Da
seita neomodernista que ocupa a Igreja Católica
Cinquenta anos depois do Concílio Vaticano II e da reação do movimento
tradicionalista na subsequente crise da Igreja, podem-se distinguir três
tendências divergentes sobre a relação a ter entre a Igreja Católica e a Igreja
oficial. Quer dizer, entre o corpo místico de Nosso Senhor Jesus Cristo e os
clérigos e fiéis unidos à hierarquia e às reformas pós-conciliares.
Para uns, são duas
igrejas substancialmente distintas, absolutamente separadas, e não se pode
pertencer às duas ao mesmo tempo. Estas duas igrejas tem uma fé diferente,
ritos diferentes, uma legislação diferente. A lógica os leva também a já não
rezar publicamente pelo papa atualmente reinante, porque ele é papa de outra
Igreja, que não é – ou já não é – católica.
Para outros, ao
contrário, a Igreja oficial, hierárquica, romana, conciliar não é uma Igreja à
parte, mas sim a Igreja Católica real, una, a verdadeira, a visível, a Igreja
de hoje, e é inadmissível fazer uma distinção real entre a Igreja conciliar,
oficial, e a Igreja fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo. A lógica levará
também a procurar a pertença oficial, visivelmente, canonicamente, a esta
hierarquia, para bem assegurar a pertença à única Igreja, católica e
apostólica.
Estas duas
concepções, durante já cerca de meio século de debates entre tradicionalistas,
dividiu-os e levou-os a formar duas pontas extremas, conhecidas comumente por
“sedevacantistas” e “acordistas”. Nossa análise pode parecer sumária, mas a
experiência o tem provado: quando um tradicionalista, clérigo ou leigo, já não
faz a distinção entre a Igreja oficial e a Igreja católica, ele acaba um dia ou
outro se colocando a serviço da primeira, e assim abandona o combate da fé
exigido pela segunda nestes tempos de clara e geral apostasia.
Na verdade, o
problema é mal colocado, e permanece um dilema entre dois termos de uma
alternativa. Pois há uma distinção a fazer entre a Igreja oficial e a Igreja
Católica, e ela foi feita por todos os nossos antigos combatentes da fé depois
do concílio. Basta que refresquemos a memória e nos lembremos de fórmulas bem
conhecidas: “A Igreja ocupada”, “Roma ocupada”.
A Igreja conciliar
e neomodernista não é portanto nem uma Igreja substancialmente diferente da
Igreja Católica nem absolutamente idêntica; ela tem misteriosamente algo de um
e de outra: é um corpo estranho que ocupa a Igreja Católica. É preciso
distingui-las sem separá-las.
Precisemos bem: um
“corpo”, e não uma “doença”, uma “tendência”, um “espírito”, uma “concepção
falsa” como se procura demonstrar no DICI n°273, recusando em princípio
considerar a Igreja conciliar como uma “sociedade distinta de outra” (p. 8).
Esta negação poderia, rigorosamente, ser admitida no sentido definido acima, de
uma sociedade absolutamente,
substancialmente diferente da
Igreja Católica. Mas ela nos parece perigosa, em seu sentido óbvio, e, em todo
caso, contrária à doutrina de São Pio X, que qualifica os modernistas de associação secreta (cladestinum foedus; Motu
próprio de 1 de setembro de
1910) que se oculta no
seio mesmo e no coração da Igreja (sinu
gremioque Ecclesiae; Pascendi,
1907).
O que o magistério
ensina originalmente como modernismo, nossos antigos o chamaram em termos
enérgicos de sujeito do neomodernismo, qualificando suas hierarquias de
“seita”; e não se vê em que o princípio tenha mudado hoje em dia... Que se nos
permita, mesmo se este debate desagrade hoje em dia a alguns na Tradição,
trazer à memória algumas citações lapidares:
Dom Lefebvre: Isso
é uma seita que se apossou de Roma, se apossou
da alavanca de comando da Igreja” (Conferência em Flavigny, dezembro 1988, Fideliter n° 68, p. 10).
Padre Tissier de
Mallerais: “[...] nas circunstâncias de uma Igreja ocupada pela seita progressista [...]” (Fideliter n° 53, p. 38, set-out 1986).
Padre Calmel:
“[...] organizações ocultas de uma falsa Igreja, de uma Igreja
aparente” (Itinéraires n°
123, p. 174, maio 1968); “Igreja aparente no seio mesmo da Igreja verdadeira”
[...]” (Itinéraires n°
106, p. 178, set. 1966).
Padre Marcille:
“[...] a seita no poder na Igreja [...] a seita conciliar a favor do poder que ela ocupa
[...]” (Fideliter n° 96,
pp. 67 e 71, nov-dez 1993).
Marcel de Corte: “É
a parte que se erige para tudo, a seita que se erige na Igreja una, santa,
católica, apostólica e romana. Por um instante, a parte permanece no todo que
ela corrompe pouco a pouco” (Itinéraires n°
131, p. 266, março de 1969).
Jean Madiran:
“[...] a seita campeada na Igreja [...]” (Itinéraires n° 137, p. 28, nov. 1969).
Henri Rambaud:
“[...] a seita, pequena pelo nome em relação ao
resto do rebanho, mas instalada nos postos de comando [...]” (Itinéraires n° 143, p. 111, maio 1970).
Resumindo com o
Padre Berto: “Jacques Maritain, em 1966, falou de ‘febre’ neomodernista. Mas
ele esquece que [se trata de] neomodernistas que jamais se admitirão tais, que
permanecerão a todo o preço no interior da Igreja, para ‘fazê-la crescer de
dentro uma mutação substancial que não lhe deixará da Igreja senão o nome
[...]; eles constituem na Igreja uma associação
secreta de assassinos da
Igreja” (Itinéraires n°
112, p. 69, abril 1967).
Em 1964, em pleno
concílio, Jean Madiran escreveu um artigo especial intitulado “A sociedade
secreta do modernismo”, em Itinéraires.
Cinquenta anos depois, seu diagnóstico permanece ainda válido:
"Uma sociedade
secreta que consegue sobreviver quando é combatida, não vai ela conseguir
prosperar quando já não for combatida? Depois da morte de São Pio X, ocupam-se
de outra coisa, incluindo o modernismo doutrinal, jurídico, social, mas já não
se ocupam da sociedade secreta instalada no seio da Igreja. A
consequência de tal abstenção é que a sociedade secreta reforçou sua
instalação, multiplicou seus progressos, desenvolveu seu poder; que é poder
oculto e se torna muito maior; que ela foi muito mais forte para colocar à
frente seus adeptos, para liquidar seus adversários, e para prevenir que se
fale dela: impor um silêncio público a respeito dela mesma é o objetivo de
todas as sociedades secretas." (Itinéraires n° 82, abril 1964, p. 100.)
Reduzir a Igreja
conciliar e neomodernista a um conceito, uma tendência, um espírito, recusando-lhe o status de seita,
de sociedade, de associação (Ecclesia = assembleia em grego), em que ela
deve necessariamente se encarnar, e para qual de fato ela se move concretamente
e eficazmente, é ignorar os ensinamentos de São Pio X e de nossos antepassados
na Tradição. Isso não é somente um erro teórico, mas também, em suas
consequências práticas, uma predisposição de espírito a identificar puramente e
simplesmente a Igreja Católica, a que todos querem pertencer, e a hierarquia
oficial e visível que a ocupa e a dirige depois de décadas, de que nós não
fazemos (ainda) parte. Situação portanto “anormal”, que convém regularizar de
uma maneira ou de outra.
Citemos algumas
frases significativas de Dom Fellay: “O fato de ir a Roma não quer dizer que se
esteja de acordo com eles. Mas é a Igreja. E é a verdadeira Igreja” (Sermão em
Flavigny, em 2-9-2012, Nouvelles
de Chrétiente, n° 137, p.
20.)
“A Igreja do Cristo está presente e move-se como tal,
quer dizer, como única arca de salvação, somente lá onde está o vigário de
Cristo” (Carta aos amigos e benfeitores de 13-04-2014).
“A Igreja oficial é a Igreja visível; é a Igreja
Católica, e ponto final” (Sermão no Seminário de la Reja, 20-12-2014).
Compare-se com o
que Dom Lefebvre disse a nossos padres reunidos em Écône, em 9 de setembro de
1988: “Nestes últimos tempos, disseram-nos que era necessário que a Tradição
entrasse na Igreja visível. Eu penso que se comete nisso um erro gravíssimo, [...] isso é enganar-se assimilando
Igreja oficial e Igreja visível. Nós
pertencemos à Igreja visível, à sociedade de fiéis submissos ao Papa, pois não
recusamos a autoridade do papa, mas o que ele faz... Saímos, então, da Igreja
oficial? De certa maneira sim, evidentemente. Todo o livro de M. Madiran A Heresia do 20° século é a história da heresia dos bispos,
deve-se então sair do meio destes bispos, se não se quer perder sua alma” (Fideliter n° 66, nov.-dez.1988, pp. 27-28).
Concluímos: com são
Pio X, guardemos sempre no espírito que os neomodernistas formam uma seita que
não quer jamais deixar a Igreja Católica, que a subverte do interior, e que são
seus piores inimigos, verdadeiros lobos revestidos de pele de ovelha.
Com Monsenhor
Lefebvre, não nos juntemos aos “católicos que confundem a Igreja Católica e
romana eterna com a Roma humana e suscetível de ser invadida pelos inimigos
cobertos de púrpura” (Carta ao Figaro,
de 02-08-1976).
Revista “Le Sel de la terra” dos dominicanos de Avrillé, edição de
inverno de 2015
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