quinta-feira, 10 de março de 2016

"Esclarecimentos", por Dom Tomás de Aquino, OSB


Muitos fiéis estão assustados e perplexos diante do que está sendo dito a respeito dos Bispos da Resistência. Seriam eles liberais? Estariam eles, ao menos, escorregando para o lado liberal e modernista?

Vejamos alguns pontos controvertidos: duas Igrejas entrelaçadas, frutos metade bons, metade maus; piedade na Missa Nova.

Duas Igrejas entrelaçadas que podem ser distinguidas mas não separadas. Que sentido pode haver nesta frase? O que pode haver de comum entre a luz e as trevas, entre Cristo e Belial? A questão é mais simples do que parece. Não pode haver nada de comum entre a doutrina modernista e a doutrina católica, já que o modernismo é a negação do catolicismo. Mas quando um membro do clero e sobretudo os Bispos e o próprio Papa se tornam modernistas, eles fazem violência à Igreja e realizam uma união adúltera entre o seu caráter sagrado de ministros de Deus e uma doutrina que é contra este caráter sagrado. Entrelaçada, ou melhor, atada pelos seus próprios ministros, como Nosso Senhor preso e atado pelos que deveriam recebê-Lo como Messias e adorá-Lo como o Filho de Deus, consubstancial ao Pai e ao Espírito Santo.

Gustavo Corção já havia falado de duas Igrejas e um só Papa, ao contrário do que se sucedeu no Grande Cisma quando havia uma só Igreja e três Papas.

Mas como pode haver frutos metade bons, metade maus? Uma árvore má dá maus frutos e uma árvore boa dá bons frutos. Um fruto é bom ou é ruim. Ponto final.
Infelizmente a realidade é mais complexa. Santo Tomás diz que a árvore má é a vontade perversa. Uma vontade perversa não pode dar frutos bons, mas o mesmo homem pode, ora dar frutos bons, ora dar frutos maus, pois o mesmo homem pode pecar como São Pedro pecou e se arrepender como São Pedro se arrependeu. O mesmo homem pode ter uma vontade perversa e, tocado pela graça, pode ser justificado e vir a ter uma vontade boa.

Mas dirão: não é isso que foi dito. Como pode um fruto ser metade bom, metade mau? Tudo o que apodrece supõe algo que não era podre. Logo supõe algo de sadio. O que vemos hoje é a lenta corrupção da sã doutrina, dos bons costumes, dos sacramentos, etc, etc. A causa desta corrupção é má pois procede do demônio, do mundo e da carne. O resultado desta corrupção será mais ou menos avançado segundo cada pessoa.

Passemos à consideração de alguns fatos históricos que podem ser úteis no exame desta realidade da coexistência de bem e de mal, de metade bom e metade mau.

No século XIX, Pio IX disse que os piores inimigos da Igreja eram os católicos liberais. Monsenhor Dupanloup era um católico liberal. Ele era Bispo de Orleans. Pio IX não o destituiu. Pio IX não o excomungou. Monsenhor Dupanloup não fez só coisas ruins. Creio que foi ele que pediu a introdução do processo de canonização de santa Joana d'Arc. Nisto ele agiu bem. Foi ele também que se opôs, com outros Bispos, à definição da infalibilidade pontifícia. Nisto agiu mal. Agiu como um liberal, inimigo das definições infalíveis. Metade bom, metade mau. Pior inimigo da Igreja, porque, estando dentro dela, lhe faz mais mal do que os que estão fora. Mas, mesmo assim, mantido no seu cargo por Pio IX, porque fazia algum bem, apesar de tudo, ou porque destituí-lo causaria mais mal do que bem.

Alguns pensarão talvez que Pio IX agiu mal. Mas são Pio X fez o mesmo com os modernistas. Ele excomungou apenas alguns. Outros, simpatizantes do modernismo, ele tolerou. Eram simpatizantes do modernismo em maior ou menor grau. são Pio X tentou convertê-los. Chamou a atenção. Corrigiu-os, mas não retirou o cargo nem ao Cardeal Maffi, nem ao Cardeal Ferrari, Arcebispo de Milão. Pio XI foi mais severo (injusto, para falar a verdade) com o excelente Cardeal Billot do que são Pio X com estes dois prelados mais ou menos atingidos pelo modernismo. Por que? Porque são Pio X certamente via algum bem nesses cardeais. Metade bom, metade mau. Algum bem, ao menos, em deixá-los em seus cargos. Um bem relativo e um mal também. Uma mistura de bem e de mal.

São Paulo ensina que há dois homens em nós: o velho e o novo. Mesmo quando o novo toma o lugar do velho no dia do batismo, as feridas do pecado original permanecem, lembrando-nos nossa origem em Adão. É o combate espiritual que durará toda nossa vida.
Enfim a piedade na Nova Missa. É isto possível? Mas falar disso é ser progressista, modernista, liberal? Não. É um fato. Há padres e há fiéis que rezaram ou assistiram a Missa Nova com piedade. Ao menos, pode-se pensar que o fizeram. Cito um caso que conheci: Gustavo Corção. Alguns seminaristas da Fraternidade São Pio X também a assistiram no início dos anos 70, pelo que se deduz escutando as conferências de Dom Lefebvre dadas em Ecône. Suponho que o fizeram com piedade.

Mas dizer isso é favorecer a Missa Nova! Não. Dizer isso é dizer uma verdade. Verdade que mostra a profundidade do drama que vivemos nesta terrível crise. O bem e o mal perdem sua nitidez na alma de muitos. Guardar esta nitidez é uma graça. Saber que outros não a tem é sabedoria. A sabedoria é necessária para auxiliar as almas e para retirá-las deste caos. Possa Deus nos fazer a graça de contribuir em esclarecer as que são vítimas desta desorientação diabólica da qual falou a irmã Lúcia.


Dom Tomás de Aquino, OSB.

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