar-lhes o uso?
Tratando-se de outras pessoas, contanto que não estejam em estado de pecado mortal, a melhor regra é a de se confessarem uma vez por semana.

D. — Por quê?
M. — Porque uma longa experiência nos mostrou de perto que, salvo poucas exceções, a confissão mais freqüente que de oito em oito dias, principalmente quando se trata de mulheres, não forma almas santas, ruas as torna escrupulosas e egoístas. Quem sentir maior desejo de absolvição recorra à absolvição espiritual.

D. — Absolvição espiritual?!... Eu nunca ouvi falar nisso, Padre.
M. — Entretanto, assim como há a Comunhão espiritual há também a absolvição espiritual. Nem isso deve causar-lhe admiração: se a "contrição perfeita" com o desejo da confissão, é capaz de cancelar da nossa alma os pecados mortais, também pode certamente produzir o mesmo efeito com os veniais.

D. — Assim, não é só uma absolvição por semana que podemos obter, mas quantas quisermos, mesmo mais de uma por dia?
M. — Justamente!

D. — Mas, se estivermos em estado de pecado mortal e se houver possibilidade de nos confessarmos?
M. — Então vão se confessar quantas vezes for necessário, e o mais cedo possível, quanto a mim, devo dizer que sempre me arrependi todas as vezes que adiei a confissão. Até bom que ponham em prática a conselho de São Felipe Néri e do seu digno imitador D. Bosco: "Nunca te vás deitar para dormir com um pecado mortal na alma".

Monsenhor de Ségur conta que um menino tinha justamente prometido a Jesus que nunca haveria de ir dormir com pecado na alma. Ora, aconteceu que, tendo ele um dia cometido um pecado, quis cumprir a promessa. Apesar de ser já noite, criou coragem, foi confessar-se e voltou agradecendo a Deus de coração pelo que fizera. Bom para ele Assim que se deitou adormeceu e, dormindo sonhou com Jesus e Maria Santíssima; ouviu as melodias celestiais e voou, voou pelo espaço infinito do Paraíso. De manhã, sua mãe, vendo que ele demorava muito para se levantar, foi acordá-lo; chamou-o e ele não respondeu, sacudiu-o e ele não se mexeu. Estava morto! E, no seu rosto, cândido como um lírio brilhava a auréola dos santos!

D. — Feliz criança! A confissão livrou-a do pecado e do inferno.
M. — Justamente! Podemos pois chegar à conclusão de que, se a confissão é muitas vezes penosa, o seu fruto é sempre doce e suave, que a inocência, a castidade, a felicidade, o dever, a vida cristã e por conseguinte a verdadeira alegria e a paz, são frutos da confissão freqüente; que da mão direita do confessor, derivam sempre vantagens infinitas; que ela é um meio poderoso de educação e que podemos temer tudo da parte de quem não se confessa.

Um ministro inglês, desejando conhecer Dom Bosco, do qual tanto ouvia falar, e, para aprender o seu método de educação, foi para Turim e pediu licença para visitar o Oratório Salesiano, Dom Bosco acolheu-o com benevolência e acompanhou-o na visita daquela casa enorme. A maravilha do ministro aumentava à medida que atravessava laboratórios e repartições, e ele elogiava a ordem e a disciplina perfeita que ali reinava. Mas quando foi introduzido na sala enorme, onde estudavam, com a máxima seriedade, e no meio do mais perfeito silêncio, mais de quinhentos jovens, vigiados somente por dois seminaristas, a surpresa transformou-se em estupor e, virando-se para D. Bosco exclamou:

— Senhor Abade, não sabe que isto é um espetáculo magnífico? Diga-me, por favor, qual é o seu segredo para obter tanto silêncio e tanta disciplina?
— Senhor Ministro, respondeu Dom Bosco, o meu segredo não serve para os senhores.
— E por quê?
— Porque pertence aos católicos, e os senhores são protestantes. O meu segredo é a confissão freqüente e semanal.
— Sendo assim, falta-nos realmente esse poderoso meio de educação; mas não o poderíamos suprir por outros?
— Eh! não! Quando não se usa esse elemento de religião, é preciso recorrer à bengala.
— Então, Padre, ou bem a religião, ou bem a bengala?
— Sim, ou religião ou bengala.
— Muito bem, muito bem! Ou religião, ou bengala: compreendo, quero contar isso em Londres.


Ângelo Brofferio, grande advogado e insigne poeta piemontês, tendo perdido a velha e fiel criada, tomou a seu serviço uma moça de vinte anos, natural de Castelnuovo Calces, sua pátria. Depois de poucos dias, a empregada chega-se ao patrão, e chorando lhe diz:

— Desculpe-me, patrão, mas eu não posso continuar trabalhando para o senhor.
— Por quê?
— Porque o senhor não é muito de Igreja e naturalmente não me deixará assistir à Missa nos dias de festa e nem tão pouco que eu me confesse.
— E quem foi que lhe disse isso?
— Todos o dizem, fornecedores e inquilinos.
— Pois bem, você ficará trabalhando aqui e irá a missa todas as manhãs e irá confessar-se todos os domingos, porque acho que tudo se pode esperar de quem se confessa.

D. — Então, Padre, mesmo os que não são católicos praticantes acreditam na confissão e a exaltam?
M. — É justamente o que acontece!

D. — Mas por quê não fazem uso dela então?
M. — Porque têm medo de serem vencidos por ela. Eles sabem muito bem que a confissão é a varinha mágica, o anel encantado que faz prodígios, sabem que seria a alavanca poderosa que os levantaria acima dos vícios nos quais estão submersos, e justamente por isso a exaltam, mas fogem dela.

D. — Coitados! São como os doentes que se recusam a sarar de pena de deixar o hospital.
M. — Aqui, porém, não se trata de hospital, mas do perigo, da quase certeza de uma morte má, de um inferno eterno.

Falando nisso, lembro-me da anedota do menino teimoso:
Dois irmãozinhos foram mandados à escola para aprender a ler. O professor recebeu­os com carinho e, começou pelo primeiro, fazendo-o repetir o alfabeto. Quando o pequeno acabou, elogiou e lhe deu um prêmio pela lição bem recitada. Preparou-se em seguida para fazer o mesmo com o segundo, e, com o livro na mão disse-lhe: "Vamos, agora é a sua vez". O rapazito olhou de esguelha para o professor e não abriu a boca. “Vamos diga a, você quer que pensem que seu irmão é mais aplicado do que você”? Será que é tão custoso dizer: a? O menino continuou mudo. "Por favor, não me faça perder a paciência, do contrário, logo no primeiro dia as coisas acabarão mal".

Foi tudo inútil: nem prêmios, nem ameaças, nem promessas, nem castigos, conseguiram induzir o cabeçudo a proferir uma única sílaba. Mais tarde, quando interrogado pelos colegas sobre a razão de teima, explicou: "Se eu disser a, tenho que dizer b e depois c e aprender a ler, e a escrever, e depois vem a gramática e outras tantas complicações de ciências, e essa embrulhada não acabará senão no fins de muitos anos".

D. — Ah! que espertalhão. Nem queria começar para não ter que continuar!
M. — É assim mesmo! E no nosso caso então!
Quantos são aqueles para os quais é um aborrecimento começar a viver como bons cristãos, pela simples e única razão que, uma vez começado, é preciso continuar. E assim os coitados, vivendo numa espécie de Paraíso aqui na terra, deverão, depois de poucos anos, apresentar-se diante de Deus com as mãos vazias, e, o que ainda é pior, com a alma carregada de pecados, de remorsos e talvez até de escândalos, pelos quais serão condenados eternamente!

Parte XII.
Escolha importantíssima

D. — Padre, estou admirado com tantas coisas bonitas que ouvi até agora sobre a confissão, porém, para dizer a verdade, de minha parte, apesar de me confessar freqüentemente há já alguns anos, quase não percebi esses efeitos admiráveis e extraordinários.
M. — E você quer saber por quê? Porque aqui, como em qualquer outro trabalho, há modos diferentes de fazer as coisas. Isto é, não basta confessar-se com freqüência, de qualquer jeito e com qualquer confessor, é preciso escolher um verdadeiro pai e confessar-se com ele humilde e devotamente, comportando-se como verdadeiros filhos.

D. — Então é importante saber escolher um bom confessor?
M. — É importantíssimo! Assim como, para os nossos negócios, nós escolhemos pessoas de maior confiança, assim também é preciso fazer quando se trata da escolha de um confessor; a ele devemos confiar a santificação e a salvação de nossa alma, o que é bem mais importante do que os outros interesses.

D. Bosco conta como foi bom para ele o ter encontrado quando moço, na pessoa de D. Calosso, o seu primeiro Diretor espiritual, e nas suas Memórias escreve: "Cada palavra, cada pensamento, cada ação, era-lhe prontamente referida... Desse modo, ele podia guiar-me com fundamento no caminho do temporal e do espiritual, e eu conheci então o que significa um verdadeiro guia estável, um fiel amigo da alma".

D. — Padre, os que vão à procura de um confessor indulgente procedem mal?
M. — Muito mal! Agem ainda pior do que os doentes que procuram um médico caridoso, ou melhor, cruel, que os engane. Você se lembra daquele infeliz que anda pelo inferno gritando: "Eu estou condenado por não ter deixado a ocasião de pecado, e este que me carrega nas costas é o meu confessor, que me absolvia apesar de eu ser indigno?"

D. — Lembro-me muito bem! O senhor não quererá dizer com isso, que não se possa trocar de confessor?!
M. — Apesar de ser coisa excelente e muito aconselhável ter-se um confessor fixo, digo-lhe todavia:
1) Que não importa se o trocarmos cada vez que as circunstâncias o exigem;
2) Que convém trocá-lo de vez em quando, por ocasião de exercícios, missões, e outras festas como estas;
3) Que devemos trocá-lo quando Jesus nos mostrar ser essa a sua divina vontade;
4) Antes trocá-lo cem vezes do que cometer um sacrilégio, ou por medo, ou por vergonha, ou por qual outro motivo.

D. — Padre, a escolha do confessor é livre?
M. — É das mais livres, mas deve ser a mais ajuizada. Só um santo pode formar santos. Achado o padre, ou seja, o confessor que nos convém, devemos abrir-lhe de par em par todas as portas do nosso coração, para que nos possa conhecer bem e, pouco a pouco, cortar e extirpar com seus conselhos ou proibições, tudo o que houver de ruim na nossa alma. Tal trabalho, porém, seria impossível, sem a máxima confiança e docilidade.
Para o conseguirmos são necessárias três coisas:
1) Viva fé em quem o confessor representa, ou pensar e crer que representa o próprio Jesus;
2) Grande pureza de intenção, ou seja, não ter outro desejo senão o de se santificar;
3) Vontade sincera de se emendar, e isto, mesmo à custa de sacrifícios.

D. — Padre, tenha a bondade de me explicar estas coisas, uma de cada vez. Antes de tudo, quem é o confessor?
M. — O confessor é o homem externo e visível sob o qual Jesus se oculta. É o instrumento divino, pelo qual Deus quer dar-nos o seu perdão, fazer-nos ouvir os seus conselhos e conhecer as suas proibições. É como uma ponte de ouro pela qual nós vemos a Jesus e Ele vem a nós.

D. — Então, Padre, não é só na pessoa do confessor que devemos reparar?
M. — Assim como, quando recebemos a água nem sequer pensamos no tubo ou no canal que a traz da colina ou da montanha, assim também não devemos reparar na pessoa do confessor, no "homem", mas em Jesus, que é o único de quem esperamos a nossa santificação.

Um dia, perguntou-se a alguém: "Quê diferença há entre Jesus e o teu confessor?"
— Nenhuma, respondeu sem hesitação.
E disse bem, porque o mesmo Jesus, que, para que o possamos comer na Comunhão, se veste com as espécies sacramentais da hóstia, toma a forma do nosso confessor para se tornar nosso médico.

D. — Isso quer dizer, Padre, que, como não reparamos na espécie do pão quando recebemos a Comunhão, mas pensamos unicamente em Jesus, devemos pensar só em Jesus oculto no sacerdote, quando nos confessamos?
M. — Isso mesmo!

D. — E agora, por favor, o quê quer dizer: pureza de intenção?
M. — Quer dizer que, quando nos vamos confessar não devemos pensar senão no bem de nossa própria alma. Devemos pois suprimir toda e qualquer idéia de vaidade, de interesse material, todo e qualquer medo do que o confessor, possa pensar ou julgar de nós. O confessor, que representa Jesus Cristo, nunca deixará de nos estimar, nunca ficará mal humorado, seja qual for a confidência que se lhe fizer: Pelo contrário, a sua estima, e seu interesse, serão sempre maiores por aquele que, animado por maior boa vontade, usar de maior sinceridade e simplicidade nas coisas mais humilhantes.

D. — Acho que isso é natural. O confessor é como o médico, que cura com mais amor os doentes que conhece melhor, e os que têm nele maior confiança. Finalmente, o que significa vontade sincera e instante, Padre?
M. — Significa que não devemos proceder como as crianças inexperientes e caprichosas, que querem e não querem, mas devemos absolutamente querer emendar-nos. Não possuem essa vontade os que, com palavras querem tornar-se bons e santos, mas não querem que isso lhes custe esforços e fadigas, aqueles que, só de pensar em mudar de vida, sentem-se aborrecidos e não querem ouvir toda a verdade.

D. — Esses são como os doentes que não querem ouvir falar de cortes quando a sua doença já é gangrena, não é, Padre?
M. — Justamente! E por falar em doentes ouça o que eu vou contar:
Um senhor meio caprichoso caiu gravemente enfermo. O médico chegou, e depois de tomar o pulso disse ao doente:
— Meu amigo, a febre é valente; preciso tirar-lhe um pouco de sangue.
— Tirar sangue? Eu queria mais é injetá-lo nas veias e o senhor fala em tirá-lo?
— Então, tome um purgante.
— Um purgante? Isso nunca! Eu não quero estragar o meu estômago.
— Nesse caso faça uma dieta rigorosa.
— Qual dieta, qual nada! Eu preciso é de me fortificar e não de me enfraquecer.
— Feche aquela janela, um golpe de ar seria o suficiente para mandá-lo para o outro mundo.
— Mas doutor, o senhor quer fazer-me morrer asfixiado?

"Não! não..." Que me diz desse doente?


D. — Digo que é louco e que quer morrer.
M. — Pois bem! Assim como para sarar é preciso confiar na experiência e decisão do médico, assim também, para nos emendarmos e nos santificarmos, é indispensável que nos abandonemos nas mãos de um bom confessor; e devemos nos comportar com ele com a máxima confiança e docilidade.


D. — E será possível achar tal confessor, Padre?
M. — Por que não, se o pedirmos a Deus com a oração e com a humildade?! Jesus está sempre à disposição de quem o procura de boa vontade. Do mesmo modo que fez com que Madalena o encontrasse na chácara disfarçado em chacareiro, fará com que o encontremos na Confissão, na pessoa do Confessor.


D. — O senhor me enche de coragem, Padre, e eu vou começar desde já a procurar um confessor que seja um Jesus disfarçado.
M. — Porém, se isso não fosse inteiramente possível, devido à escassez de sacerdotes, seu confessor seja aquele que, provavelmente o confessará na hora da morte, tenha sempre confiança nele, cada vez, como se você estivesse realmente em ponto extremo. Por falar nisso, ouça o que se lê na história da vida de Dom Bosco, que foi publicado no "Boletim Salesiano" de Setembro de 1922:

Um dia, foram chamar Dom Bosco para um jovem, que freqüentava assiduamente o Oratório, e que estava muito mal. Dom Bosco estava ausente: voltou a Turim só dois dias mais tarde, e foi somente às quatro horas da tarde do dia seguinte que pode ir à casa do enfermo. Quando chegou, viu pregados às portas, os panos negros de praxe, com o nome do rapaz que ele vinha visitar. Apesar disso D. Bosco subiu para cumprimentar e confortar os desditosos pais. Achou-os em pranto e soube por eles que o filho morrera naquela mesma manhã. Pediu que o introduzissem no quarto do morto para poder vê-lo ainda uma vez. Um criado conduziu-o. Entretanto - conta D. Bosco — passou-me pela cabeça a idéia que o rapaz não estava morto; aproximei-me da cama e chamei-o pelo nome: Carlos! Então ele abriu os olhos e me cumprimentou com acento de profundo espanto: — Óh Dom Bosco! O senhor me despertou de um pesadelo amedrontador! — Ao som daquela voz, várias pessoas que estavam no quarto fugiram aterrorizadas, aos gritos, derrubando velas, o rapaz no entanto continuava a dizer: —Eu tinha a impressão de que me empurravam para uma caverna escura, tão estreita a abafada, que eu me sentia sem fôlego. No fundo, num espaço mais vasto e melhor iluminado, grande número de almas eram submetidas ao juízo: e eu via, com terror sempre crescente, que muitas delas eram condenadas. Chegou por fim a minha vez eu já estava para ter a mesma e horrível sorte, por ter feito mal a minha última confissão, justamente no momento em que o senhor me acordou.
Enquanto isso os pais do rapaz, sabendo que ele estava vivo, tinham chegado, alegres e felizes. Ele os cumprimentou afetuosamente, mas logo lhes disse que não deviam ter esperanças de que recuperasse a saúde. Abraçou-os e beijou-os, e contou à D. Bosco que, por infelicidade, tinha cometido um pecado que — ele bem o sabia — era mortal e, que tinha firme vontade de se confessar. Para esse fim, sentindo que o mal piorava, tinha mandado chamar Dom Bosco, mas como o não tinham encontrado, lhe haviam trazido outro padre, um desconhecido, ao qual não tinha tido coragem de contar a falta cometida.
Deus quis mostrar-lhe como, por causa de uma confissão sacrílega, tinha merecido o inferno.
Confessou-se, portanto com sincero arrependimento e vivo pesar e, recebida a absolvição, fechou os olhos e expirou serenamente.
Como você pode ver, a confiança é indispensável para uma boa confissão.

D. — Mas qual será a pessoa que quer ir para o inferno, por causa de um pouco de medo, de um pouco de vergonha, que, por fim se transforma numa consolação muito grande?

Parte XIII.
Confiança no confessor


D. — Padre, como deve ser a confiança no confessor?
M. — Deve ser ingênua, sem inquietação ou duplicidade. Em outras palavras, devemos, abrir-lhe o nosso íntimo sem reserva alguma, devemos agir justamente como as crianças que sentem a necessidade de dizer tudo aos que procuram a sua felicidade.

D. — O que significa abrir-lhe o nosso íntimo?
M. — Significa que devemos contar-lhe tudo, os pecados, os defeitos e as más inclinações, quando prejudicam a consciência, seja quanto ao passado, seja quanto ao presente.
O demônio, diz santo Inácio, age com os incautos como os jovens dissolutos com as moças tolas que querem seduzir. Temem que as infelizes contem aos pais as palavras, as confidências, os dizeres argutos que usam. Assim o demônio emprega toda a astúcia possível para que não demos a conhecer ao confessor as suas artimanhas e os seus enganos..

D. — O demônio teme essa nossa confiança, por que ela corta todos os seus laços e descobre todos os seus enganos: não é verdade, Padre?
M. — Justamente! E para sufocá-la ou diminuí-la enche as almas de dúvidas, temores, suspeitas, desconfianças contra o próprio confessor. É preciso, portanto, ter coragem e mostrar ao padre até essas insídias e tentações da nossa alma.

D. — Mas o confessor não se aborrecerá com essas misérias?
M. — Cada um tem o direito de manifestar o que interessa à própria consciência e por isso a confiança deve ser ilimitada sem reservas salvaguardando sempre duas coisas: a caridade para com o próximo e o respeito pelo confessor.

D. — Padre, os tais que deixam de confessar-se, ou então se confessam de quando em quando, porque têm medo de não saber dizer tudo e bem, como desejariam, fazem mal?
M. — Fazem muito mal! E nas mesmas condições estão os que querem lembrar-se de tudo, querem compreender tudo, saber explicar tudo, e, por não serem capazes ficam inquietos e angustiados. Quando fazemos tudo o que está ao nosso alcance. Deus pensará no resto.

D. — E o confessor também, não é?
M. — Certamente! Nós nos apresentamos a um Pai, o qual saberá interpretar e até mesmo adivinhar o que não estamos em condição de bem lembrar, compreender e explicar. Ele saberá interrogar-nos convenientemente e nos ajudará do melhor modo.

D. — Quê diremos, Padre, dos que não gostam de ser interrogados?
M. — É preciso dizer que sabem que estão doentes e não desejam ser curados, por conseguinte nunca poderão sarar.

D. — O que significa sem inquietação ou duplicidade?
M. — Significa que a confissão deve ser feita sem artifícios ou rodeios. Faltam a isso as pobres almas que, impelidas de um lado pela necessidade de manifestarem-se inteiramente, e do outro pelo medo de falarem demais, procuram um meio termo.Recitam exórdios estudados, recorrem a expressões gerais, abstratas, vagas, acusam-se e desculpam­se, dizem e negam, de modo que o pobre confessor acaba não entendendo nada.

D. — Quanta miséria! E para que esses rodeios?
M. — Porque têm medo de sair perdendo, de se desonrarem, nem eu sei como. Coitados, não sabem que são justamente a espontaneidade e a sinceridade de se dizerem culpados que predispõem o coração do Confessor à compaixão e ao perdão, enquanto que os artifícios obtêm o efeito contrário.

D. — Aqui vem o provérbio: "Quem se acusa, Deus desculpa; quem se desculpa Deus acusa", não é mesmo, Padre?
M. — Justamente! Um dia um homem chegou para se confessar com D. Bosco, justamente por timidez, em lugar de acusar os próprios pecados tratava de desculpá-los. O servo de Deus que como Santo, lia na fronte e na alma de seus penitentes, o ouviu algum tempo, mas depois, interrogando-o, perguntou amavelmente.

— Desculpe-me, mas o senhor veio para se acusar ou para se desculpar?
— Oh, Padre, para me acusar!
— Então acuse-se e diga sem mais: eu pensei assim e assim... fiz assim e assim... aconteceu isto, isso, aquilo. E assim dizendo, expôs todas as suas misérias; depois acrescentou:
— Queira desculpar-me; se adivinho é porque não quero que cometa um sacrilégio e vá para o inferno, desde que "a quem se acusa Deus desculpa e a quem se desculpa Deus acusa".
O coitado, muito confundido, mas mais do que satisfeito por se ver livre de tamanho peso, não acabava mais de beijar a mão de D. Bosco, e de agradecer-lhe por tê-lo tirado de tão grande atrapalhação.

D. — Mas nem todos são como D. Bosco, nem todos podem ler no pensamento e no coração.
M. — Justamente por isso é necessário confessar-se sempre claramente, sem rodeios nem desculpas, para que o Confessor possa compreender e perdoar... e, sobretudo, para que não seja enganado.
Conta-se que o Papa Gregório XVI, tendo ido visitar a penitenciária de "Civitavecchia", perguntava a cada um dos condenados o motivo pelo qual se achava ali. Todos, naturalmente, respondiam:
— Por nada, Santidade... Foi uma injustiça... Nós estamos inocentes! Finalmente encontrou um que, todo choroso e muito humildemente, respondeu:
— Ah! Santidade... Eu sou um miserável... Culpado de crimes infames... justamente condenado... O Papa, então voltando-se para o diretor da penitenciária, disse:
 O lugar deste bandido não é no meio de tantos inocentes. Tire-o daqui e mande-o para casa.

D. — Ótimo! Viva a sinceridade! E agora, Padre, diga-me, eu ouvi dizer que a confissão deve ser breve, em que consiste essa brevidade?
M. — Consiste em começar sem mais nada pelas coisas importantes; depois, sem temor de que o confessor conheça ou compreenda demais, devemos passar pouco a pouco para as coisas menores, sem hesitação ou interrupção.

D. — Nesse caso, enganam-se os que medem o valor da confissão pela duração da mesma, e acreditam que, tanto maior o tempo passado no confessionário, tanto mais bem feita a confissão?
M. — Enganam-se, porque há confissões ótimas apesar de muito breves e há confissões de pouquíssimo valor apesar de durarem muito. É sempre breve a confissão em que não se diz nada de inútil; e é sempre muito longa aquela em que se diz mesmo uma única palavra inútil ou inoportuna. Assim dizem os Santos.


Parte XIV.
Docilidade para com o confessor


D. — Padre, devemos, além do mais, ser dóceis para com o Confessor.
M. — Tudo o que foi dito quanto à confiança, pode aplicar-se ao que diz a respeito á docilidade; em outras palavras, devemos crer no Confessor, ter confiança nele, deixar que nos julgue, pôr em prática as suas ordens, proibições e conselhos.

D. — Padre, alguma vez acontece que o Confessor diz: "basta, eu compreendi". E então?
M. — Então, devemos calar-nos no mesmo instante e passar a falar de outra coisa.

D. — Mas se temos a impressão de não ter dito tudo!
M. — Quando o Confessor fala assim, é sinal de que, desde as primeiras palavras, teve a intuição do estado da alma e pôde conhecer o que ainda não dissemos ou que não soubemos explicar.

D. — Portanto, não fazem bem os que, quando o Confessor os interrompe, ou para fazer uma pergunta ou para pedir uma explicação, no lugar de prestarem atenção no que ele lhes diz, pensam nas faltas ainda não confessadas para não as esquecerem?
M. — Não, não fazem bem. Devemos prestar toda a atenção ao Confessor, mesmo que seja para esquecer as culpas que ainda não foram ditas, estas poderão ser acrescentadas mais tarde, quando o Confessor nos convidar a fazê-lo.

D. — E se as esquecermos?
M. — Se isso acontecer paciência. Confessá-las-emos nas confissões seguintes.

D. — E tal confissão é considerada bem feita?
M. — É, porque quando, sem ser propositalmente, omitimos uma ou mais faltas, mesmo graves, a confissão vale igualmente, e podemos ir para a Comunhão, até diariamente; somente ficamos obrigados a confessar as culpas esquecidas na primeira vez que voltarmos a Confissão.

D. — Padre, todos indistintamente, mesmo os mais instruídos do que o Confessor, devem-lhe atenção e obediência?
M. — Sim, todos, porque devem lembrar-se de que quem fala naquele momento é Jesus, oculto na pessoa do Confessor.

D. — Quê me diz, Padre, dos que pretendem, todas as vezes, longas explicações, sermões e muitos palavras bonitas?
M. — Tal pretensão é uma vaidade. O confessionário não é um púlpito, nem uma cátedra escolástica. Mas, se o Confessor achar necessário uns conselhos ou umas explicações, devemos prestar-lhe toda a atenção. E que não lhes aconteça o mesmo que a um menino que, enquanto o Confessor falava, ia contando os furinhos da portinhola, e, em certo ponto exclamou: — "Cento e dois, Padre!" — Ou então o que aconteceu com uma velhinha que adormeceu no confessionário e obrigou o confessor a sair para acordá-la.

D. — Diga-me mais uma coisa, Padre, é preciso também acreditar no Confessor?
M. — Certamente. Como o Confessor pelo seu ofício tem a obrigação estrita de acreditar no penitente, e só no penitente, quando se trata do que ele lhe confia assim o penitente é obrigado a acreditar candidamente no confessor; e no entanto, muitas vezes se dá o contrário. Não são poucos os que, se na hora confiam plenamente o seu coração ao Confessor para receberem o remédio e o conforto, não pensam depois em recolher o fruto dessa confiança. Muitas vezes o Confessor diz a um penitente:

— A causa do seu mal é aquela certa coisa, ou aquela pessoa, ou aquela ocupação, ou aquele lugar, etc. E o penitente:
— Oh, não! Aquela coisa, aquela ocupação, aquela pessoa é necessária para mim... Não posso passar sem ela. A um outro diz:
— Tome cuidado que aquela leitura, ou aquele passa-tempo, ou aquela relação é perigosa... E o penitente:
— Nunca, Padre; eu sei o que faço... tenho juízo... A um terceiro diz:
— Aquela aversão, ou aquele ciúme, ou aquela inveja lhe prejudica. E o penitente:
— Mas Padre, são os outros que me odeiam, que me invejam...
E assim, vai-se recusando a correção, como se o fato de não se querer ser doente, bastasse para ser são.

D. — Não é assim que se procede com o médico do corpo, não é Padre?
M. — Pelo contrário, cremos nele cegamente, renunciamos logo à nossa opinião, na escolha da cura e dos remédios seguimos à risca o que ele receita.

D. — E por que com o médico espiritual não usamos da mesma docilidade?
M. — Não sei, é um mistério. Com outros penitentes dá-se o contrário. O confessor diz-lhe, por exemplo: Não pensem mais na vida passada, não confessem mais tais pecados ou então não façam caso desses temores, dessas dúvidas, não se preocupem com tais tentações.

Com palavras assim tão claras, com afirmações tão precisas, deviam ficar plenamente seguros e tranqüilos, mas não! Vão repetindo: de certo eu não expliquei bem... O confessor com certeza não me compreendeu... Talvez eu não sinta o devido pesar... e não percebem, essas pobres almas, que, continuando assim, viverão sempre inquietas.
Uma senhora, dessas como há muitas, vai ao médico para expor-lhe uma fileira de doenças. O doutor, depois de ouvi-la pacientemente, acaba por receitar-lhe uns pós para serem tomados em horas certas. A boa senhora não parece muito satisfeita, contudo, vai à farmácia, manda aviar a receita, espera por ela, paga e vai para casa. Ali chegando, em lugar de tomar sem mais o remédio, diz consigo mesma: E se o médico não tiver compreendido bem? Se eu não tiver explicado claramente o que sinto?!... E se a receita não for exata?!... Eu tive a impressão de que o farmacêutico estava hesitante!... E se ele, por acaso, tivesse errado a dose?! Ai de mim!... Estaria tudo acabado... Eu, tomar esse pozinho? Nunca!

Na manhã seguinte vai a outro médico, torna a contar a história dos seus males, desta vez com maior cuidado e precisão. O médico ouve com atenção, e depois receita uma poção para tomar às colheradas. A senhora agradece, paga e sai apressada. Chega a uma farmácia, apresenta a receita e, depois de servida, volta toda satisfeita para casa. Mas, antes de tomar o remédio, torna a cogitar e diz: — Como é que o outro receitou um pó e este um líquido? Por ai já se vê que não estão de acordo, que não conhecem suficientemente a minha doença, que provavelmente receitam ao acaso... e eu tenho que ser a infeliz vítima da ignorância deles?! Não, isso não! E guarda o remédio, resolvida a não tomá-lo porque está convencida de que lhe causará a morte.

No entanto, vai consultar um terceiro médico, e repete a mesma cantoria dos dias precedentes, sempre com maior exatidão e abundância de detalhes precisos. Este também a ouve com muito interesse e depois receita umas pílulas para serem tomadas de manhã e à noite. A doente, convencida de que encontrou quem é realmente capaz de curá-la, corre a um terceiro farmacêutico e retira as pílulas. Mas, chegando em casa, o caso foi ainda pior do que das outras vezes. — Por que é que tenho que tomar pílulas, e não o pó? e por que não o líquido? Os médicos não sabem nada. Será que eu tenho mesmo que morrer, sem achar quem me compreenda? Pobre de mim!

E ela se aflige, chora, de tal modo desesperada, que causa dó, nem criados, nem vizinhos, nem amigos, e todos que a conhecem não conseguem consolá-la e persuadi-la. Ela não ouve nada, segundo a sua opinião, ninguém a compreende, ela tem que morrer. Coitada:os seus males são mais imaginários do que reais.

D. — Coitada! Daria vontade de chorar, se não fosse tão cômico.
M. — Pois bem, igualmente infelizes são os penitentes que não se querem adaptar: não querem ser dóceis para com o confessor, nem acreditar nele cegamente, no que diz respeito ao que interessa à alma.

D. — Quando o confessor se responsabiliza pelas coisas da nossa consciência, é sinal que conhece o nosso íntimo, e sabe avaliar melhor do que nós nossas próprias misérias, tal como um médico, depois de cuidadosas visitas, conhece melhor do que nós nossos males; não é mesmo Padre?
M. — "Justamente! Como pode alguém pensar que ele queira ir para o inferno por querer tirar de lá os outros?

D. — Isso também não!
M. — Pois então, assim como acreditamos no médico, acreditemos no confessor.Só a alma que renuncia à opinião própria e aceita ingenuamente da parte do confessor, seja a correção, seja o conforto, poderá sentir-se sempre tranqüila e segura.

Parte XV.
Obediência ao confessor, respeito e gratidão.


D. — Padre, e da obediência ao Confessor o senhor não diz nada?
M. — A obediência ao confessor é virtude tão necessária ao proveito da alma, que se ela faltar ou for defeituosa, todos os esforços serão inúteis. Ela, diz o Beato Cafasso, não conhece nem inferno, nem purgatório, mas só o Paraíso.

D. — Em quê consiste essa obediência?
M. — Consiste em estar-se sinceramente disposto a fazer, omitir tudo e logo, o que o Confessor mandar.

D. — Dizer é fácil! Mas quando não se consegue?
M. — Quanto a conseguir, isto é questão de tempo e depende da graça de Deus, o qual dará o seu auxílio em proporção aos esforços e à obediência de cada um. Ninguém fica santo em um dia! O Confessor sabe disso, e não perde a coragem, apesar das caídas repetidas, certo de que dentro de um tempo - mais ou menos breve — ele e o penitente serão consolados pelo êxito mais satisfatório.
Você se lembra que São Felipe Néri trabalhou durante mais de um ano ás voltas com a alma daquele rapaz, sujeito a pecados de impureza, e conseguiu curá-lo inteiramente e fazer dele um anjo de pureza, só com a imposição de voltar á confissão a cada recaída?

D. — Lembro-me muito bem! De modo que, Padre, não convém ficar desgostoso nem desanimar quando não se consegue logo essa obediência?
M. — Pelo contrário; convém humilhar-se sempre mais e renovar confiante os bons propósitos. Esta é a história de quase todos os santos célebres que afinal eram feitos de carne e osso como nós e sujeitos ás mesmas misérias.

D. — Padre, encontram-se almas dóceis como crianças para com o confessor?
M. — Encontram-se e não poucas, elas desejariam que a sua consciência fosse como um livro sempre aberto e um espelho sempre preso nas mãos do Confessor, afim de que ele pudesse ter e ver nelas claramente. Longe de temerem que as conheça demais, tem medo, pelo contrário, de não saberem revelar-se quanto é necessário, mas fazem isso sem inquietações nem escrúpulos. Com estas almas basta um sim ou um não, uma única palavra, e elas se fiam no que ele julga, sempre prontas para acreditá-lo e obedecer-lhe em tudo.

D. — Qual não será o prazer do pobre Confessor quando encontra essas almas dóceis e obedientes; não é Padre?!
M. — Elas são como místicos oásis no meio do seu trabalho duro e monótono, sem as quais, dizia o Santo Cura de Ars, ele não poderia suportar a sua vida quase que exclusivamente devotada ao confessionário.

D. — Mas esses resultados requerem um tempo muito longo?
M. — Para as almas constantes e de boa vontade bastam poucos meses e mesmo poucas semanas. O contrário se dá com as almas que, mesmo sendo boas e bem intencionadas são cegadas pelo amor próprio, e teimosas nos seus ideais. Com essas obtém­se o mesmo resultado que o professor, quando tem que repetir todos os dias as mesmíssimas coisas aos alunos, sem nenhum proveito.

D. — Quais são essas almas tão pouco afortunadas?
M. — São as que, mesmo se capazes de se abrirem ao Confessor, não o fazem candidamente como dissemos. São as que discutem frequentemente com ele para desviar o curso da conversa. São as que exigem argumentações mais persuasivas, sermõezinhos elegantes para acabarem concluindo como bem lhes parece. Eis aqui uma amostra de certos diálogos, não muito raros por infelicidade, durante os quais o confessor é posto a provas bem duras:
Uma senhora acusava-se de ser um tanto arrogante e soberba com o marido, de discutir frequentemente com ele, de não procurar agradá-lo, e mesmo de responder-lhe com maus modos etc.

O Confessor procurava persuadi-la de que a esposa deve ser humilde, paciente, dócil, submissa porque, dizia ele:

— O homem afinal é o pai da família.

E ela respondia prontamente:

— Está bem, eu compreendo, mas a mulher é a mãe.
— O homem deve ser o rei.
— Sim, Padre, mas a mulher deve ser a rainha.
— O homem deve ser a "coroa"
— Sim, Padre, mas a mulher deve ser a cruz, que fica sobre a coroa.

M. — Agora, diga-me, o que é que se pode obter de tais penitentes?

D. — Mas, Padre, essa mulher ou é louca ou então bem arrogante.
M. — Do mesmo modo arrogantes e presunçosos são os que prosseguem nos diálogos, para continuar a namorar, a freqüentar bailes, etc.. .

D. — Obrigado, já entendi plenamente. E é só o que tem a dizer a respeito do confessor?
M. — Ao confessor devemos ainda três coisas importantíssimas: respeito, caridade e gratidão. E, antes de tudo, respeito e caridade, seja quanto ao segredo da confissão, seja quanto ao modo de nos comportarmos com ele, seja quanto às nossas preces pelo seu ministério.

D. — O quê vem a ser respeito e caridade, quanto ao segredo da confissão?
M. — Quer dizer que, assim como o Confessor está ligado ao mais inviolável silêncio em torno dos segredos que lhes são confiados, o penitente por sua vez deve uma certa correspondência. Tudo quanto se passa entre o confessor e penitente forma um todo sacramental com o Sacramento da Penitência, e tudo o que diz respeito à confissão merece estima, respeito e veneração. Trata-se aqui de íntima relação com o representante de Jesus Cristo, e o abaixamento dessas relações ao nível das relações humanas, é verdadeira profanação.

D. — Então, Padre, não fica bem e não se pode falar das coisas ouvidas no confessionário?
M. — Não, não fica bem e não se pode! Tudo que um confessor diz a uma alma em seguida às suas acusações e manifestações, é um alimento e um remédio preparado grão a grão, gota a gota para ela, e não é lícito dissipá-lo e fazer dele matéria de conversações. O Confessor nunca abre a boca sobre aquilo que lhe é confiado na confissão, nem sobre as respostas que dá aos penitentes, estes por sua vez, não devem falar do que eles próprios dizem ao Confessor, nem do que ele lhes diz.

D. — O hábito de falar de tais coisas pode trazer conseqüências?
M. — Pode trazer conseqüências funestíssimas:

1) Pode ser causa de mal entendidos, isto é, fazer crer que o Confessor disse o que ele nunca pensou em dizer.
2) Pode criar para ele embaraços na direção das almas, devendo ele ocupar-se um por um, dos penitentes, sem se preocupar com outras pessoas.
3) Pode faltar à caridade para com ele, que não tem em mira senão a maior glória de Deus, e a saúde das almas.

4) Pode ser nocivo ao próprio proveito e ao dos outros, criando rivalidades, invejas, e antipatias, pode mesmo fazer nascer suspeitas sem fundamento na mente de alguns, que tendo o coração cheio de lama, não sabem avaliar as coisas santas.
Oh, quantos, pela leviandade de suas línguas comprometem o respeito devido ao Sacerdote e ao Sacramento. Eles repetem as palavras, os avisos, as interrogações do Confessor, mas, separando do resto da conversa aquelas palavras e despindo-as das circunstâncias que as tornavam necessárias, lhes dão um sentido inteiramente diferente do que tinham na confissão, tornam-se falsos e mentirosos. Que responsabilidade diante de Deus... Adotemos, portanto a regra inflexível de não falar, nem pouco nem muito, das coisas da confissão. Se você soubesse quantos desgostos e quantas humilhações causaram ao Santo Cura de Ars umas devotas de falsa consciência e de falsa piedade!...

D. — E os que falam de seu confessor, ou para criticá-lo ou para elogiá-lo?
M. — Esses também fazem mal. Devemos deixá-lo velado no seu confessionário, onde Jesus Cristo o escondeu. Se o julgarem como um verdadeiro Pai Espiritual, aceitem os seus conselhos e pratiquem-nos; se pelo contrário acharem que ele não possua todos os dotes que desejariam encontrar nele, não só podem, mas devem abandoná-lo para procurar outro, mais de acordo com os seus ideais sublimes.

D. — O quê me diz, Padre, dos que trocam frequentemente de confessor, no intento de acharem um melhor?
M. — Digo que tais pessoas são o martírio dos pobres Confessores. Chegam a impacientá-los todos um por um, continuando sempre na prática da própria vontade e dos próprios hábitos e defeitos.
Podemos aplicar-lhes a palavras do Arcebispo de Paris, falando de uma abadessa que acabou abandonando o convento, tornando-se jansenista: "Era o tipo mais completo dessas virgens, as quais, sendo puras como anjos, ficam orgulhosas como demônios".
Essas pessoas fazem como certos tipos briguentos que, à procura de um advogado que lhes dê razão, causam a própria ruína, ou como muitos doentes crônicos incuráveis que procuram um médico que, piedosamente os engane.

D. — Padre, o senhor disse que devemos gratidão ao Confessor; de quê modo?
M. — Francamente, se há quem mereça todo o nosso reconhecimento pela qualidade e o número de benefícios que nos traz, essa pessoa é o Confessor, o qual, pelo puro dever do seu ministério sagrado, gratuitamente, sacrifica suas comodidades, os próprios interesses, todo o seu ser em benefício e proveito de nossas almas.
Porém, a recompensa, ele a espera de Deus, as únicas coisas que pede a nós são a correspondência ao bem da alma e as nossas preces para ele, seja durante a sua vida, seja depois da morte. Ele leva sempre no coração apreensivo o temor de que, depois de ter salvo os outros, possa ele próprio encontrar-se entre os réprobos.

D. — Portanto, todo o nosso reconhecimento, mas nada de agarramento, não é Padre?
M. — Justamente, obediência, respeito, gratidão, mas, nenhum agarramento. Pelo contrário devemos pôr de lado tudo o que pode haver, mesmo só de imperfeito, nas relações humanas. As partes sobrenaturais nada têm de comum com a landes mundanas da terra.

Parte XVI.
Modo prático de se confessar.

Exame

D. — Padre, depois dessas coisas tão bonitas que me disse até agora sobre a confissão, tenha a bondade de acrescentar algumas palavras sobre o modo de se confessar. Tenho medo de não ser capaz e de me confessar bem.
M. — E por que esse medo? "A confissão, como a definiu o suavíssimo Papa Pio X, é a descoberta mais oportuna que Jesus soube fornecer à enfermidade humana".
Isso quer dizer que é o Sacramento mais fácil de se receber, ao alcance de todos, e que não requer condições difíceis, de modo que, todos os que têm boa vontade para fazer uma boa confissão, sempre o conseguem. Aqueles então que têm muito medo de se confessarem mal, são os que se confessam melhor, justamente por causa do medo.

D. — Devemos também rezar antes da confissão?
M. — Sendo uma verdade de fé que, sem o auxílio da graça, não nos podemos confessar bem, devemos pedir esse auxílio com a oração:
1) Avivando a fé nesse Sacramento, que é o principal meio de santificação.
2) Agradecendo a Jesus que quis dar-nos tão valioso presente à custa da sua paixão e morte.
3) Recomendando-nos à nossa querida mãe. Maria Santíssima, refúgio dos pecadores, ao nosso Anjo da Guarda, às Almas do Purgatório.

Depois disso fazemos o exame de consciência.

D. — Ah, Padre, aqui começam as minhas inquietações. Eu não sou capaz de fazer o exame de consciência: ou não me lembro dos pecados, ou então me esqueço deles quando chego ao confessionário.
M. — Vá devagar, meu caro, não turvemos a água com a aflição. Com o medo não se faz nada direito, mas, se nos aplicarmos com calma e confiança em Deus venceremos na certa.
Façamos o que nos for possível, e o Senhor suprirá ao resto; muitas vezes, é justamente quando estamos menos satisfeitos com nós mesmos que a sua satisfação é maior.

D. — Todos são obrigados a fazer o exame?
M. — Eu já vou dizendo que, se para uns o exame é obrigatório, para outros pode ser nocivo.

D. — É obrigatório para quem?
M. — Um exame sério e diligente é obrigatório:
1) Para os que cometem pecados mortais.
2) Para os que se confessam raramente.
3) Para os que, há algum tempo, não se confessam bem.
Todos esses, devendo acusar faltas graves, as circunstâncias que transformam a espécie, e também o número das mesmas, é claro que devem fazer um exame sério e cuidadoso.

D. — O quê se deve fazer para um bom exame?
M. — Para fazer um bom exame, devemos passar em revista diante da nossa consciência os mandamentos de Deus e da Igreja, juntamente com os deveres do próprio estado. Devemos examinar-nos sobre cada um deles para saber se pecamos porpensamentos, palavras, obras e omissões, tendo em mira principalmente a paixão predominante e as causas geradoras das faltas costumeiras.

Portanto, no que diz respeito ao primeiro mandamento, devemos observar se nãotivemos fé em qualquer verdade de nossa religião se tomamos parte em conversas contra a religião, ou, se prestamos atenção a elas; se lemos livros ou jornais contra a religião; se cometemos sacrilégios, fazendo más Confissões ou más Comunhões, ou desprezando coisas ou pessoas sagradas; se cometemos práticas supersticiosas, ou se participamos de alguma sessão espírita.

Quanto ao segundo mandamento, observemos se blasfemamos o nome de Deus, da Virgem ou dos Santos, ou se fizemos juramentos ilícitos.

Quanto ao terceiro mandamento, observemos se não assistimos à Missa nos dias santos de guarda, ou se não assistimos à ela com a devida atenção; se, propositadamente, faltamos ao catecismo, ou ao sermão; se fizemos trabalhos manuais ou obras servis, ou então se passamos o dia de festa em divertimentos, pagodes, botequins.

Quanto ao quarto mandamento, vejamos se não respeitamos nossos pais e superiores, faltando-lhes ao respeito com palavras, obras ou insultos; ou se os fizemos chorar com o nosso mau procedimento.

Quanto ao quinto mandamento vejamos se golpeamos gravemente, ou se ferimos alguém; se nutrimos no coração ódio a alguma pessoa; se pensamos em vingança; se lançamos imprecações ou maldições; se demos escândalo, isto é, se com palavras ou ações excitamos outros ao pecado.

Quanto ao sexto e nono mandamentos, examinemos se tivemos pensamentos ou desejos contrários à castidade, se consentimos neles ou se fomos negligentes em afastá-los; se tomamos parte em conversas escandalosas, ou se lhes prestamos atenção; se lemos livros obscenos; se cometemos atos impuros, e se os cometemos sozinhos ou com outros e de que condição eram esses outros, desde que essas circunstâncias mudam a malícia do pecado; e se repetimos esses atos; se freqüentamos bailes ou espetáculos desonestos.

Quanto ao sétimo e décimo mandamentos examinemos se não roubamos alguma soma ou coisa de valor, seja em casa, seja de outras pessoas; se causamos danos; se tivemos pensamentos ou desejos de nos apropriarmos das coisas dos outros injustamente.

Chegando o oitavo mandamento vejamos se proferimos injúrias graves ou danosas; se murmuramos ou caluniamos gravemente; se causamos prejuízos à estima ou à honra de alguém.

Passando aos preceitos da Igreja, basta observar se violamos dias proibidos; ou se sendo obrigados a jejuar não o fizemos: finalmente se omitimos a Confissão e Comunhão bem feita no tempo da Páscoa.

Acrescentemos a esse exame sobre os mandamentos de Deus e da Igreja, um pequeno exame sobre os vícios capitais, considerando se cometemos pecados graves de soberba, de gula, de ira, de inveja; e para terminar deitemos um olhar para as obrigações do próprio estado.

D. — Para as obrigações do próprio estado também?
M. — Certamente! Um pai ou uma mãe, um marido ou uma mulher, um professor, um superior qualquer, podem muito bem observar todos os mandamentos, e ao mesmo tempo faltar gravemente aos deveres do próprio estado; o mesmo se dá com as crianças.

Portanto, o exame de consciência sobre os deveres do próprio estado é de suma importância, quando se quer fazer uma boa Confissão. A anedota seguinte é histórica.
O Imperador Carlos V, estava em viagem e, passando por um convento, quis confessar-se. Um religioso, cheio de caridade, ouviu a confissão do imperador e depois acrescentou:
"Confessus es peccata Caroli... nunc confitere peccata Caesaris...
— Confessaste-me os pecados de Carlos, isto é, como se não fosse imperador; confessa-me agora os pecados que cometeste no desempenho do teu cargo".

E, com muita habilidade e simplicidade, interrogou-o sobre o modo como governava o seu povo. O imperador ficou tão comovido que, mais tarde, quando contou o fato, disse:"Finalmente encontrei quem me iluminou sobre certos argumentos, e deu à minha consciência paz completa!"

D. — Padre, será que todos são capazes de fazer "um exame tão diligente?"
M. — Os que não forem capazes, apresentem-se ao confessor, prontos para declarar todos os fatos de que se lembram, para responder sinceramente às perguntas que ele lhes fizer: é quanto basta.

D. — E se o confessor não fizer perguntas e se o penitente esquecer dos pecados mortais?
M. — Os pecados, mesmo os mortais, quando não são propositadamente esquecidos, são perdoados como os que se confessar, ficando o penitente obrigado e declará-los, se se lembrar deles, nas confissões seguintes.

D. — Enquanto isso podemos ir para a Comunhão com a consciência tranqüila?
M. — Sim, podemos ir para a Comunhão com a consciência tranqüila mesmo em ponto de morte.

D. — Padre, o senhor disse que nos devemos examinar sobre pensamentos e desejos?
M. — Certamente, porque, quando maus, os pensamentos e desejos também são pecados.
— Mamãe, perguntou um menininho, se, como a senhora me ensinou, nada no mundo se perde, aonde vão parar os pensamentos e desejos?
— Meu filho, respondeu gravemente a mãe; vão morar na memória de Deus, e ali ficam para sempre.
— Para sempre! exclamou o menino surpreendido. Pensou um pouco, de cabeça baixa, e depois, abraçando a mãe bem apertado, murmurou baixinho:
— Eu tenho medo! E pensando bem, quem é que não se sente compelido a dar o mesmo grito: eu tenho medo!...
E se certos pensamentos nos causam medo, por que não devemos examiná-los e detestá-los?

D. — Os maus pensamentos são sempre pecado?
M. — Não, meu filho, algumas vezes não são pecado; outras vezes são pecado venial; mas podem também ser pecado mortal.
Ouça esta comparação:
Uma fagulha que cai sobre um vestido branco e é logo retirada não deixa mancha. Se a deixarmos ali, alguns instantes, deixa uma mancha chamuscada. Se a deixarmos ali, para ver o resultado, ela acaba queimando o vestido.
Assim acontece com os maus pensamentos. Se os expulsarmos logo, não são pecado nenhum; se consentirmos neles por alguns instantes são pecado venial; se ficarmos a seguir o curso, até ao fim, com plena consciência do que estamos fazendo e com prazer, nesse caso são pecado mortal.

D. — Quais são os que não são obrigados a fazer um longo exame?
M. — As almas que tem temor de Deus e que se confessam sempre não são obrigados a um exame demorado, porque, segundo o célebre Frassinetti ou não cometem pecados mortais, ou então, na hipótese de cometerem algum, não se esqueceriam dele.

D. — Então, Padre, fazem mal os que ficam angustiados e se agitam porque não acham pecados?
M. — Certamente! 'Não é de estranhar, diz ainda Frassinetti, se, não cometendo pecados, não os encontrais. Agradecei a Deus, e continuai a ficar deles afastados com o auxílio dos Sacramentos".

Lembro-me de um menino que indo para a confissão chorava como uma videira recém-cortada.
— Por que, pequeno, eu perguntei, por quê você chora tanto?
— Porque eu não encontro pecados!
— Você não os cometeu?
— Não, Padre, pecados eu nunca cometi.

D. — Diga-me enfim, Padre: para quem pode o exame ser nocivo?
M. — Pode ser nocivo para as almas confusas, agitadas, irritadiças, escrupulosas, as quais, por terem a convicção de que devem fazer as contas como se se tratasse de matemática, não acabam nunca de se examinar para chegar sempre a zero, com despeito e desânimo sempre crescentes. Em tais casos, o Confessor proíbe o exame, e elas devem obedecer.

D. — Agradecido por tudo, Padre; eu nunca me esquecerei disso.

Parte XVII.
Dor e propósito

D. — Padre, é coisa importante sentir a dor dos pecados cometidos?
M. — A dor dos pecados é coisa importantíssima, de todo indispensável mesmo, para cada confissão. Sem ela o Sacramento não terá lugar. Assim como o Sacramento do Batismo não se pode realizar sem água, também não é possível o Sacramento da Penitência sem dor...

D. — Então todos aqueles cuja principal preocupação é a procura dos pecados, e que pouco se importam de excitar a dor, não fazem boas confissões?
M. — Fazem todos confissões sacrílegas ou nulas; sacrílegas quando se conhece a própria falta de dor; nula se se ignora o fato. É verdade que a boa vontade de se confessar bem, e na diligência em fazer bem o exame a dor está incluída; portanto não há motivos para sustos.

D. — Como é que se deve fazer para excitar a dor dos pecados?
M. — Deitemos um olhar para o inferno, merecido com os nossos pecados; contemplemos o Paraíso, perdido, com os nossos pecados. Deitemos um olhar para o crucifixo, onde Jesus agoniza por causa das nossas culpas. Pensemos que Deus é tudo e nós nada; que de uma hora para outra pode abandonar-nos; que muitos, mais moços do que nós, já estão no inferno e que, se nós ainda estamos aqui, é porque Ele usa conosco de misericórdia.

Era uma quinta feira santa. Um oficialzinho elegante chegou ao confessionário e, sem mais nada, foi dizendo:
— Padre, desculpe a minha franqueza: sou militar; não vim aqui para me confessar, mas somente para satisfazer o desejo de minha mãe e de minhas irmãs, que me observam do banco. Elas querem que eu comungue na Páscoa, mas eu não creio nisso, até me rio.
— Então o senhor se ri da religião e dos Sacramentos?
— Sim, Padre, eu me rio da religião e dos Sacramentos.
— Ri-se também da verdade eterna, do inferno e do Paraíso?
— Sim senhor, Padre, rio disso também.
— Sendo assim, o senhor mesmo pode compreender que não posso absolvê-lo, nem mandá-lo para a Comunhão.
— Mas eu tenho que comungar para contentar à minha mãe e ás minhas irmãs.
— Bem, façamos então assim: o senhor trate de temporizar com sua mãe e com suas irmãs. Diga-lhes que o Confessor lhe impôs uma penitência antes de Comungar. Enquanto isso, o senhor, cumprirá a penitência que lhe vou dar e voltará aqui.

— Quê penitência vai me dar se não me confessei?
— Quê importa? O senhor, vindo aqui simula uma confissão. Penso que não quer fazer caçoada de mim, portanto fará a penitência: quero que me prometa como bom soldado.
— Seja como quiser: farei a penitência; mas qual?
— Nestas três noites o senhor renunciará o clube e os divertimentos e, assim que se deitar, deverá dizer: Meu Deus, eu creio em Vós, mas me rio da Vossa Religião e dos Vossos Sacramentos. Creio em Vós, mas me rio da morte e do juízo final. Creio... mas me rio do inferno e da eternidade. Depois disso dormirá tranqüilo; fá-lo-á?
— Padre eu lho prometo: palavra de soldado, palavra de rei!
Levanta-se e Vai embora.

Sábado à noite ei-lo de novo no confessionário ajoelha-se, e:

— Padre, exclama, eu sou o oficial da penitência; eu a cumpri e venho para dizer-lhe que, pensando seriamente, não sinto mais vontade de rir de tudo aquilo: pelo contrário, temo tudo. Tenha a bondade de me ajudar a fazer uma boa confissão.
O efeito desejado estava obtido. O pensamento dos "Novíssimos" tinha conseguido o arrependimento do militar, que, no fundo, ainda conservava a fé, mas uma fé adormecida pela má vida a que se tinha entregue, e da qual, em face de Deus, da morte e da eternidade, se tinha envergonhado.

D. — Padre, de quantas espécies pode ser essa dor?
M. — Pode ser de duas espécies: dor perfeita também chamada contrição, e dor imperfeita, também chamada atrição. Aquele que se arrepende dos pecados só por medo dos castigos nesta e na outra vida, ou seja, movido por amor interessado, tem só atrição, essa dor é moeda legal, mas é cobre. Aquele que pelo contrário, se arrepende porque ofende a Deus, nosso Pai, ou seja, movido por um amor filial, tem a contrição perfeita, que é moeda de ouro.

D. — É importante ter-se a contrição perfeita?
M. — É importantíssimo, porque, aliada ao propósito nos confessarmos assim que for possível, ela obtém a remissão mesmo antes da confissão: se alguém morresse em tal estado salvar-se-ia.

D. — E pode-se comungar?
M. — Não, para a comunhão, a confissão prévia é indispensável.

D. — Mas, Padre, se depois a gente mudar de propósito e não confessar, esses pecados revivem?
M. — Não, um pecado perdoado não revive mais; mas a pessoa comete uma grave omissão pela qual será sempre responsável.
Portanto, cada vez que por desgraça você cometer um pecado mortal, faça logo o ato de contrição perfeita com o propósito de se confessar o mais breve possível, afim de tranqüilizar a sua consciência.

D. — Padre, é necessário sentir a dor dos pecados?
M. — Não, não é necessário sentir essa dor como se sente dor de cabeça ou de dentes; basta tê-la no coração.
— O quê está fazendo, menino? Perguntou o confessor a um garoto que, enquanto esperava para a confissão dava com a cabeça na parede.
— Oh, Padre, estou tratando de sentir a dor dos meus pecados!

D. — Coitadinho... talvez era ainda inocente!... E o quê é propósito?
M. — É a vontade resoluta de não cometer o pecado e fugir das ocasiões. É uma conseqüência da dor sendo impossível conceber-se uma verdadeira dor dos pecados, sem se estar, ao mesmo tempo resolvido a não mais os cometer.

D. — Como deve ser o propósito?
M. — Deve ser eficaz, ou seja, devemos desligar-nos por completo e a todo o custo de cometê-lo novamente; e isto sem protestos nem rodeios ou intenções pouco honestas. Um tal confessava que tinha roubado uns feixes de lenha.
— Quantos? perguntou o confessor.
— Padre, eu tirei cinco, mas o senhor pode calcular sete.
— Como! são cinco ou sete?
— Eu explico Padre. Dos sete feixes que encontrei tirei cinco, mas hoje à noite irei buscar os outros dois. Confesso-me antecipadamente; por isso o senhor pode calcular sete.
Uma moça que tinha acabado de se confessar, perguntou depois de receber a absolvição:
— Padre, posso comungar hoje?
— Pode sim, e não só hoje como amanhã e nos dias seguintes.
— Ah, amanhã já não poderei mais porque marquei um encontro no baile hoje á noite e não posso faltar.
— Você falou em baile? Mas você não acabou agora mesmo de prometer a Jesus que não O ofenderia mais e que evitaria as ocasiões?
— Padre, eu prometi para o passado e não para o futuro!
Eis aí. A maior parte das vezes promete-se para o passado, isto é, não se promete nada, e assim, a história se repete sempre: confissões e pecados, pecados e confissões. Mas, confessar-se sem se emendar é o caminho certo para a perdição.

D. — De quê modo podemos manter esse propósito?
M. — 1) Não devemos confiar muito nas nossas próprias forças, mas devemos pedir constantemente a Deus o auxílio da sua graça.
2) Devemos impor-nos, a cada recaída, uma penitência que, além de contribuir para a expiação do pecado, servirá também para conservar-nos vigilantes.
3) Devemos voltar à confissão o mais breve e freqüentemente possível para enfraquecermos o demônio e sairmos vitoriosos sobre ele no futuro.

Os missionários da África contam que, naquele continente, há um animal pouco maior do que o gato comum; justamente por isso é chamado gato selvagem. Esse animal é continuamente assaltado pelas serpentes que abundam na região; muitas vezes trava combates com elas, mas sai quase sempre vencedor. É que ele tem o seu segredo: conhece uma erva cujas virtudes contra a mordedura de cobra são extraordinárias. Assim que se sente mordido, corre para se esfregar nessa erva e volta pronto para a luta. Ferido uma, duas, três vezes, recorre sempre ao mesmo remédio e sara sempre. Dessa maneira, continua a lutar até arrancar a cabeça do inimigo.

Nós também estamos em luta contínua com a serpente infernal que, por todos os meios e com todos os gêneros de pecados nos tenta e nos impele para o mal. Queremos a vitória? O remédio infalível é a confissão freqüente. O demônio não terá então mais nenhum poder sobre nós.

D. Padre, e os que prometem sempre e nunca mantêm?
M. — São pobres infelizes cujo fim será certamente bem triste, porque com Deus não se brinca!
Havia muito tempo que uma mãe amorosa, que vivia no temor de Deus, exortava o filho, malandro e viciado, a mudar de vida. Ele prometia sempre, mas eram promessas ao vento.
Da última vez que a pobre mãe, mais com lágrimas do que com palavras, lhe suplicou que se convertesse o filho disse:
— "Pois bem, estou resolvido a seguir os seus conselhos; eu também estou envergonhado e cansado desta minha vida tão má; tenha paciência por mais estes 3 dias de carnaval, e depois farei penitência". O infeliz jovem pensava que dessa maneira podia ajustar contas com Deus, preparando-se, com novos pecados, para se confessar e se converter.

Mas com Deus não se brinca. Passaram-se os três dias ocupados em pagodes e vícios. Na noite da terça-feira ele volta para casa a altas horas da madrugada, cansado do longo baile. Poucos instantes depois, ouvem barulho no seu quarto; entram apressados e acham-no estendido no chão sufocado por uma golfada de sangue. Assim se acabaram os seus projetos de conversão e os seus propósitos falazes.

O inferno está cheio dessas pessoas que prometem emendar-se sem nunca cumprir a promessa.

D. — E os que dizem: não posso, não posso?!
M. — Esses são ainda mais infelizes: isso é sinal de que já são escravos das mais vergonhosas paixões.

D. — Parece-me que quem deseja ardentemente sempre pode; não é mesmo, Padre?
M. — É verdade, porque Deus nunca nega a sua graça aos que a procuram sinceramente, e porque a potência do nosso querer também é grande. Posso prová-lo com um fato histórico.
O General Cambronne morto como um herói em 1842, durante a batalha de Waterloo, quando ainda era simples soldado, estando embriagado, esbofeteou um capitão. Julgado pelo conselho de guerra foi condenado à morte.
O Coronel, que lhe conhecia a bravura como soldado, interveio em seu favor e obteve-lhe a graça: porém, chamando-o para uma conversa particular, o fez prometer que nunca mais se embriagaria. Cambronne disse, então:

— Coronel, devo-lhe a vida; o que me pede é pouco, e, para fazer um propósito eficaz juro que nunca mais provarei nem vinho nem licores.
Passaram-se vinte e dois anos; o soldado era agora general, e, tendo acompanhado Napoleão de Canes à Paris, foi convidado para jantar pelo seu Coronel, que já estava aposentado. Aceitou o convite, mas durante: o jantar, não provou vinho. O Coronel que já tinha esquecido o que se passara havia tantos anos, perguntou a razão. Cambronne lembrou­lhe então a promessa feita há vinte e dois anos e à qual se tinha conservado escrupulosamente fiel.

Oh, se no propósito da confissão imitássemos a fidelidade de Cambronne! E se se cumprem as promessas feitas aos homens, por que não cumprir as que se fazem a Deus?

D. — Então, as confissões e as absolvições sem o propósito firme e eficaz de fugir do pecado e das ocasiões, são nulas?
M. — São nulas porque, mesmo que o Confessor diga cem vezes: "eu te absolvo", Jesus Cristo que lê nos corações dirá cem vezes: "eu te condeno".

D. — Então é certo o provérbio que diz: Confessar-se vale menos do que nada, se a confissão feita não refaz a gente.

Parte XVIII.
Da acusação dos pecados da absolvição e penitência

D. — Padre, em quê consiste a confissão?
M. — A confissão, diz o catecismo, consiste na acusação distinta dos pecados feita ao Confessor para receber a absolvição e a penitência.

D. — O quê significa a palavra distinta?
M. — Quer dizer que acusar os pecados em geral não é o suficiente, como por exemplo: eu pequei contra a lei de Deus e da Igreja... Pequei por blasfêmia, por furto, por impureza, etc... Devemos acusá-los distintamente, como violações, mais ou menos graves, deste ou daquele mandamento, manifestando o número deles, e além disso as circunstâncias que lhes mudam a espécie.

D. — Padre, deve-se também dizer o nome das pessoas companheiras de pecado?
M. — Não, a confissão deve ser prudente; não devo dar a conhecer os pecados dos outros; não se diga o nome do cúmplice, porque nunca é lícito desonrar alguém.

D. — Nesse caso como é que se pode manifestar certos pecados e as circunstâncias que lhes mudam a espécie?
M. — No caso disso não ser possível sem indicar as pessoas com quem se pecou, deve-se manifestar não o nome, mas a qualidade, ou o grau de qualidade, ou o grau de parentesco que se tem com as mesmas. Diga-se por exemplo: irmão, irmã, primo, um parente próximo, uma pessoa religiosa, etc... E se o Confessor fizer perguntas, o penitente deve responder com toda a sinceridade, pois que ele interroga justamente para suprir a algum esquecimento da parte do penitente, para conhecer melhor a espécie, o número, e as circunstâncias dos pecados.Todavia, a regra é sempre a mesma: que nunca seja revelado o nome do cúmplice do pecado.

D. — O quê diz dessas mulheres que confessam as culpas do marido e dos filhos?
M. — Digo que fazem muito mal!

D. — Eu ouvi contar que um homem, indo confessar-se logo depois da mulher recitou o Confiteor e depois se calou. Como o Confessor o incitava a dizer os seus pecados, respondeu:
— O senhor já os conhece Padre; a minha mulher já os disse todos: ouvi-os distintamente!
M. — Essa mulher merecia a lição dada a esta outra.
Um dia, uma dessas mulherzinhas que são o tormento dos maridos, apareceu no confessionário e foi logo dizendo:
— Padre eu sou uma infeliz: tenho um marido bestial. Ele berra, impreca, blasfema, profana os dias santificados, freqüenta botequins!
— E a senhora ajuntou o Confessor.
— Eu sou uma pobre mártir, mas ele, meu marido, goza, come, bebe, passeia e, se alguma vez eu falo, ele logo levanta as mãos contra mim.
— Mas a senhora, como se comporta?
— Eu? Eu não faço nada: o mau exemplo da família é ele; é a ruína da casa, o meu desespero.
— Basta! Já entendi; continue a suportar o seu purgatório aqui na terra e, enquanto isso reze por penitência três Ave-Marias pelos seus pecados; mas reze também três vezes o Rosário inteiro, ou seja três vezes os quinze mistérios, pelos pecados de seu marido.
— Pelos pecados de meu marido? Se ele os cometeu, que reze a penitência!
— Ele os cometeu, mas quem os confessou foi a senhora e a penitência se dá á pessoa que se confessa!
— E, fechando a portinhola, foi-se embora, deixando-a a pensar que não se deve confessar os pecados de outrem.

D. — O que quer dizer "confissão integral?"
M. — Quer dizer que devemos confessar todos os pecados mortais de que nos lembramos depois de um exame diligente, e também os que não tínhamos confessado, ou confessado mal nas confissões passadas.

D. — Qual a ordem que se deve observar para a acusação?
M. — Seria bom confessar antes de tudo os pecados; depois expor as dúvidas, as penas e temores, tudo aquilo, enfim, que perturba a consciência. Seria ainda aconselhável confessar primeiramente os pecados mais graves, os que se cometem com maior freqüência e que constituem a paixão predominante. O empenho que demonstrarmos nessa luta contra o defeito predominante, além de ser um tormento que nos traz proveito, ajudará o Confessor a nos curar melhor.

D. — Em quê consiste a sinceridade?
M. — A sinceridade consiste em manifestar singelamente tudo o que interessa à própria alma, sem esconder nada por temor ou por vergonha, sem diminuir o número das faltas, sem calar as circunstâncias que revelam toda a nossa miséria, mesmo em se tratando somente de culpas veniais e imperfeições.

Não é preciso, porém, cair no exagero e fazer como alguns homens e rapazes que, chegando-se para o Confessor desencadeiam uma chuva de blasfêmias e palavrões grosseiros e por mais que o Confessor procure refreá-los continuam imperturbáveis a repeti-los todos sem exceção.

Nem se deve proceder como certas mulheres que repetem as imprecações que costumam lançar contra o marido, as crianças ou os animais.
Também não devemos imitar aquela moça simples demais que, tendo-se acusado de ter cantado uma canção, e, tendo o confessor perguntado que canção era, se pôs a cantá-la em voz alta no confessionário, estando a Igreja repleta de gente!

D. — Oh, que simplória! Porém é preferível exagerar para mais do que para menos, não é Padre?
M. — Isso é que não! Não devemos agravar propositadamente a nossa culpabilidade, nem acusando culpas não cometidas, nem assegurando as que são duvidosas.

D. — Eu não me importo de parecer mais culpado do que realmente sou, contanto que esteja certo de estar fazendo uma boa confissão.
M. — Isso é zelo exagerado, meu caro, e que não merece aprovação. Será que você age dessa forma com o médico, quando se trata de tomar remédios ou de se submeter a uma operação?...
Vamos sempre para a frente com a sinceridade tão recomendada por Jesus Cristo!

D. — Finalmente, Padre, o quê significa: a confissão deve ser humilde?
M. — Significa que à integridade e à sinceridade na acusação devemos acrescentar a humildade. Humilhar-nos o mais possível deve até ser o nosso principal empenho, porque quanto mais alguém se acusa, mais Deus o escusa. Por isso mesmo a confissão é chamada a sacramento da humildade, o patíbulo do amor próprio.

D. — E o quê devemos fazer para nos humilharmos sempre mais?
M. — Não nos devemos limitar a expor só o que é pecado; tratemos de especificar as causas secretas das faltas costumeiras, as intenções e desejos ocultos que nos passam pela cabeça e a negligência em afugentá-los; as pequenas afeições ou agarramentos, que, mesmo se não consentimos neles plenamente, nos causam pesar quando somos obrigados a deixá­los.

Digamos, em suma, bem claramente o que mais custa à nossa soberba e nos causa maior humilhação, mesmo que os nossos lábios se ruborizem, mesmo que os suores e calafrios nos percorram o corpo. A medida que expelirmos o veneno sentiremos alívio enorme: o sangue de Jesus Cristo, espargido sobre as nossas chagas assim descobertas poderá curá-las mais rapidamente e com mais perfeição.

Um dos mais célebres oradores franceses, Henrique João Batista Lacordaire, dominicano, nos dá um exemplo de confissão profundamente humilde. O eloqüente pregador dirigia-se lá pelos fins do outono de 1852, para Tolosa para fundar ali uma nova casa para a sua ordem. Passando por Dijon, entrou na sacristia da Igrejinha da Visitação, cujo capelão era o jovem abade de Bougaud. Este voltava do altar onde tinha celebrado, e, assim que acabou de despir os paramentos, o Padre Lacordaire chegou-se para ele e disse:

— "Quer ter a bondade de me ouvir em confissão?"
— Eu, conta Bougaud, reconheci logo o célebre pregador mas, antes que eu pudesse oferecer-lhe um genuflexório, ele já se tinha ajoelhado no chão, aos meus pés e me disse:"Peço-lhe que ouça não só a minha confissão semanal, mas a confissão de todas as culpas da minha vida desde a infância". Depois, começou, e eu não faltarei ao segredo da confissão dizendo que ele me contou a história de toda a sua vida; fez a acusação de todas as faltas que cometeu em criança, quando moço, como sacerdote e como religioso, com uma humildade, um arrependimento, um ardor, realmente singulares.

Ao fim dessa confissão extraordinária, logo depois da absolvição, beijou-me os pés repetidas vezes, e acrescentou:

— Agora peço-lhe ainda uma graça, que o senhor com certeza não me negará.
— O quê poderia eu negar-lhe? Respondi. E enquanto eu esperava que desse explicações, tirou debaixo da túnica um açoite formado por sólidas tiras de couro e me disse:
— A graça que eu lhe peço agora, é de me dar cem açoitadas de disciplina.
— Jamais! disse eu perplexo.
— O senhor recusa-me então essa caridade? Aquele olhar, o acento daquelas palavras, eu jamais o esquecerei; aceitei pois a contra-gosto o encargo.

O Padre Lacordaire era muito sensível; logo no décimo quinto ou vigésimo golpe começou a gemer profunda mas docemente, e continuou assim até o fim. Eu queria parar, mas ele não o permitiu e eu tive que continuar no meu sangrento ofício.
Quando acabei, ele se levantou, abraçou-me e, desobrigando-me do segredo da confissão, me deu licença de lhe lembrar todos os próprios pecados e de os contar a quem quer que fosse.

Não posso descrever em que estado eu me achava. Quem não é capaz de se sentir comovido até o mais profundo das entranhas, não é digno de assistir a cenas como esta. É assim, meu caro, que os grandes homens sabem humilhar-se: saibamos aproveitar tais exemplos!

D. — Oh, Padre, quantas coisas admiráveis! Se todos os que freqüentam a confissão fizesse assim, ficaríamos logo santos.
M. — Mesmo que não ficássemos santos evitar-mos-ia pelo menos a rotina estereotipada que não traz proveito algum e não opera a transformação que esse sacramento deveria efetuar.

D. — Padre, o senhor disse que é bom acusar também os pecados da vida passada: de quê modo podemos fazê-lo?
M. — A acusação não deve ser geral, como é costume de muitos. Devemos procurar especificar as culpas de modo que possamos, provar-lhes verdadeiramente a matéria e a dor. Digamos, por exemplo: confesso ainda iodos os pecados da minha vida passada, principalmente os que cometi contra a obediência, a caridade, a pureza e os deveres do meu estado ou então de todos os maus exemplos e escândalos dados durante a minha vida.

D. — E os que têm pecados que absolutamente não ousam confessar?
M. — Que digam logo ao Confessor: “Padre, eu cometi pecados que não ouso confessar", que se entreguem à sua caridade e prudência e respondam com toda a sinceridade e confiança às perguntas que ele fizer.

D. — E se alguém se vir atrapalhado por causa de más confissões feitas no passado?
M. — Esse vá logo dizendo: Padre, tenho atrapalhações na consciência, preciso da sua caridade; ajude-me porque há algum tempo ou há muito tempo que me confesso mal. O Confessor saberá esclarecê-lo e livrá-lo; a paz e a consolação lhe inundarão a alma, que ficará surpreendida por ter podido comprar a sua felicidade, por tão baixo, preço.

D. — Agradecido, Padre; diga-me ainda: o quê é a absolvição?
M. — A absolvição é a sentença pela qual o sacerdote, em nome de Jesus, remete os pecados. É o ponto culminante do Sacramento, a panacéia infalível, o remédio divino que penetra nas almas, cicatrizando-lhes as feridas, curando-lhes desde a raiz as mais graves enfermidades; ressuscita-as, quando mortas pela culpa; dá-lhes força e vigor para que possam viver bem e lhes abre as portas do Paraíso.

Ao recebermos a santa absolvição, façamos de conta que estamos abraçados aos pés de Jesus e que ELE nos lava com o seu sangue.
Oh, quantos prodígios operou e opera continuamente essa fórmula sagrada que Jesus, pela boca do sacerdote, pronuncia sobre nós! De quantas manchas já limpou as almas. Quantas, já envelhecidas no vício, foram por fim restabelecidas e salvas. É pois com a confiança ilimitada, que a devemos receber, como um remédio inteligente de efeito infalível; e choremos de consolação todas as vêzes que a recebemos.

Um condenado à morte tinha tido a boa sorte de ter sido preparado para o passo terrível por um sacerdote zeloso e cheio de caridade. Quando subiu ao patíbulo, pouco antes que o laço fatal o enforcasse, e o Confessor que o assistia renovou a absolvição de todas as culpas, ele desatou em copioso pranto. Perguntaram-lhe a razão: "Eu não choro, disse, pela sorte que me toca, nunca chorei na minha vida; nem quando a justiça me alcançou, nem quando leram a minha sentença de morte: se agora choro é pensando que Deus me perdoou!" A comoção foi geral: grande parte dos milhares de espectadores enxugaram as lágrimas.
Nós também deveríamos chorar assim, depois de cada absolvição, ao pensarmos que Deus nos perdoou.

D. — E se no momento da absolvição não pensamos nisso, ou não nos sentimos comovidos?
M. — Não nos devemos perturbar com isso. Os sacramentos operam ex opere operato, ou seja, por si próprios. Mesmo se não ouvíssemos nem sequer o som das palavras da absolvição, o seu efeito seria o mesmo.

D. — Padre, a absolvição cancela sempre os pecados?
M. — Sim, cancela-os todos e sempre, quando a confissão é bem feita, isto é, quando dissemos todos os pecados de que nos lembramos, quando sentimos pesar, e quando fizemos firme propósito de fugir até das ocasiões; em caso contrário não cancela nada, mesmo que fosse repetida cem vezes.

D. — Então procedem mal, os que, não tendo boas disposições, vão à procura de um Confessor indulgente de quem possam arrancar a absolvição.
M. — Malíssimo! Coitados, cavam a própria cova, obrigando Deus a condená-los.

D. — Mesmo quando conseguem enganar o confessor, não podem enganar a Deus que lê nos corações, não é mesmo, Padre?  "Sempre confessados, sempre perdoados, No fundo do inferno, fomos sepultados".
M. — Justamente! Eles terão a mesma sorte daquele querelante que, tendo-se arruinado com querelas reduzido à extrema miséria, magro, esquelético, maltrapilho, deixou aos seus herdeiros os seus retratos com este escrito:
Sempre briguei, sempre ganhei:
Eis aqui como fiquei.
E eles deverão exclamar:
Sempre confessados e sempre perdoados. o fundo do inferno seremos sepultados.

D. — Quando e como se deve fazer a penitência dada pelo confessor?
M. — É bom fazê-lo o mais depressa possível, e mesmo logo depois de deixarmos o confessionário; e deve ser feita com pontualidade e precisão.
No tempo que ainda se impunham penitências rigorosas, dois homens de bem, culpados talvez pelas mesmas faltas, deviam fazer a pé, por penitência, uma peregrinação a um santuário distante.
Andam durante duas horas em boa marcha, mas depois um deles diz:
— Ande mais devagar, amigo: eu não posso mais! Doem-me os pés! Saiba que o confessor ordenou como penitência, que eu pusesse grãos de bico no sapato.
— Ora, a mim também deu a mesma ordem.
— E você não os pôs?
— Pus, sim.
— E os seus pés não doem?
— Nem um pouco! Eu até sinto alívio com isso! — Mas como?!
— Eu os pus cozidos.

D. — O homem era bem esperto!
M. — Esperto sim, ou pelo menos, nada tolo... Mas no entanto, você compreende que ele não estava cumprindo a penitência com precisão, pois a intenção do confessor era outra.

Parte XIX.
Confissão geral.

D. — Padre, uma última pergunta. O quê é a Confissão geral?
M. — Chama-se confissão geral a revisão de todas as culpas cometidas durante a vida, ou em grande parte dela.

D. — E a confissão geral é necessária?
M. — Para muitos pode ser necessária; para outros é somente útil, enquanto que para alguns é nociva.

D. — Em que caso é necessária?
M. — É necessária quando as confissões precedentes foram sacrílegas ou então nulas.

D. — E quando é que as confissões são sacrílegas? e quando são nulas?
M. — As confissões são sacrílegas quando se calaram propositadamente culpas graves, sabendo que tinha obrigação de confessá-las; ou então quando não sentimos a dor necessária ou não fizemos o propósito de evitar o pecado no futuro. São nulas, quando o penitente ignorava essa falta de dor e de propósito.

D. — Então, quais são os que têm necessidade de uma confissão geral?
M. — Tem necessidade absoluta de fazer uma confissão geral, quem, seja por malícia, seja por vergonha, calou ou negou nas confissões precedentes algum pecado mortal ou então alguma circunstância que muda a espécie do pecado; ou não indicou com precisão o número dos pecados mortais que conhecia bem; ou exprimiu suas culpas ao confessor de tal modo que ele não as compreendeu; ou então o enganou com mentiras graves quando respondeu às suas perguntas.

D. — Tenha a bondade de me explicar tudo com exemplos.
M. — Suponhamos que um coitado tenha escondido, desde as primeiras vezes que se confessou certos pecados por vergonha de os expor. Mesmo que, em seguida, tenha manifestado sempre todas as outras culpas, todavia, por não ter corrigido as primeiras confissões más, nenhuma das seguintes é considerada bem feita. Essa pessoa tem portanto absoluta necessidade de repará-las todas com uma confissão geral, na qual deve acusar também todos os sacrilégios cometidos.

Suponhamos que uma outra pessoa tenha cometido certos pecados de más obras, e que, ao acusá-los tenha somente dito que teve maus pensamentos. Essa também se confessou mal e precisa de uma confissão geral.

Suponhamos ainda que outro indivíduo tenha tido não só a infelicidade de pecar sozinho, mas com outra pessoa. Se ele, ao confessar-se, calou propositalmente essa circunstância e não indicou as condições particulares de tal pessoa, fez também uma má confissão e o seu dever é fazer uma confissão geral.

Suponhamos finalmente que alguém tenha o hábito de cometer quatro ou cinco pecados graves por semana ou por mês, e, em lugar de quatro ou cinco diga só dois ou três, ou três ou quatro, sabendo perfeitamente que está mentindo. Ter-se-á sempre confessado mal e nesse caso, deve fazer uma confissão geral.

D. — Misericórdia!
M. — Em segundo lugar, a confissão geral é de estrita necessidade para quem se confessou sem pesar e sem propósito, como ficou dito acima, ou para quem não cumpriu as obrigações impostas pelo confessor ou seja: não evitou a ocasião próxima e voluntária do pecado, ou não deixou certa amizade perniciosa ou não queimou, não se desfez dos maus livros, não cortou certa relação; em suma todos os que se acham em condições análogas. Todos esses, tendo faltado, quem mais, quem menos, às qualidades substanciais da confissão, devem por a consciência em ordem e tranqüilizá-la com uma boa confissão.

D. — Padre, o número desses indivíduos é diminuto ou elevado?
M. — Antes fossem poucos os que pertencem a essas diversas classes! Mas, infelizmente, a experiência quotidiana demonstra que o número deles é muito maior do que parece, mesmo entre pessoas aparentemente boas.

Na biografia de S. Inês da Montepulciano lê-se que uns senhor muito rico, tido como bom cristão, sendo muito devoto da santa e do seu convento, a socorria com freqüentes e generosas esmolas. A santa rezava muito pelo seu benfeitor em troca do seu auxílio. Um dia, estando ela rezando, perdeu os sentidos e, no êxtase, viu no meio do inferno um palácio de fogo e ouviu uma voz que dizia: Inês, Inês, este é o palácio do teu benfeitor e ele virá habitá­lo quanto antes.

Voltando a si, Inês apreensiva mandou logo pedir ao senhor que fosse ter com ela e lhe contou a visão espantosa que tivera.
O homem empalideceu, e, quase desmaiando, declarou sinceramente que havia trinta anos que não se confessava bem, estando sempre na ocasião próxima de pecado.
A santa aromou-o então a fazer logo uma boa confissão geral.
Ele obedeceu e Inês teve outra visão: viu o mesmo palácio, agora no Paraíso, e a mesma voz declarou-lhe que o seu benfeitor subiria logo para habitá-lo. Pois bem, quem tiver medo de ter o seu palácio ou a sua casa no inferno por causa de confissões mal feitas, já sabe o que fazer para se livrar.

D. — Padre, se alguém tiver deixado de contar alguns pecados nas confissões passadas, ou por ignorância, ou por esquecimento, e vier a conhecê-los ou a se lembrar deles mais tarde, é obrigado a referir todas as confissões passadas numa confissão geral?
M. — Não; quando deixamos de contar os pecados por ignorância ou esquecimento, só temos obrigação de reparar essas omissões parciais. Para sermos obrigados a uma confissão geral é preciso que se trate de sacramentos mal recebidos, de sacrilégios cometidos consciente e propositadamente.

D. — E quando duvidamos se somos ou não obrigados a uma confissão geral, como devemos proceder?
M. — Nos casos de dúvida devemos expor as nossas dificuldades ao confessor e nos conformar ao seu parecer.

D. — Obrigado, Padre; e agora, diga-me: quanto é que a confissão geral é útil?
M. — É útil:
1) Para quem duvida das confissões passadas e tem necessidade de se por em paz.
2) É útil para todos os que nunca a fizeram, porque ela faz brotar em nossos corações maior contrição dos pecados e consolida o propósito firme e eficaz de não mais os cometer.
3) É também bastante útil para os que, chegados a um ponto decisivo de suas vidas, devem escolher ou abraçar um estado do qual depende o seu futuro. Poderão receber do Confessor, que faz às vezes de Deus, melhores esclarecimentos e conselhos, para fazerem sua escolha com mais segurança.

D. — Por exemplo: os noivos nas proximidades do casamento?
M. — Justamente! A confissão geral é também bastante útil para eles, seja para os dispor melhor a bem receber o sacramento que os deve ligar para toda a vida, seja para lhes proporcionar a ocasião de receber os esclarecimentos e os conselhos indispensáveis para bem se governarem em tal estado. O matrimônio é grande Sacramento: ai de quem o receber indignamente! Deus nunca abençoará um matrimônio em que houver pecado.

D. — Quando é Padre, que no matrimônio pode haver pecado?
M. — 1) Quando prolongam demais o tempo do noivado.
2) Quando permitem certas liberdades nas conversas, e no trato.
3) Quando, estando em pecado, deixam de freqüentar a confissão ou se confessam mal.

D. — É então necessário, nessa confissão geral, dizer que estamos para nos casar e pedir conselhos sobre isso?
M. — Sem dúvida. Se não o manifestarem, como pode o Confessor esclarecê-los?

D. — Padre, qual é a época mais propícia para uma confissão geral?
M. — Tratando-se somente de utilidade ou devoção, a época mais propícia é a dos Exercícios Espirituais, e justamente lá pelo fim dos mesmos. Mas, sendo ela necessária para recuperarmos a graça, façamo-la o mais breve possível; não deixes para amanhã o que hoje podes fazer, diz o provérbio.

D. — É bom escrever os pecados para se lembrar deles melhor?
M. — Geralmente, não. Se alguém precisar mesmo recorrer a esse método, que o faça com muita cautela e destrua logo o escrito depois da confissão, de modo que ninguém o possa ler, nem o próprio penitente.

Entre os muitos episódios da vida de S. João Basco destaca-se este:
Um bom rapaz, desejando fazer uma confissão geral com a maior precisão possível, tinha enchido uma caderneta com seus pecados, mas, ninguém sabe como, perdeu o pequeno volume onde anotara os seus pouco gloriosos feitos. Virou e revirou os bolsos, procurou por todos os cantos, mas nada de encontrar o manuscrito. Á vista disso, o pobre rapaz ficou desgostoso e desatou em copioso pranto.

Por sorte, o caderninho tinha ido parar ás mãos de D. Bosco. Este, quando o viu chegar todo choroso conduzido pelos companheiros, recusando-se contar a razão de tanta tristeza, começou a interrogá-lo.
— O que tens meu caro Tiago? Sentes alguma dor? Desgostos? Alguém te bateu? O bom rapaz enxugando as lágrimas, e tomando um pouco de coragem, respondeu:
— Eu perdi os pecados!
A essas palavras os amigos caíram na gargalhada e D. Bosco, que tinha logo compreendido, ajuntou brejeiramente:
— És bem feliz se perdeste os pecados e felicíssimo por não os achares mais, porque, sem pecados, irás certamente para o céu. Mas Tiago, pensando que não tinha sido compreendido, acrescentou:
— Eu perdi o caderno onde os tinha escrito!

Bosco então tirou do bolso os grandes segredos e disse:
— Sossega, meu caro, que os teus pecados caíram em boas mãos: ei-los aqui!
— Vendo isso, o rosto do coitado tornou-se sereno e foi com um sorriso que ele concluiu:
— Se eu soubesse que o senhor os tinha achado, teria rido em lugar de chorar; e hoje, ao chegar para a confissão, eu lhe teria dito:
— Padre, eu me acuso de todos os pecados que o senhor achou e tem no bolso.

D. — Os episódios e as cenas da vida desse grande educador e humilíssimo Santo são sempre muito espirituosos. E finalmente, Padre, para quem é que confissão geral pode ser nociva?
M. — Pode ser nociva principalmente para as almas escrupulosas, cheias de ansiedades e temores vãos; para as que, tendo-a feito outras vezes, não sossegam e querem sempre tornar a repetir o que já foi dito.

Para esses indivíduos, a confissão geral não produz outro efeito senão o de suscitar uma confusão de maiores escrúpulos e ansiedades. Obedeçam eles ao Confessor, e quando ele diz e repete que fiquem sossegados... Que não pensem mais naquilo... Que ele próprio responde a Deus pelo estado de suas almas, para que duvidar?
O Confessor vê e julga melhor do que eles, e podem ficar convencidos de que, obedecendo ao Confessor, estarão obedecendo ao próprio Deus.

D. — Nesse caso, quando o Confessor não permite a confissão geral, deve ser obedecido?
M. — Certamente! Quando ele proíbe a confissão, geral, ele está exercendo os seus plenos direitos e o dever do penitente é obedecer. Só com essa condição chegaremos pouco a pouco a gozar da tranqüilidade tão ardentemente desejada. Querer encontrar paz por outros meios é o mesmo que procurar uvas entre espinhos.Você viu em resumo qual a importância da Confissão geral.

Depois disso, não há de que nos admirarmos se ela foi tão recomendada pelos Santos; como Santo Inácio, São Carlos Borromeu, São Francisco de Sales Santo Tomás de Aquino os mais célebres pela prática e pela doutrina. Tenham pois coragem, não se deixem enganar pelo demônio, e, em caso de necessidade disponham-se a uma boa confissão geral.
E que o pensamento de que, por meio dela, poderemos de certo modo reconquistar a inocência batismal nos sirva de estímulo.

Na história da vida dos Santos Monges do deserto lê-se que um rapaz, grande pecador, chegou ao convento para se tornar religioso. O primeiro ato do Superior foi impor­lhe uma confissão geral a ser feita no domingo seguinte na igreja do convento. Para esse fim, o jovem preparou-se e escreveu todos os pecados para poder lembrar-se deles e confessá-los melhor.

Pois bem, à medida que ele lia e confessava as suas culpas, um monge dos mais velhos e santos via um anjo que as cancelava de um catálogo que trazia nas mãos. Por fim, ficou a folha inteiramente branca, para representar a candura que a alma do jovem atingira.

Cesário, bispo de Arles, conta um fato parecido que se deu com um estudante de Paris.
Tinha sido grande pecador mas, querendo a todo o custa converter-se, foi fazer uma confissão geral com um Confessor da ordem Cisterciense.

O rapaz derramava tantas lágrimas que não podia nem falar: à vista disso, o Confessor aconselhou-o a escrever os pecados numa folha de papel. Ele o fez de boa vontade.
Mas, quando o Padre se dispôs a lê-los, se viu diante de casos tão enormes e complicados, que não teve bastante confiança em si para resolvê-los: pediu licença ao penitente e foi consultar o Superior.

Mas, ao abrir a folha para ler, o Abade exclamou:
— O quê é que tenho que ler, se aqui não há nada escrito?
De fato, Deus tinha miraculosamente cancelado daquele papel todos os pecados do rapaz, como já os tinha cancelado da sua alma.
Mas que necessidade temos nós de procurar os exemplos dos Santos, quando o próprio Jesus Cristo nos diz e nos demonstra que a confissão geral torna realmente a dar a inocência batismal?

Além do que contei sobre Margarida de Cortona, no capítulo dos efeitos admiráveis da Confissão, podemos falar ainda de Santa Margarida Alacoque.

Enquanto a Santa estava fazendo os Exercícios Espirituais, Jesus lhe apareceu e lhe disse:
— Margarida, desejo que renoves a confissão geral de toda a tua vida. Faze-o eu trazer-te-ei uma veste alvíssima.

Margarida põe-se à obra para ser agradável a Jesus e, depois de um exame diligente faz a sua confissão geral. Assim que terminou, Jesus apareceu novamente, tendo nas mãos uma túnica muito alva, com a qual a cobriu, dizendo:

— Eis aqui, Margarida, a veste que eu prometi.

Era da inocência batismal que Ele a revestia.
Oh! bendita seja a confissão que produz em nossa alma efeitos tão maravilhosos, que tanto a purifica e a torna novamente bela, como se tivesse acabado de sair das águas do Santo Batismo!

D. — Agradecido, Padre, compreendi perfeitamente; sou-lhe grato pelo que me disse e não o esquecerei.

Parte final.
Quem quer e quem não quer
ou seja desculpas e pretextos.

D. — Quanto a mim, estou plenamente convencido de tudo o que foi dito até aqui e das excelentes vantagens da Confissão bem feita e freqüente; mas há também muitos que, ou por não a freqüentarem sempre, ou por não a freqüentarem nunca, arranjam desculpas e pretextos: o senhor quer ter a bondade de me sugerir um modo de combatê-los e convencê­los?
M. — De boa vontade. Exponha as "desculpas e pretextos" de uns e de outros.

D. — "Eu não tenho pecados para confessar", dizem alguns.
M. — Será verdade?... O Espírito Santo diz que até o justo peca sete vezes por dia e São João Evangelista escreve: "Se dissermos que não temos culpas enganaremos a nós próprios e em nós não haverá verdade. Os que dizem que não têm pecados para confessar são pobres cegos que não conhecem a própria miséria e, se não a conhecem, é justamente porque não se confessam com bastante freqüência. As pessoas asseadas não toleram nem as pequeninas manchas. Mas as pouco asseadas não se apoquentam nem com manchas grandes e nem com sujeira.
Um oficial perguntou certa vez a um sacerdote:

— Diga-me uma coisa, Padre: Quem não peca é obrigado a se confessar?... Eu nunca me confesso porque nunca peco.

O sacerdote respondeu de pronto:

— Senhor oficial, eu só conheço duas categorias de pessoas que não pecam: crianças, que ainda não atingiram a idade do uso da razão e... os loucos que, infelizmente, já o perderam.

D. — "Eu não sei o que dizer ao Confessor."
M. — É muito simples. Mesmo quando não tiverem nem roubado, nem morto, nem odiado, nem dado escândalo, etc... e na sua consciência um tanto grosseira não tiverem achado nem mesmo pequenas mentiras, murmurações, maledicências, pensamentos inúteis, afeições, distrações, omissões, negligências e outras muitas coisas parecidas, apresentem-se do mesmo modo ao Confessor e declarem simplesmente que não sabem o que lhe dizer. Podem estar certos de que, com a sua caridade e prudência ele saberá fazer com que descubram o que não foram capazes de achar. Além disso, ele terá sempre muitas coisas para lhes dizer, muitos conselhos para lhes dar e também um pouco de penitência, de modo que, quando o deixarem, estarão melhorados, terão mais fervor, sentir-se-ão satisfeitos e felizes pelo contacto que tiveram com Jesus, cujo ministro é o Confessor.

D. — "Não tenho a tranqüilidade suficiente para isso.
M. — Vocês têm desgostos, preocupações, aborrecimentos? Vão a ele do mesmo modo. O Confessor terá compaixão de vocês, será caridoso, ajuda-los. Deus não exige mais do que lhe podem dar. Os Sacramentos é que são feitos para os homens e não os homens para a grandeza dos Sacramentos. Coragem e boa vontade e, sobretudo confiança no Confessor e em Deus.

D. — "Não tenho tempo e nem facilidade para me confessar freqüentemente".
M. — Outra desculpa que não serve. Querer é poder! Quantas coisas não se fazem, mesmo à custa de sacrifícios, para o bem corporal, para a saúde, para os interesses? Será que para a nossa alma não havemos de querer fazer nada? Tratemo-la ao menos como o pobre cadáver do nosso corpo. Aliás, o tempo gasto com a alma, Deus o recompensa generosamente mesmo aqui na terra.

Um dia um campônio forte e sadio foi confessar-se com um padre jesuíta. A primeira pergunta do confessor foi:
— Há quanto tempo não se confessa?
— Há dez anos!
— E agora está disposto a se confessar bem?
— Estou, Padre!
— Dê-me então dez cruzeiros!
— Como? Dez cruzeiros? Mas eu sempre ouvi dizer que não se paga nada pela confissão.
— Não se paga nada, rebateu o sacerdote, e o Sr. vem se confessar só de dez em dez anos? Compreendeu o campônio a justa repreensão, pediu humildemente perdão e prometeu freqüentar melhor os Sacramentos.

D. — "Eu não tiro proveito algum da confissão; estou sempre do mesmo jeito".
M. — Não são vocês que o devem julgar, mas o Confessor. De mais a mais, essa é uma argumentação às avessas. Se não se confessarem ou se o fizerem raramente, não ficarão sempre do mesmo jeito, mas se tornarão certamente cada vez piores, sem darem por Isso.

D. — "Muitas vezes, eu não tenho coragem para me confessar, porque o Confessor me conhece".
M. — Mas quem é que os obriga a se confessarem com um Confessor que os conhece? Há tantos por aí que nem se quer sabem se vocês existem ou não; procurem um desses e confessem-se com sinceridade e sem medo.

D. — "Mas o que direi ao meu Confessor quando voltar para ele?"
M. — Digam-lhe o mesmo que das outras vezes, sem mencionar os pecados absolvidos pelo outro. O melhor, porém seria escolher um Confessor de plena confiança com o qual poderiam ser absolutamente sinceros.

D. — "E quando não for possível, por não haver outros?"
M. — Se vocês tivessem uma ferida mortal, se por engano tomassem veneno, será que não correriam logo à procura de um médico ou cirurgião qualquer, a custa de qualquer sacrifício, contanto que pudessem salvar-se?

Pois bem, façam o mesmo para tirar logo da alma o veneno do pecado, recorrendo, a contra-gosto se for preciso, ao Confessor de sempre.

D. — "O quê dirá ele de mim?"
M. — Dirá que você também é humano como os demais; admirará a sua coragem, a sua humildade, a sua sinceridade; ficará satisfeito ao pensar que merece toda a sua confiança; o seu afeto e a sua estima por você serão aumentados. De mais a mais, ele que diga o que bem entender, contanto que o seu coração fique em paz!

D. — Outros então — e são os que têm menos vontade — vão repetindo: "Para quê me confessar?"
M. — Porque Deus assim o quer! Porque você tem necessidade disso!... Porque é só mediante a Confissão que obteremos o perdão e a verdadeira paz de espírito!... Porque os pecados são punidos com penas eternas!
Riam-se e neguem à vontade que nunca conseguirão destruir o inferno e a eternidade, Deus e a sua justiça, a alma e a sentença que a espera.
Para quê se confessar? Porque vocês têm necessidade de ouvir palavras de um amigo que lhes diga toda a verdade, sem rodeios nem enganos. Porque longe da Confissão, vocês acabarão tendo uma morte desgraçada e uma eternidade infeliz!

D. — "Eu não creio na Confissão".
M. — Confessem-se, e acreditarão, como acreditaram muitos que antes eram incrédulos como vocês; como acreditaram os homens mais célebres, os mais insignes cientistas, os mais importantes personagens.
Um dia, um senhor apresentou-se ao Santo Cura de Ars para vê-lo e para falar-lhe. As primeiras palavras do visitante o Padre respondeu:
— Ponha-se aqui no confessionário e confesse-se.
— Mas... continuou o visitante, eu não creio em nada.
— Não importa, eu creio pelo senhor; confesse-se.
— Acredite, Padre, que não há nada no mundo mais ridicularizado e detestado do que a confissão.

Desculpas e rodeios foram inúteis: com suave insistência o Santo Cura obrigou-o a ajoelhar-se e o ajudou na confissão. Assim que terminou, o homem se levantou alegre, exclamando:

— Agradecido, Padre; eu creio!... estou plenamente satisfeito! O Sr. não podia causar-me maior benefício!...

D. — "Não sei me confessar".
M. — Nada mais fácil para quem tem boa vontade! Do mesmo modo que confiam ao médico as dores de cabeça ou de estômago, confiem ao Confessor os males da alma. De qualquer maneira, apresentem-se a ele, que os livrará de todo e qualquer embaraço.

D. — "Eu não me confesso, porque, se o fizesse fariam caçoada de mim, me chamariam de beato, de clerical, e de não sei que mais".
M. — Oh, soldado de papelão! Onde está o seu valor? Se o mundo estivesse cheio de beatos e clericais, haveria menos roubos, menos fraudes, menos escândalos, menos cárceres e penitenciárias. Se todos se confessassem haveria mais honestidade, mais decoro, mais segurança individual e coletiva e — digamo-lo francamente — maior bem estar e civilidade! Aliás, se lhes falta mesmo a coragem, quem os obriga a se fazerem ver? Vão quando e onde não sejam vistos.

D. — "Não me confesso, porque não tenho confiança nos padres da minha paróquia".
M. — Seja, mas porque não procuram outros? Muitos o fazem, por ocasião de festas, feiras, mercados e voltam para casa satisfeitos e felizes. Para arrancar um dente vocês são capazes de maiores sacrifícios, procedam do mesmo modo para arrancar os pecados! E se lhes acontecesse uma desgraça? Se adoecessem grave e repentinamente? O quê fariam? Será que haveriam de querer morrer assim, sem Sacramentos, ou, ainda pior, com Sacramentos mal recebidos? Afastem pois esses temores de criança; a salvação da alma antes de tudo!

D. — "Não posso deixar esse pecado".
M. — Então vocês querem ir para o inferno, para toda a eternidade? Querem, em troca de míseras satisfações, continuar a injuriar a Deus e a causar pesar a Jesus?

D. — "Não posso deixar essa pessoa".
M. — Maldita seja essa pessoa que é causa de pecado! Mas será que vocês calculam não deixá-la nem com a morte? Será que pretendem levá-la para além do túmulo, para o juízo, para a eternidade? Não vêm que ela os desonra, os envergonha, os arruína? É preferível dizer de uma vez que não querem! Lembrem-se da história do que cedeu à sua.

D. — "A confissão é uma invenção dos padres".
M. — Ah, é? Vocês falam sério?! Têm mesmo certeza? Pois bem, citem os nomes! Conhecem-se todos os inventores de todas as maiores descobertas, portanto, não seria difícil saber o nome de quem inventou a confissão. Que venha o nome!
Mas vocês se calam. Digam-me, ao menos, o ano, a época, o lugar de tal invenção. Vocês continuam calados: não sabem, nem nunca o saberão, porque não existe. Isso é mentira, grande mentira! E vocês deixam-se enganar por alguns indignos desprezíveis que, por não crerem, negam, desprezam, mentem sabendo que mentem?

D. — "Os que se confessam são piores do que os outros".
M. — Eis a grande objeção! Pois bem eu o reconheço em parte e digo: Alguns o são, mas por se confessarem mal, o que é para eles vergonhoso. Mas absolutamente não é esse o caso da maior parte, digo mesmo da grande maioria. Se Deus tivesse a complacência de descobrir em praça pública o estado real das almas, que enorme diferença notaríamos entre as que se confessam e as que o fazem raramente ou nunca. É o mesmo que duas fazendas idênticas e usadas da mesma maneira, das quais uma é sempre lavada e a outra não.

Naturalmente, se tomarem para exemplo os piores dos que se confessam e os compararem com os melhores dentre os que não se confessam, o resultado os satisfará. Mas comparem os bons com os bons, os maus com os maus e verão que a coisa muda de aspecto.
É preciso considerar o conjunto e não os indivíduos em particular. Sobre cem pessoas que se confessam poderão encontrar duas, talvez dez más; mas sobre cem que não se confessam encontrarão mais de noventa, justamente porque não freqüentam a confissão.

Gallerani, escreve:
"Se deitamos um olhar sobre os países e as cidades, veremos com nossos próprios olhos os ladrões, os sicários, os assassinos, as mulheres infiéis, as libertinas, as que se vendem, e enfim toda essa imundície que enche e infeta os cárceres e as penitenciárias, sai de lugares bem diferentes das fileiras dos que se confessam".

São estas as palavras de um contemporâneo ilustre:

"Filhos, injuriai a confissão, se quiserdes, mas lembrai-vos de que foi ela que fez com que vossas mães amassem as aflições que a vossa infância lhes custou. Injuriai a confissão, ó maridos; mas lembrai-vos de que é ela que mantém vossas mulheres firmes e imaculadas durante a vossa ausência. Injuriá-la, ó pobres, mas é ela que faz descer sobre vós, com maior delicadeza e abundância, a caridade do rico. Injuriai-a, á ricos, mas é ela que, melhor do que todas as leis humanas, garante e salva os vossos bens e os vossos direitos sempre tão ameaçados".

Reflitam também sobre três fatos gerais que todos percebem facilmente:

1) É verdade ou não que todos os que se confessam dão mostras de que têm intenção de se conservar no caminho dos bons costumes e, mesmo quando já caíram dão a perceber que tencionam ressurgir?
2) É ou não verdade que, aquele que se quer deixar levar à mercê do vício abstêm-se logo da confissão e vai engrossar as fileiras dos que já não se confessam mais?
3) É ou não verdade que, todo o indivíduo que quer voltar para o bom caminho começa por recorrer ao ministério do Sacerdote, à Confissão?

"Pois bem, se isso é verdade; exclama o supra citado Padre Gallerani, temos o direito de concluir que na cidade de Deus, onde se pratica a confissão, há bem mais virtude do que na cidade do mundo onde não se freqüentam os Sacramentos. Pelo contrário, na cidade do mundo, onde não se pratica a confissão, há uma soma de vícios muito mais alta do que na cidade de Deus, onde é praticada".

Oh! como é fácil compreender que todas essas dificuldades sobre a confissão partem do coração e da paixão, e não da razão. Afastem os vícios do coração, façam calar as paixões e amanhã mesmo confessar-se-ão com os outros aos pés do Sacerdote.

D. — Muito bem Padre: guardarei todas essas belas respostas e, de agora em diante, todas as vezes que eu ouvir despropósitos e horrores sobre a confissão, saberei servir-me delas e responder pelas rimas.
M. — Quanto a você, tenha sempre gravadas na memória estas palavras de São Paulo:"Mesmo que um Anjo baixasse do Paraíso para dizer coisas contrárias ao Evangelho, e, portanto, contrárias à confissão, não creias nem no Anjo". Assim, você será sempre um bom cristão — e é o que lhe desejo de todo o coração — porque a confissão é vida e luz.

Um professor convertido há pouco, encontra casualmente um sacerdote; olha-o atentamente, e depois, cumprimentando-o gentilmente, exclama:
— O senhor é o meu confessor!...
— Mas... eu não tenho certeza, responde o sacerdote um tanto incerto.
— Sim, o senhor é o meu confessor, eu, o estou reconhecendo. Devo-lhe a minha felicidade, porque a confissão é vida e luz! Quem não se confessa não podo ser crente nem se pode gabar de ter fé.

Diante dessa cena comovente, um advogado que havia muitos anos não comungava pela Páscoa, comovido até o fundo da alma, decidiu experimentar também, e acabou persuadindo os seus amigos a seguirem o seu exemplo, para que se convencessem também de que a confissão é vida e luz.


Oração pelo próprio confessor

Deus, pois que, com a vossa solicitude paterna, me destes para guardião e guia um vosso tão digno Ministro, concedei-me ainda a graça de por em prática os seus sábios ensinamentos, afim de que eu consiga conquistar todas as virtudes, que, para a Vossa glória e para a minha salvação devem resplandecer em mim.
Peço-Vos para ele, ó Senhor, a mais ardente caridade, o zelo mais iluminado, a santidade mais sublime e a consolação inefável de conduzir para o Vosso amorosíssimo Coração um imenso exército de almas que Vos bendigam, Vos amem, e que formem para sempre no Paraíso a sua gloriosa coroa. Assim seja.



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