quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Uma hierarquia para duas igrejas

Se vocês não lerem muito, cedo ou tarde serão traidores, porque não terão compreendido a raiz do mal. (Do liberalismo a apostasia)
Protegei e alimentai vossa Fé por meio de leituras. Não me é possível citar todas as publicações, todas as revistas, tudo que, graças a Deus, tem sido suscitado por almas ferventes e inteligentes, que compreenderam a necessidade de ajudar os fieis a conservar a Fé Católica (...) (mons. Lefebvre, sermão em 19/11/1989)
"Penso que vossos aplausos de uns momentos atrás eram uma manifestação espiritual que traduz vossa alegria por ter enfim bispos e sacerdotes católicos que salvem vossas almas, que deem a vossas almas a vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, através da doutrina, dos sacramentos, da fé e do Santo Sacrifício da Missa. A vida de Nosso Senhor, da qual tendes necessidade para ir ao Céu, está desaparecendo em todas as partes nesta igreja conciliar. (...) (mons Lefebvre, sermão das Sagrações Episcopais de 88)
Devido a insuficiência de formação doutrinária sobre a questão das duas Igrejas que existem após o Vaticano II, disponibilizamos aqui o estudo dos Dominicanos de Avrillé.

Uma hierarquia para duas igrejas

Dominicanos de Avrillé

Le Sel de la Terre n°59, inverno de 2006-2007


***
   Em uma carta datada de 25 de junho de 1976 enviada a Monsenhor Lefebvre por parte do Papa, Monsenhor Giovanni Benelli emprega pela primeira vez uma expressão que se tornou famosa: “A Igreja Conciliar.” “Se eles (os seminaristas) são de boa vontade e seriamente preparados para um ministério presbiterial na verdadeira fidelidade à Igreja Conciliar, encarregar-nos-emos de encontrar a melhor solução para eles.”
   Desta Igreja conciliar temos falado frequentemente em “Le Sel de la Terre”, mas não nos é inútil voltar a esta questão já que é tão importante. A questão que particularmente queremos abordar aqui é a seguinte: A Igreja católica e a Igreja conciliar têm uma mesma hierarquia?
ESTADO DA QUESTÃO
   Por princípio, de onde partimos? Procuraremos definir as duas Igrejas em questão. Fá-lo-emos segundo as quatro causas que geralmente distinguem a filosofia escolástica.
   Uma sociedade é um ser moral (no caso da Igreja Católica, não há somente união moral. Também há união espiritual devido à participação de bens sobrenaturais - a fé, por exemplo: é uma união de pessoas que estão unidas pelo mesmo fim - um mesmo bem comum). Pode-se distinguir:
- A causa material, são as pessoas que estão unidas na sociedade. Diremos que no caso da Igreja Católica como no da Igreja conciliar, são os batizados (com um batismo válido).
- A causa eficiente é o fundador da sociedade: Nosso Senhor Jesus Cristo no caso da Igreja Católica, os papas do concílio, no caso da Igreja conciliar. Depois da ascensão de seu fundador, é a autoridade quem continua fazendo o papel de causa eficiente e mantém unida à sociedade. Atualmente, é essa mesma hierarquia que cumpre o papel de causa eficiente para a Igreja Católica e para a Igreja conciliar.
- A causa final é o bem comum buscado pelos membros da sociedade: no caso da Igreja Católica, o bem que se busca é a salvação; no caso da Igreja conciliar o bem que se busca é – mais ou menos conscientemente – a unidade do gênero humano (o ecumenismo em sentido amplo) “O que define melhor toda a crise da Igreja é verdadeiramente este espírito ecumênico-liberal” (Monsenhor Lefebvre, conferência de 4 de abril de 1978).
- A causa formal é a união dos espíritos e vontades dos membros na busca do bem comum. Na Igreja Católica, há união de espíritos em uma mesma profissão de fé e uma união de vontades na prática de um mesmo culto e na obediência aos mesmos pastores (portanto às leis que eles estabelecem, a saber, o Direito Canônico). Na Igreja conciliar, encontra-se também uma união de espíritos na aceitação de um mesmo ensinamento (o Concílio) e união de vontades na prática da nova liturgia e na obediência às novas diretrizes da hierarquia pós-conciliar (como o novo código de direito canônico). (Esta união de espíritos e de vontades é muito menos estrita na Igreja conciliar que na Igreja Católica. Basta “aceitar o concílio” e em seguida cada qual pode fazer o que quiser).
 Podemos definir a Igreja católica como a sociedade de batizados que buscam salvar suas almas professando a fé católica, praticando o mesmo culto católico e obedecendo aos mesmos pastores, sucessores dos Apóstolos.
   Quanto à Igreja Conciliar, ela é a sociedade de batizados que se submetem às diretivas do papa e dos bispos atuais em sua vontade de promover o ecumenismo conciliar e que, por consequência, admitem todo o ensinamento do Concílio, praticando a nova liturgia e submetendo-se ao novo direito canônico.
   Nestas condições, é possível que uma mesma hierarquia possa dirigir as duas sociedades?
OBJEÇÕES
- Primeira objeção: Não é possível que uma mesma hierarquia dirija duas Igrejas. Pode se imaginar que um mesmo patriarca possa dirigir os coptas católicos e os coptas ortodoxos? Portanto é impensável imaginar uma hierarquia comum à Igreja Católica e à Igreja Conciliar.
- Segunda objeção: De fato, não há uma hierarquia, senão duas. De um lado estão os bispos conciliares que dirigem a Igreja conciliar e do outro os bispos da Tradição que dirigem a Tradição, ou seja, a Igreja Católica.
- Terceira objeção: Quem não vê que a hierarquia da Igreja Conciliar é uma pseudo-hierarquia? O papa não é papa porque não é católico; quanto aos bispos, não são bispos porque o rito das consagrações episcopais não é válido.
[Nós adicionamos uma quarta objeção, lida na internet. Diz essa objeção: “a religião do Concílio Vaticano II é uma religião especificamente distinta e inclusive oposta à católica. É impossível que a religião conciliar esteja dentro da Igreja Católica”. Respondemos: a ideia é esta: “a religião conciliar é uma heresia e é impossível que haja hereges dentro da Igreja Católica”. Mas a verdade é que se pode professar a religião conciliar sem culpa, incorrendo em heresia apenas material, e dado que os batizados que incorrem em heresia unicamente material não deixam de pertencer à Igreja, pode-se professar a religião conciliar sem deixar de ser católico ou de estar na Igreja Católica.-Nota do blog Non Possumus]
ARGUMENTO DE AUTORIDADE
   Nós não somos os primeiros a afirmar que as duas Igrejas têm a mesma hierarquia. Esta afirmação se encontra com a maioria dos que abordaram a questão antes de nós:
   “Que exista no presente duas Igrejas, com um só e mesmo papa Paulo VI à cabeça de uma e outra, nós não o dissemos por nada, não o inventamos, nós constatamos que é assim.” Gustavo Corção na revista Itineraires de novembro de 1974, em seguida o padre Bruckberger no “L’Aurore” de 18 de março de 1976 tem-no sublinhado publicamente: a crise religiosa não é como no século XVI de ter para uma só Igreja dois ou três papas simultaneamente; agora é de ter um só papa para duas Igrejas, a Católica e a pós-conciliar […]
   O mundo moderno nos apresenta um espetáculo oposto ao do grande cisma do ocidente: duas Igrejas com um só Papa.
   O texto mais interessante é do padre Julio Meinvielle. Data de 1970: é o primeiro texto que conhecemos sobre este assunto. O sacerdote argentino escreveu – e é a conclusão de seu magistral livro “De la Cábala ao progresismo”:
   “Um mesmo Papa presidiria ambas Igrejas, que aparente e exteriormente não seriam senão uma. O Papa, com suas atitudes ambíguas daria pé para manter o equívoco. Porque, por um lado, professando uma doutrina inatacável, seria a cabeça da Igreja das Promessas. Por outro lado, produzindo atos equívocos e até reprováveis, apareceria encorajando a subversão e mantendo a Igreja gnóstica da Publicidade.
   A eclesiologia não tem estudado suficientemente a possibilidade de uma hipótese como a que aqui propomos. Mas se pensarmos bem, a Promessa de assistência da Igreja se reduz a uma assistência que impeça o erro de introduzir-se na Cátedra Romana e na mesma Igreja, e ademais que a Igreja não desapareça nem seja destruída pelos seus inimigos”.
REFLEXÃO TEOLÓGICA.
   Nosso Senhor prometeu que as portas do inferno – os poderes infernais – jamais prevalecerão contra sua Igreja. Portanto ela é indefectível: ela deve continuar até o fim dos tempos para fornecer às almas de boa vontade os meios de salvação, a saber: a sã doutrina, sacramentos válidos, o santo Sacrifício da Missa, uma autêntica vida espiritual. Tudo isto supõe que a hierarquia católica durará até o fim do mundo e poderá – ao menos para os que verdadeiramente o desejam, cumprir com seu fim que é conduzir as almas ao Céu.
   Além disso, Nosso Senhor também anunciou que sua segunda vinda seria precedida de uma “tribulação tal que não houve desde o princípio do mundo até agora, e não haverá outra.” (Mt. XXIV, 21). Esta tribulação será acompanhada de uma decaída da fé ao ponto que Nosso Senhor se pergunta se encontrará ainda fé sobre a terra no momento de sua segunda vinda (Lc. XVII, 8). Esta apostasia está profetizada por São Paulo (II Tes. III, 4) e São Tomás de Aquino explica comentando este versículo, que os povos cristãos se emanciparão da fé da Igreja Romana. Isto parece indicar bem que uma boa parte da hierarquia será infiel à sua missão.
   No tempo que precede à vinda de Nosso Senhor, o sol e a lua não iluminarão mais (Mt. XVIII, 8), o que, em sentido simbólico, significa que a Igreja e a sociedade cristã perderão a sua influência.
RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES.
   Podemos agora responder às objeções contra a possibilidade de uma única hierarquia para as duas “Igrejas”.
- O erro da primeira objeção é o de imaginar a Igreja conciliar como uma sociedade que impõe formalmente o cisma ou a heresia, tal como uma igreja ortodoxa ou uma comunhão protestante. Se eu me adiro à igreja anglicana, por exemplo, sou formalmente cismático, ou seja, herege, e já não faço parte da Igreja Católica.
   Mas eu posso ser conciliar – ou seja, para simplificar, ecumenista – conservando a fé católica.Sem dúvida que ponho minha fé, e a de outros, em perigo. Mas não abjuro dela em seguida.
   É por isso que os membros da hierarquia, desde o momento em que não levam seus erros ao ponto de renegar a fé católica, continuam sendo membros da hierarquia católica, inclusive quando são conciliares.
   O que concedemos ao objetante é que os bispos da Tradição não formam parte da Igreja conciliar.
- Contrariamente ao que declara a segunda objeção, os bispos conciliares e os bispos da Tradição não constituem duas hierarquias. Monsenhor Lefebvre, ao consagrar os bispos em 30 de junho de 1988, protestou contra a ideia de estabelecer outra hierarquia. Não há mais do que uma hierarquia, tendo em sua cabeça o papa e sob ele todos os bispos católicos (inclusive os da Tradição).
   Quando um sacerdote da Tradição celebra a santa Missa, nomeia no cânon os membros da hierarquia: o papa e o bispo do local.
   O que dá uma aparência de verdade à objeção, é que o papa e os bispos atuais, muito frequentemente, atuam como representantes da Igreja conciliar: nesta qualidade – quando promovem os novos sacramentos, o novo catecismo, etc. – os bons católicos, com razão, não os obedecem.
- Quanto à terceira objeção, esta repousa em afirmações gratuitas, como temos explicado muitas vezes nesta revista. Ninguém jamais apontou a prova decisiva de que o papa não seja papa, nem que os bispos atuais sejam consagrados com um rito inválido. Temos de tê-los – pela falta de prova em contrário – por representantes da hierarquia, resistindo-lhes quando utilizam sua posição para impor os erros conciliares.
ANEXO SOBRE A IGREJA CONCILIAR
Monsenhor Lefebvre:
   Um tempo após haver recebido a carta de Monsenhor Benelli, em 29 de julho, Monsenhor Lefebvre comentou também esta expressão “igreja conciliar”:
    "Nada mais claro! De agora em diante, é à igreja conciliar que se deve obedecer e ser fiel, já não à Igreja católica. Esse é precisamente todo o nosso problema. Nós estamos suspensos a divinis pela Igreja conciliar, e para a Igreja conciliar, da qual nós não queremos fazer parte.
   Esta igreja conciliar é uma igreja cismática, porque ela rompe com a Igreja católica de sempre. Tem seus novos dogmas, seu novo sacerdócio, suas novas instituições, seu novo culto já condenado pela Igreja em repetidos documentos oficiais e definitivos.
   É por isso que os fundadores da igreja conciliar insistem tanto sobre a obediência hoje em dia, fazendo abstração da Igreja de ontem, como se ela já não existisse.
   (…)A igreja que afirma semelhantes erros, é por sua vez cismática e herética. Esta igreja conciliar não é, portanto, católica. Na medida em que o papa, os bispos, sacerdotes ou fiéis aderem a esta nova igreja, eles se separam da igreja católica. A igreja de hoje não é a verdadeira Igreja mais que na medida que ela continue em unidade com a Igreja de ontem e de sempre. A norma de fé católica é a Tradição”.
Outras citações de Monsenhor Lefebvre:
   "Deste concílio nasceu uma nova igreja reformada que o mesmo Monsenhor Benelli chama a igreja conciliar.
É muito fácil pensar que qualquer um que se oponha ao concílio, seu novo evangelho, será considerado como fora da comunhão da Igreja. Podemos lhes perguntar: de qual Igreja? Eles respondem: da igreja conciliar. (Acuso o Concílio, pg. 7)
Este concílio representa, tanto aos olhos das autoridades romanas como aos nossos, uma nova igreja que eles chamam “a igreja conciliar”. (…)
   Todos os que cooperam na aplicação desta alteração, aceitam e aderem a esta nova igreja conciliar, como a designou Monsenhor Benelli na carta que me enviou da parte do Santo Padre, em 25 de junho passado (1976), entram no cisma” (Um Bispo Fala, pgs. 97 e 98).
   "A nova missa, como a nova igreja conciliar, está em ruptura profunda com a Tradição e o magistério da Igreja. É uma concepção mais protestante que católica que explica tudo o que está indevidamente exaltado e tudo o que tem sido reduzido (...) A reforma litúrgica de estilo protestante é um dos maiores erros da igreja conciliar e um dos mais nocivos à fé e à graça.” (Carta Aberta ao Papa, suplemento nº 37 de Fideliter, janeiro-fevereiro de 1984, pg. 10).
   "Os católicos que se assustam com a nova linguagem utilizada pela igreja conciliar, têm a vantagem de saber que isto não é novo, que Lamennais, Fuchs, Loisy o iniciaram desde um século atrás, e que eles mesmos não fizeram mais que reunir todos os erros que correram no curso dos séculos” (Carta Aberta aos Católicos Perplexos, cap. 16).
   "O cardeal Ratzinger se esforça uma vez mais em dogmatizar o Vaticano II. Nos deparamos com pessoas que não têm nenhuma noção da Verdade. Estaremos cada vez mais forçados a atuar considerando esta nova igreja como já não católica” (Carta de Monsenhor Lefebvre a Jean Madiran, em 29 de janeiro de 1986).
   "Louis Veuillot disse: “Dois poderes vivem e estão em guerra no mundo: A Revelação e a Revolução”. Escolhemos conservar a Revelação enquanto que a igreja conciliar escolheu a Revolução. A razão de nossos vinte anos de combate está nesta escolha” (Conferência em Ecône em setembro de 1986, Fideliter 55, pg. 18).
   "Como é este espírito de diálogo liberal que é inculcado desde o início aos sacerdotes e missionários, compreendemos por que a igreja conciliar tem perdido completamente seu zelo missionário, o espírito mesmo da Igreja” (O Destronaram, pg. 104).
   (…) "Esperando que vós possais realizar meu desejo de uma revista que destrua os erros do concílio e da igreja conciliar professados cada vez mais abertamente pelo papa e a cúria romana, trazendo à luz a doutrina católica. Agora enfrentamo-nos com os assassinos da fé católica, sem nenhuma vergonha” (Carta de Monsenhor Lefebvre ao padre prior de Avrillé, 7 de janeiro de 1991).
   Terminemos com um extrato do sermão de Monsenhor Lefebvre em 30 de junho de 1988, durante a consagração dos quatro bispos:
   "Penso que vossos aplausos de uns momentos atrás eram uma manifestação espiritual que traduz vossa alegria por ter enfim bispos e sacerdotes católicos que salvem vossas almas, que deem a vossas almas a vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, através da doutrina, dos sacramentos, da fé e do Santo Sacrifício da Missa. A vida de Nosso Senhor, da qual tendes necessidade para ir ao Céu, está desaparecendo em todas as partes nesta igreja conciliarSegue uns caminhos que não são os caminhos católicos. Simplesmente conduzem à apostasia. (...)
   Se estou no erro, se ensino erros, está claro que se me deve trazer de novo à verdade, de acordo com os que me enviam este protocolo para ser assinado reconhecendo meus erros. Como se me dissessem: se reconhece seus erros, lhe ajudaremos para que volte à verdade. Que verdade é esta, segundo eles, senão a verdade do Vaticano II, a verdade desta igreja conciliar? Portanto é certo que para o Vaticano a única verdade que existe hoje é a verdade conciliar, o espírito do Concílio, o espírito de Assis. Essa é a verdade de hoje. E isso não o queremos por nada do mundo.”
Outras citações:
   Não foi Monsenhor Lefebvre o único em utilizar esta expressão. O Padre Calmel, em 1971, falava da falsa igreja pós-conciliar.
   "A falsa igreja que vemos entre nós desde o curioso concílio Vaticano II, afasta-se sensivelmente, ano a ano, da Igreja fundada por Jesus Cristo. A falsa igreja pós-conciliar se distancia cada vez mais da Santa Igreja que salva as almas há vinte séculos. A pseudo-igreja em construção se divide cada vez mais da Igreja verdadeira, a única Igreja de Cristo, pelas inovações mais estranhas, tanto na constituição hierárquica como no ensino da moral”.
   Sob expressões análogas, encontramos a mesma noção em Gustavo Corção, em 1974 e 1978:
 Esta desordem que reina no cristianismo, amplifica-se dia a dia, e nos deixa em uma situação única na história depois da santa natividade de Nosso Senhor: nós já não sabemos onde está nossa Igreja! Pelos sinais visíveis, temos uma ideia de pesadelo: o mundo moderno nos apresenta um espetáculo oposto ao do grande Cisma do Ocidente: duas Igrejas com um só papa.
   Minha convicção firme e tenaz, tantas vezes sustentada aqui e em todas as partes, é que entre a Religião Católica professada em todo o mundo católico até poucos anos atrás e esta religião imposta abertamente ao século como "nova", "progressista", "evoluída", existe uma diferença de espécie ou diferença por alteridade. Temos atualmente duas Igrejas, governadas e servidas pela mesma hierarquia: a Igreja Católica de sempre, e a Outra. (…)
   E note bem, leitor: quando dou a essa “outra” o nome de Igreja pós-conciliar não é de modo algum para insinuar aos espíritos a infeliz ideia de que, após o Concílio, a Igreja de Cristo se transformou a ponto de tornar-se irreconhecível, nem que os fiéis de boa doutrina católica devam submeter-se por pura obediência a esta nova forma visível da Igreja, na qual a maioria das pregações e dos novos ensinamentos são radicalmente estranhos e algumas vezes opostos à doutrina católica. Não! A Igreja Católica e Apostólica existindo no mundo após o concílio, submetida a duras provações, mas sempre fiel na conservação do depósito sagrado.
   Se o leitor me pede algumas essenciais diferenças que separam as duas religiões, eu respondo: diferença de espírito, diferença de doutrina, diferença de culto e diferença moral. Como terei chegado a tão assustadora convicção? Pois bem, como todos os católicos que compartilham comigo tal convicção: por anos de sofrimentos e reflexão. Começamos por confrontar os novos textos, as novas alocuções, as novas publicações pastorais com a doutrina ensinada até... anteontem. A começar pelos textos saídos dos mais altos escalões, cujo exame doloroso nos força a concluir que estão inspirados por outro espírito e se firmam em outra doutrina.”
   Em 1976, no Supplement-Voltigeur da revista Itineraires, Jean Madiran escreveu:
"FORA DE QUAL IGREJA?
   Em seu discurso ao consistório de 24 de maio (1976), onde Monsenhor Lefebvre é mencionado muitas vezes, Paulo VI (...) o acusa de se colocar fora da Igreja”.
   Porém fora de qual Igreja? Há duas. E Paulo VI não renunciou a ser papa destas duas igrejas simultaneamente. Nestas condições, “fora da Igreja” resulta em equívoco e não resolve nada.
   Que haja na atualidade duas Igrejas com um só e mesmo Paulo VI à frente de uma e da outra, não o inventamos, constatamos que é assim.
   Alguns episcopados que se declaram em comunhão com o papa, e que o papa não nega sua comunhão, têm saído objetivamente da comunhão católica (...) Sim, mas prevaricadores, desertores, impostores, Paulo VI segue sendo sua cabeça sem desaprová-los e nem corrigi-los, conserva-os em sua comunhão, ele preside esta igreja também (...).
   Se o concílio tem sido interpretado constantemente como o foi, é com o consentimento ativo ou passivo dos bispos em comunhão com o papa. Assim  se  constituiu uma  igreja conciliar, diferente da Igreja Católica. (…)
   Há duas Igrejas sob Paulo VI. Não ver que são duas, ou não ver que são completamente diferentes uma da outra, ou não ver que Paulo VI até agora preside uma e outra, é a cegueira, e em certos casos pode ser uma cegueira invencível. Mas tendo-o visto e não tendo-o dito seria a cumplicidade de seu silêncio e uma anomalia monstruosa.
   Gustavo Corção na revista Itinerários de novembro de 1974, logo em seguida o Padre Bruckberger em L’Aurore de 18 de março de 1976, expressaram-no publicamente: A crise religiosa já não é como no século XVI, quando se teve uma só Igreja e dois ou três papas simultaneamente: Hoje é ter um só papa para duas Igrejas, a católica e a pós-conciliar " (...)
   O Padre Meinvielle, em 1970, falava da Igreja da publicidade para designar o que chamamos a igreja conciliar: mas ele descreve muito bem a situação atual, de uma mesma hierarquia governando duas Igrejas:
   "Não é necessária muita perspicácia para ver que desde há cinco séculos o mundo se está conformando à tradição cabalística – O mundo do Anticristo de adianta velozmente. Tudo ocorre para a unificação totalitária do filho da perdição. Daí também o êxito do progressismo. O cristianismo se seculariza ou vai se tornando ateu.
   Como se hão de cumprir, nesta era cabalística, as promessas de assistência do Divino Espírito à Igreja e como se verificará o portae in feri non prevalebunt, as portas do inferno não prevalecerão, não cabe na mente humana. Mas assim como a Igreja começou sendo uma semente pequeniníssima1, e se fez árvore e árvore frondosa, assim pode reduzir-se em sua abundância e ter uma realidade muito mais modesta. Sabemos que o mysterium iniquitatis já está trabalhando2; mas não sabemos os limites de seu poder. Por outro lado, não há dificuldade em admitir que a Igreja da publicidade possa ser enganada pelo inimigo e converter-se de Igreja Católica em Igreja gnóstica. Pode haver duas Igrejas, uma, a da publicidade, Igreja magnificada na propaganda, com bispos, sacerdotes e teólogos publicitários, e ainda com um Pontífice de atitudes ambíguas; e outra, Igreja do silêncio, com um Papa fiel a Jesus Cristo em seu ensinamento e com alguns sacerdotes, bispos e fiéis que lhe sejam dependentes, espalhados como "pusillus grex" por toda a terra. Esta segunda seria a Igreja das promessas, e não aquela primeira, que poderia deserdar. Um mesmo Papa presidiria ambas Igrejas, que aparente e exteriormente não seria senão uma. O Papa, com suas atitudes ambíguas, daria subsídios para manter o equívoco. Porque, por um lado, professando uma doutrina intocável seria cabeça da Igreja das promessas. Por outro lado, produzindo atos equívocos e quiçá reprováveis, apareceria como alentando a subversão e mantendo a Igreja gnóstica da Publicidade.
   A eclesiologia não estudou suficientemente a possibilidade de uma hipótese como a que aqui propusemos. Mas se se pensa bem, a Promessa de Assistência da Igreja se reduz a uma Assistência que impeça que o erro se introduza na Cátedra Romana e na mesma Igreja, e além disso que a Igreja não desapareça nem seja destruída por seus inimigos."
(1) Mq 13, 32.
(2) 2 Ts 2, 7.
                            Fonte: http://nonpossumus-vcr.blogspot.com.br/
                            Tradução: Capela Nossa Senhora das Alegrias        

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