sexta-feira, 13 de julho de 2018

AMIGOS E INIMIGOS, pelos Padres Dominicanos de Avrillé

“Adúlteros, não sabeis que a amizade com o mundo é inimiga de Deus? Qualquer que por conseqüência, faz-se amigo deste século, se constitui inimigo de Deus”. São Tiago IV, 4.

Em uma época mais ordinária, nós não abordaríamos temas como este. Nós poderíamos nos dedicar mais abundantemente à expor serenamente a sabedoria teológica e mística de Santo Tomás de Aquino.
Infelizmente, a realidade esta aí, que se impõe: Nós estamos mergulhados em uma terrível crise.
Discípulos de uma filosofia realista, nós não podemos fazer abstração desta situação concreta.

*
*   *

O concílio Vaticano II sonhou em reconciliar a Igreja com o mundo. É o sonho de todos os liberais. Eles desejam “reconciliar plenamente o cristianismo com o século”, enquanto que os verdadeiros católicos ambicionam “reconciliar a sociedade com Deus”[1].
            Que o Concílio quis esta amizade com o mundo, isso destaca em toda sua história, especialmente do discurso de abertura de João XXIII, declarando que seria necessário cessar os anátemas, e do discurso de encerramento de Paulo VI, explicando: “Uma simpatia sem limites invadiu [o Concílio] todo inteiro. [...] Sua atitude foi claramente e voluntariamente otimista. Uma corrente de afeição e admiração transbordou do Concílio sobre o mundo humano moderno.”
            Mas, procurando a amizade com o mundo, o Concílio tomou o risco de tornar “adúltero” e “inimigo de Deus”. É São Tiago que nos advertiu em sua epístola: “Adúlteros, não sabeis que a amizade com o mundo é inimiga de Deus? Qualquer que por conseqüência, faz-se amigo deste século, se constitui inimigo de Deus”. São Tiago IV, 4[2].

A IGREJA CONCILIAR É UMA IGREJA BASTARDA

O Concílio, por sua amizade com o mundo, tornou-se, segundo a terminologia de São Tiago, um “concílio adúltero”. Desta união adúltera, dizia Dom Lefebvre, nasceram frutos bastardos[3]: nova missa, novos sacramentos, novo catecismo, novo Direito canônico, em uma palavra, A Igreja conciliar.
            A Igreja conciliar existe verdadeiramente: ninguém pode negar a existência de uma nova liturgia fundada sobre a “doutrina do mistério[4]”, do novo catecismo fundado sobre a “nova teologia [5]”, da nova doutrina moral e social fundada sobre os Direitos do homem, etc.

                                 Esta Igreja conciliar é uma Igreja cismática porque ela rompe com a Igreja Católica de sempre. Ela tem seus novos dogmas, seu novo sacerdócio, suas novas instituições, seu novo culto, já condenados pela Igreja em vários documentos oficias e definitivos[6] 
                                               A falsa Igreja conciliar que se mostra entre nós depois do curioso concílio Vaticano II se distancia sensivelmente, de ano em ano, da Igreja fundada por Jesus Cristo. A falsa Igreja pós conciliar, se contradiz cada vez mais à santa Igreja que salva as almas depois de vinte séculos (e por acréscimo ilumina e sustenta a sociedade). A pseudo Igreja em construção se contradiz cada vez mais à Igreja verdadeira, à única Igreja de Cristo, por suas inovações as mais estranhas tanto na constituição hierárquica quanto no ensino e nos costumes [7].
                                               Minha firme e tenaz convicção, tantas vezes sustentada aqui e lá, é que entre a religião católica professada há alguns anos ainda em todo o mundo católico e esta religião abertamente imposta ao século como “nova”, “progressista”, “evoluída”, existe uma diferença de espécie, ou diferença por alteridade. Nós temos então atualmente duas igrejas, governadas e servidas por uma mesma hierarquia: A Igreja católica de sempre, e a Outra [8].

            Sem dúvidas, esta nova Igreja[9] não forma um sistema disjunto da Igreja católica. Ela o é, no início, uma parte doente. Mas pouco a pouco, a doença agravando, numerosos membros desta Igreja deixam o Corpo místico pelo cisma ou pela heresia.

A INIMIZADE É IRRECONCILIÁVEL

São Luis Maria Grignon de Montfort explica bem que a inimizade entre o mundo e a Igreja é “irreconciliável”, pois ela foi estabelecida e formada por Deus: por conseqüência, ela durará e aumentará até o fim. Deus decretou esta inimizade no paraíso terrestre, quando ele disse:

Colocarei uma inimizade entre ti e a mulher, entre tua descendência e a dela. Ela te esmagará a cabeça e tu lhe armarás ciladas ao calcanhar” [Gn 3,15].
Que se queira ou não, há, e haverá sempre uma guerra aqui em baixo entre estas duas raças, aquela dos filhos da Mulher (Nossa Senhora) – e então irmãos de Nosso Senhor Jesus Cristo-, e aquela dos homens que vivem sob a influência do diabo, “o mundo”.
Os primeiros lutam pela oração, pela penitência, pelo testemunho da palavra e das boas obras -  testemunho que pode ir até ao martírio. A isso se une, quando é prudentemente possível, o socorro do braço secular para defender a liberdade da Igreja.
Quanto aos outros, eles lutam como seu pai Satanás, pela mentira e pelo assassinato.
- eles procuram matar os corpos pelas guerras, pelo aborto, a contracepção, a droga, mais ainda as almas envolvendo-as no pecado pela tríplice concupiscência que reina no mundo.
- e quando eles não podem matar, eles operam ao menos por suas mentiras, suas calúnias e todos os artifícios particularmente numerosos e eficazes que oferecem os meios modernos de comunicação.

OS INIMIGOS DE MEUS AMIGOS SÃO MEUS INIMIGOS

É próprio aos amigos, nos diz Santo Tomás de Aquino seguindo Aristóteles, de querer as mesmas coisas, de se entristecer e de se alegrar do mesmo objeto[10]. Diz-se também que um amigo é um outro eu mesmo, um “alter ego[11]”. É o porquê da amizade nos fazer partilhar as amizades e as inimizades de nossos amigos: os amigos de meus amigos serão meus amigos, e os inimigos de meus amigos serão meus inimigos.
            Por conseqüência, se a Igreja conciliar procura a amizade do mundo, ela se constituirá a inimiga “daqueles que o mundo odeia[12]”, quer dizer, dos verdadeiros discípulos de Nosso Senhor, aqueles que são nomeados tradicionalistas.
            Não há nada a se fazer contra essa inimizade querida por Deus. A Igreja conciliar que prega a paz e unidade, que suprime todos os anátemas, tem, entretanto, ela mesma pronunciado a excomunhão contra os tradicionalistas, quer dizer, contra os verdadeiros católicos. Excomunhão certamente inválida, mas que manifesta uma profunda verdade: nós somos inimigos.  
            Alguns, não conhecendo bem a questão, pensam que se deveria ao menos chegar a um acordo, a fazer a paz, a se reconciliar com “Roma”. “Vejam, dizem, este papa tão tradicional sobre a moral, veja o cardeal Ratzinger que defende a missa tradicional, etc.”
            Em realidade, enquanto Roma conciliar mantiver sua amizade com o mundo, nós não nos poderemos “reconciliar”. Mas, no dia onde a Roma conciliar romper sua amizade com o mundo, a Igreja conciliar cessará de existir, e todas as dificuldades entre ela e nós desaparecerão.

AQUELES QUE NÃO ESTÃO CONTRA VÓS, ESTÃO CONVOSCO

Jean Madiran ama [amava] citar a frase do Evangelho: “Aqueles que não estão contra vós, estão convosco[13]”. Ele conclui disso que os tradicionalistas não deveriam criticar os “acordistas”, pois estes últimos, mesmo se eles fazem ato de fidelidade à Roma [conciliar], não estão “contra a Tradição” ( o que se deveria ver de mais perto...).
Mas, na verdade, a frase do Evangelho pressupõe que “aqueles que não estão contra nós” não estão de maneira nenhuma “contra Nosso Senhor”. Ela se aplica a um homem que faz milagres no nome de Nosso Senhor, e que, segundo o que afirma Jesus ele mesmo: “logo, não pode falar mal de mim” (São Marcos 9, 38).
Esse não é o caso dos acordistas. Fazendo-se amigos da Igreja conciliar, eles partilham as amizades e as inimizades: eles tornam-se “amigos do mundo” e então “inimigos de Deus”.
Nós e nem eles não podemos fazer nada diante desta realidade. Até o fim do mundo, isso será assim. Os amigos deste século se farão inimigos de Deus.
A frase do Evangelho não pode se aplicar aos acordistas: sem dúvida, alguns dentre eles não querem ser “contra nós”, mas eles são, de fato, “contra Nosso Senhor”. Como eles poderiam estar “conosco”?
                                                              *
* *

Pio IX, é necessário lembrar, condenou esta proposição em seu Syllabus:
O pontífice romano pode e deve se reconciliar e acordar-se com o progresso, o liberalismo e a civilização moderna[14]

É contradizendo a Epístola de São Tiago, como a condenação de Pio IX que se estabelece a nova Igreja, a Igreja conciliar. Ela se constitui naqueles que procuram “a amizade com o mundo” e a “reconciliação com a civilização moderna”; como uma doença contagiosa, ela se estende a todos aqueles que se unem a ela.
Contra esses jogos de amizade e inimizade, ninguém pode fazer nada: São leis teológicas[15] .
            O que por outro lado nós podemos – e devemos fazer - , é estudar e trabalhar na aquisição de virtudes cristãs, a fim que, Deus nos ajudando, nós escolhamos o bom campo: aquele da descendência da Mulher e não aquele da descendência da serpente.

Editorial da revista "Sal da Terra", de número 48, pelos Dominicanos de Avrillé. 




  





[1] Assim se resumiu a oposição entre os padres Lacordaire e Jandel: ver Bernard BONVIN, Lacordaire-Jandel, Paris, Cerf, 1989, p. 210.
[2] São Luis Maria Grignon de Montfort, em uma linguagem não menos enérgica, diz que “os amigos do mundo” e os “escravos de Satanás” “são uma mesma coisa” (Tratado da verdadeira devoção, §56).
[3] Sermão da missa do 29 de agosto 1976, à Lille. Dom Lefebvre, Sermões históricos, Paris, Ed. Servir, 2001, p.60.
[4]  Ver “Sal da Terra 45, pág 54 sq. ”
[5] Ver os artigos de M. l’abbé Simoulin no Sal da Terra 5 e 6; O Sal da Terra 5, p. 298 e sq; O Sal da Terra 9, pág 275 et sq.; as recensões dos livros de Dörmann  aparecidos nos números 5, 16, 33 e 46; e passim na revista.
[6] Carta manuscrita fotocopiada, enviada por Dom Lefebvre a seus amigos no dia 29 de julho de 1976 e reproduzida no Sal da Terra 36, p. 10. Outros textos de Dom Lefebvre sobre este tema: ver o editorial do Sal da Terra 29, p.3; e a carta a Jean Madiran citada no Sal da Terra 40, p. 232. – Os padres de Campos (antes do acordo) utilizavam também a expressão : “Igreja conciliar”: ver O Sal da Terra 6, p.119; O Sal da Terra 18, p. 205; e o Sal da Terra 43, p. 192.
[7] P. Roger Thomas CALMEL O.P, “Autoridade e santidade na Igreja”, Itinerários 149, (janeiro 1971), p. 13-19. Reproduzido no Sal da Terra 12 bis, p. 121,125.
[8] Gustavo CORÇÃO, Itinéraires, 223; artigo “A Outra”.
[9] Ver “Nota histórica e doutrinal sobre a Igreja conciliar” no Sal da Terra 1, p. 114. Ver também todo o parágrafo sobre “Jean Madiran e a Igreja Conciliar” no Editorial do Sal da Terra 45, p. 36 e sq. Assim que o Sal da Terra 34, p. 248.
[10] I-II, q. 28, a. 2.
[11] “Amicus, nono Ethicorum, est alter ego, idest amicorum est idem velle e nolle.” (Guillelmi WHEATLEY, Expositio in Boethii De consolatione Philosophie, II, 15 [obra falsamente atribuída a Santo Tomás]). – Ver também Tullius CICERO Contra Salusticum: “Amicorum est, si veri amici fuerint, idem velle ET idem nolle: amicus et enim est alter ego.” Citado em Guillelmi Wheatley, Expositio in Boethii De scholarium disciplina, cap. 4. [Obra falsamente atribuída a Santo Tomás de Aquino].
[12] Ver São João 15, 18-19: “Se o mundo vos odeia, sabei que ele odiou-me primeiro. Se vós fostes do mundo, o mundo vos amaria como sendo seu, mas porque vós não sois do mundo, porque minha escolha vos tirou do mundo, por esta razão, o mundo vos odeia.”
[13] “Qui non est adversum vos, pro vobis est (São Marcos 9,39).
[14] Syllabus, 8 de dezembro 1864, proposição (condenada) nº 80, DS 2980.
[15] O Padre Júlio Meinvielle, no “O Judeu no mistério da história (Buenos-Aires, 1959), expõe “com força a oposição teológica, quer dizer, arranjada por Deus, que deve existir através da história cristã. [...] Isso não é uma inimizade local, ou de sangue, ou de interesses. É uma inimizade disposta por Deus. [...] Esta inimizade deve ser universal, inevitável, e terrível."

Nenhum comentário:

Postar um comentário